Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Faz falta ao país um Plano Nacional para a Prevenção da Seca que garanta que a água não seja um negócio

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

 

Duas ideias centrais que queremos destacar neste debate.

Primeira ideia: a água, e o acesso à água, é algo que deve ser considerado no quadro dos direitos humanos. É isso mesmo, aliás, que é consagrado pelas Nações Unidas. E esta ideia implica necessariamente a rejeição frontal das conceções mercantilistas, da água como negócio de milhões para algumas multinacionais.

Segunda ideia: perante a situação que se tem agravado ao longo dos anos, de períodos de seca cada vez mais frequentes, e de mais gravosos impactos para o nosso país, é imprescindível encarar este problema como um problema estrutural – e por isso mesmo avançar para respostas e soluções estruturais.

Naturalmente, estamos (como sempre estivemos) disponíveis para o debate sobre as medidas concretas, pontuais, que podem ser equacionadas neste domínio da poupança da água, do armazenamento, enfim da gestão racional deste recurso.

Aliás, o problema das propostas sobre medidas pontuais está no risco que se coloca de errar gravemente na generalização absolutista da aplicação transversal de normas e decisões de forma geral e abstracta transformando possíveis boas ideias em potenciais más medidas.

Mas a proposta que o PCP apresenta neste debate é um contributo construtivo para o trabalho indispensável no domínio do planeamento estratégico nesta matéria.

Propomos a criação do Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca. Um plano que vá para além das medidas de mitigação e contingência, um plano que, a partir da realidade concreta e da previsão das necessidades, defina os investimentos necessários, e apontando os horizontes temporais para a sua concretização.

Importa definir e hierarquizar prioridades para o uso da água em condições de seca. Para o PCP, é necessário privilegiar o uso da água para uso humano, a saúde pública, a pequena e média agricultura adaptada às condições edafoclimáticas do país, a pequena e média indústria e a salvaguarda dos rendimentos dos trabalhadores, garantindo ainda o serviço dos ecossistemas.

Faz falta um plano que permita ir mais longe na preparação do país para enfrentar futuros fenómenos de seca, de forma a prevenir e minimizar os seus efeitos e não ficar somente pela adoção de medidas de contingência e excecionais, hoje mais necessárias, pela falta de preparação e investimento no passado.

Para enfrentar os fenómenos extremos de seca, Portugal precisa de desenvolver e implementar um plano integrado em que se correlacionem as necessidades de utilização da água para múltiplos fins, com as adequadas e possíveis capacidades de armazenamento, promovendo a utilização racional e eficiente da água como fator de desenvolvimento económico e social, assente na universalidade de acesso a este recurso, em detrimento da sua utilização massiva e da sua exploração numa base privada monopolista.

A proposta do PCP aponta ainda para domínios concretos em que este planeamento deve avançar: o reforço da capacidade de armazenamento de recursos hídricos, a programação do trabalho de adaptação para as atividades agrícolas e para as atividades agropecuárias.

No contexto do regadio, importa destacar que a criação de infraestruturas de armazenamento de água associadas ao uso agrícola permite salvaguardar a utilização de origens de água subterrânea para outros fins, nomeadamente para o abastecimento público. No entanto, há que ter em atenção o modelo de gestão e exploração destes recursos, no sentido da garantia do acesso à água, aos pequenos e médios agricultores e agricultores familiares.

O senhor deputado do PS, António Monteirinho, que usou da palavra no início deste debate começou por fazer uma afirmação que é inteiramente verdadeira, nesta matéria PS e PSD não têm assim tantas diferenças, não podíamos estar mais de acordo e saudamos o senhor deputado pela frontalidade.

PS e PSD ao longo dos anos, e em sucessivos governos, têm condicionado os investimentos no sector à estratégia de favorecimento do negócio utilizando os fundos comunitários como elemento político de chantagem para forçar a agregação dos sistemas de água invocando depois os problemas criados para justificar o caminho de privatização e de privilégio do negócio em detrimento do controlo democrático da gestão da água.

Nos últimos 30 anos tem vindo a ser desenvolvido em Portugal uma forte ofensiva contra a gestão pública da água, uma ofensiva politicamente desencadeada por esses sucessivos governos visando a entrega da gestão da água e saneamento ao sector privado suportado em produção de legislação, de regras e normas tais como a imposição da verticalização do sector e as consequentes agregações dos subsistemas em alta e em baixa, a limitação e/ou recusa de acesso aos fundos comunitários para o apoio de requalificação das redes de água e saneamento entre outras, tendo como fim último retirar da esfera dos municípios a gestão dos serviços de água e saneamento.

            Senhor Presidente,

            Senhoras e Senhores Deputados,

            Tal como o PCP têm vindo a propor, é urgente o desenvolvimento de uma estratégia nacional de garantia de segurança hídrica que passe pelo investimento de mais meios públicos para gerir, monitorizar e planificar a gestão de recursos hídricos e para avançar com investimentos há muito adiados.

Reafirmamos, o acesso à água é um direito e não é um negócio pelo que é necessário assegurar uma gestão pública robusta, competente, agir na preservação e protecção de todos os valores da água, garantir o direito à água e saneamento para todos, valorizar o serviço público, os trabalhadores e reforçar o investimento para cuidar do futuro.  

 

 

 

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