Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Sessão Pública «Évora, Capital Europeia da Cultura 2027 - Um Património, uma Identidade, uma Dinâmica e um Desenvolvimento com Futuro»

Évora, a sua Câmara Municipal e as suas gentes dão expressão viva e concreta ao projecto que a Constituição da República consagra – a cultura como componente central da democracia

Gostaria de começar naturalmente por saudar a vitória de Évora a Capital Europeia da Cultura e, por seu intermédio, saudar toda a região e os alentejanos, todos aqueles que confiaram e acreditaram neste processo, todos aqueles que contribuíram e tornaram possível a vitória da candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura em 2027, nomeadamente a Comissão Executiva da Candidatura e a Equipa de Missão.

Uma candidatura de enorme qualidade, diferenciada, original, elaborada a pensar no concelho e na região, nas suas gentes e na cultura que caracteriza o Alentejo. 

Uma candidatura “com vagar”, profundamente ligada às raízes, à história e ao quotidiano da vida, sem deixar de ter os olhos postos no futuro, e que, por esse facto, teve uma adesão crescente das instituições e das mais diversas expressões culturais, assim como o apoio de organizações internacionais, nomeadamente da Organização das Cidades Património Mundial, de que fazem parte 350 cidades em todo o mundo.

Valorizamos o processo, destacamos o trabalho da Comissão Executiva, da Equipa de Missão e particularmente da Câmara Municipal de Évora na condução deste processo. Destacamos o apoio crescente sentido no concelho e na região, da adesão de instituições e das mais diversas expressões culturais, assim como de organizações internacionais.

Uma vitória que não está desligada, pelo contrário, ela resulta também de muito do trabalho realizado pela CDU ao longo de dezenas de anos, nomeadamente no plano cultural. Uma intervenção de grande qualidade que já em 1986 contribuiu decisivamente para que a UNESCO classificasse Évora Património Mundial da Humanidade. Um trabalho nem sempre acompanhado ao mesmo nível pelos sucessivos governos, mais empenhados num processo de desvalorização da cultura.

Évora, a sua Câmara Municipal e as suas gentes dão, de novo, expressão viva e concreta ao projecto que a Constituição da República consagra – a cultura como componente central da democracia – elemento indissociável de um povo e de um País culto, avançado, soberano e desenvolvido.

Vivemos num quadro de profundas dificuldades em que se procura fomentar a ideia de aceitar como normal o trabalho gratuito, em que se banalizou a precariedade, a instabilidade e a incerteza, chamando-lhes intermitência, em que se encostam à parede artistas e outros trabalhadores da Cultura, ou se obriga à aceitação cultural da ideologia dominante com a sua única lógica do mercado, travando a criatividade, a originalidade, a própria leitura da vida e do mundo.

Vivemos hoje uma situação na Cultura que exige mobilização de todos aqueles que estão dispostos a unir esforços com o objectivo de mudar o seu rumo de desvalorização que tem sido seguido em Portugal, e construirmos soluções capazes de levar por diante a democratização do acesso, da criação e da fruição culturais.

Este é um objectivo que preside à nossa intervenção na área da Cultura.

Por falta de dotação financeira, mais de 100 estruturas culturais de todo o País foram excluídas e não obtiveram apoio.

Repare-se bem: mais de 100 estruturas culturais que cumpriam os critérios estabelecidos pela DGArtes. Mais de 100 estruturas culturais que foram avaliadas positivamente e que, mesmo sendo elegíveis, por falta de orçamento, não receberam apoio.

Aliás, apenas 20% das estruturas que se candidataram não foram consideradas elegíveis, demonstrando a qualidade dos vários projectos apresentados.

O orçamento para a Cultura é baixo, não responde à mais que justa necessidade e aposta estratégica que é necessário e urgente levar por diante.

Se há estruturas sem apoio, e há-as, isso deve-se exclusivamente à opção do Governo, da sua submissão a outros interesses que não os do acesso, fruição e produção cultural.

Não é um problema de falta de dinheiro, é a decisão errada para onde e para quem se distribui o dinheiro que existe.

O Governo anunciou 79 milhões de reforço orçamental  para o ciclo do Programa Apoios Sustentados 2023/2026. Sabemos por experiência vivida que com este Governo há diferenças consideráveis entre o anúncio e a concretização, por isso é preciso ver para crer, mas este reforço desde logo não resolve as necessidades de financiamento, e confirma a justeza das propostas do PCP e a justa exigência dos agentes da cultura, sobre a insuficiência do Orçamento aprovado para este fim nos últimos anos.

Repare-se que 79 milhões são pouco mais de metade do valor que o Governo decidiu dar de mão beijada às concessionárias das auto-estradas no início deste ano, foram 140 milhões de euros que saíram do nossos bolsos directamente para os cofres da Brisa e outras brisas que tais.

Mas 79 milhões é o valor que a banca abotoou em lucros nestes últimos sete dias.

Para que se tenha a noção, nesta hora em que aí vamos passar, a banca vai buscar aos bolsos de cada um, ao esforço de cada um, só nesta hora, entre as 17h30 e as 18h30, cerca de 450 mil euros, não está mau.

E se todos nos concentrássemos nisto, nestas questões concretas, nos problemas reais que atravessam também os trabalhadores e os agentes da cultura?

Se o fizéssemos e não perdêssemos tempo a promover e a comentar trapalhadas e outras coisas que tais, o País, a cultura estaria certamente melhor.

O que se coloca como elemento central e decisivo é a mobilização de todos os intervenientes do sector pela exigência e concretização de uma política e de opções que correspondam aos seus interesses, uma política e opções que, se assim for, são o garante do direito à fruição cultural do nosso povo.

Como sempre afirmámos e a realidade demonstra todos os dias, pouco importa quem são os protagonistas, o que é decisivo hoje, como o foi ontem e como o será amanhã, são as opções e as políticas que se decidem e concretizam.

Poderíamos e deveríamos estar numa situação no sector das Artes bem diferente e bem melhor caso as propostas avançadas pelo PCP no Orçamento do Estado para 2023 tivessem sido aprovadas. Propusemos que a verba para o Apoio às Artes fosse no valor de cerca de 86 milhões de euros. Ainda antes de conhecidos os resultados do Teatro propusemos um reforço de 24 milhões de euros. Com este montante estava assegurado o apoio a todas as estruturas de criação artística até 2026, lá está, com 10 dias dos lucros da banca, resolvíamos o problema.

Mas também aqui não foi essa a opção do Governo e do PS, nem dos partidos à sua direita. Mais uma vez, PS, PSD, Chega e IL se uniram e não nos acompanharam: são eles os responsáveis pela difícil situação de muitas estruturas culturais.

São eles os responsáveis pelo insuficiente orçamento para o Apoio às Artes, foram eles que inviabilizaram 1% do Orçamento do Estado para a Cultura, são eles os responsáveis pela promoção da precariedade e pela desvalorização do trabalho e dos trabalhadores da Cultura, são responsáveis pela redução da actividade cultural e artística no País.

O Estado tem a responsabilidade e a obrigação definida no artigo 73.º da Constituição de promover a «democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural».

A Constituição que, dizem os seus detractores, está parada no tempo. Quando, mesmo depois de todos os ataques, continua a ser das mais progressistas do mundo. Quando o seu problema não é estar parada no tempo, mas sim parada e há muito na sua concretização diária na vida de cada um.

A Cultura é um universo cuja riqueza não pode ser confinada a regras do mercado capitalista, mais, esse confinamento subverte, condiciona, submete e destrói a produção artística.

Só uma intervenção pública respeitadora da liberdade cultural está em condições de a assegurar, e essa exige um financiamento adequado, garantindo 1% do Orçamento do Estado no caminho para a atribuição de 1% do PIB, conforme recomendação da UNESCO.

O Serviço Público de Cultura que defendemos dá apoio integral ao trabalho cultural e artístico, e garante aos criadores e aos trabalhadores da Cultura condições seguras de estabilidade e de desenvolvimento do seu trabalho. Reconhece e valoriza inteiramente a sua função social.

A responsabilidade pública pela Cultura não significará nunca qualquer dependência administrativa ou de tutela cultural sobre companhias e estruturas existentes ou a criar.

Será, pelo contrário, garantia de apoio mas também de independência e de ampla autonomia hoje, essas sim, perigosamente ameaçadas.

Uma política cultural que tem de enfrentar de vez a precariedade, os baixos salários, a insegurança no presente e no futuro, as relações de trabalho desreguladas, o reconhecimento do papel dos dirigentes associativos na Cultura não profissional e os direitos dos trabalhadores desse sector, opções que não se compadecem com as falsas soluções contidas no Estatuto do Profissional da Cultura do Governo PS, Estatuto que teimam erradamente atribuir a uma imaginária excepcionalidade do trabalho nestas áreas para justificar todas as arbitrariedades instaladas.

Um sistema de apoio ampliado com diversas modalidades de acesso ao financiamento, munido de um plano plurianual de financiamento que proporcione o apoio adequado a toda a actividade artística de qualidade reconhecida, em todo o território nacional, com acesso às bonificações e isenções fiscais próprias do sistema e promovendo uma política de preços acessíveis.

Um sistema que põe fim ao paradigma do modelo competitivo de financiamento, assumindo um modelo de estabilização e regularidade dos apoios, com a definição de objectivos de serviço público, assegurando a descentralização cultural.

O sistema de apoio às artes que promove a constituição de equipas permanentes onde elas se justificam, o trabalho com direitos, a remuneração integral e justa do trabalho realizado, incluindo o tempo de concepção e preparação.

Tudo isto está ao alcance dos agentes culturais, de quem usufrui da Cultura, tudo isto se constitui como uma necessidade para o País.

Não há nenhuma possibilidade de emancipação social e nacional, não há nenhuma evolução das consciências e da formação colectiva e individual, sem uma aposta decisiva na criação e fruição culturais.

Cá estamos, convictos da razão que temos, firmes na nossa missão e objectivos, há forças, há criatividade, há saber, há sonho. Se assim é, empenhemos então toda essa força imensa na construção da sociedade a que temos direito.

Não desistiremos de uma verdadeira democracia cultural. Não desistiremos de um verdadeiro Serviço Público de Cultura.

O importante projecto estruturante para o desenvolvimento de Évora e do Alentejo, que hoje aqui estamos a assinalar e a celebrar, não está desligado da visão que a Cultura deve assumir para o desenvolvimento e crescimento humano e da sociedade enquanto pilar da democracia.

A justa vitória celebra igualmente o papel de destaque que a Cultura, as estruturas, as associações, os criadores e as gentes da cultura em geral e este povo alentejano sempre assumiram desde o 25 de Abril de 1974 no projecto de desenvolvimento deste território.

Da nossa parte, da parte do PCP, da parte da CDU, podem contar connosco para trabalhar e enriquecer este projecto.

  • Cultura
  • Central
  • Capital Europeia da Cultura 2027
  • Évora