Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Encontro com pais

Direito a ser criança – crescer saudável e feliz

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Agradecemos a vossa presença e os vossos testemunhos, que dão expressão aos problemas e às preocupações com que as famílias com crianças a cargo se confrontam.

O PCP assinala com esta iniciativa singela o Dia Mundial da Criança, querendo estimular e dar força a todos os que no nosso País reflectem, intervêm e lutam pelos direitos das crianças. Os pais, os avós, os familiares, que fazem do desenvolvimento integral das suas crianças um projecto de vida e de amor. Mas também os profissionais de muitas áreas, da educação, da saúde, da cultura, do desporto, de várias áreas da administração pública e da investigação, que na sua esfera de intervenção procuram proporcionar às crianças as melhores condições de vida possíveis. A todos dizemos: podem contar com o PCP.

“Direito a ser criança – crescer saudável e feliz” foi o mote que escolhemos para esta comemoração.

Encaramos com muita preocupação os impactos sociais e económicos da epidemia de covid-19 e do confinamento, que afectam indiscutivelmente as crianças, os adolescentes, os jovens e as suas famílias, mesmo as que não tiveram casos de doença próximos. Desemprego, precariedade, desregulação dos horários de trabalho, cortes de salários, aumento da pobreza, têm impactos directos nas condições de vida das crianças. Mas também o encerramento das escolas, o isolamento, o medo, a falta de convívio com os amigos e a família mais alargada, a falta de tempo e espaço para brincar, mais dificuldades em aceder aos cuidados de saúde, muito tempo fechados em casas com poucas condições, todas estas realidades que vivemos desde Março do ano passado estão a afectar gravemente o desenvolvimento das crianças.

É justo dizer que muitos destes problemas não são novos, que esta situação excepcional se veio juntar aos vários obstáculos que já existiam. Que as famílias com crianças, particularmente as monoparentais, são as mais vulneráveis à pobreza, e que essa realidade já vinha de antes da epidemia e está estreitamente ligada a uma inaceitável política de baixos salários. Que a crescente precariedade e desregulação dos horários dos trabalhadores que são pais e mães têm um impacto directo no tempo que têm para estar com os filhos – e isso também já vinha de trás. Que a incerteza quanto ao futuro faz com que muitos jovens tenham adiado ou desistido do plano de ter filhos, ou mais filhos, nas últimas décadas, e que esta situação se reflectiu dramaticamente no último trimestre, em que houve o menor número de nascimentos em Portugal desde que há registos.

Os problemas não surgiram com o vírus. A epidemia agravou, isso sim, muitos dos problemas da sociedade que põem em causa o direito das crianças a serem crianças, a crescerem saudáveis e felizes.

Garantir a todas e a cada uma das crianças os direitos necessários ao seu desenvolvimento integral é justo e necessário. Mas também é estratégico para o desenvolvimento e o futuro do País.

O PCP considera que é necessário garantir às crianças as condições para recuperar do tempo de isolamento social, para conviver, brincar e aprender. É preciso garantir no imediato as medidas que reforcem os direitos das crianças à vida, à saúde e a uma educação de qualidade.

Consideramos que há três áreas de intervenção prioritária para este objectivo: os direitos dos pais e das mães enquanto trabalhadores; serviços públicos a pensar nas crianças; garantir o direito a brincar.

Desde logo, participar, apoiar e viver o crescimento de um filho implica ter um salário digno, um vínculo permanente, boas condições de trabalho e horários estáveis. Aplicar as 35 horas de trabalho sem redução de salário; combater os horários desregulados, o abuso do trabalho nocturno, por turnos e aos fins-de-semana; promover o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores e do Salário Mínimo Nacional para 850 euros; aplicar um plano de combate à precariedade; cumprir e alargar os direitos de maternidade e paternidade nas empresas e locais de trabalho. São direitos de todos os trabalhadores, mas cujo impacto no quotidiano daqueles que têm crianças a cargo é decisivo.

Não adianta chorar lágrimas de crocodilo com a pobreza infantil, a baixa natalidade ou o insucesso escolar. É inaceitável que se culpem os pais – e em particular as mães –, que se repitam discursos moralistas, sem intervir na legislação laboral, compactuando com a exploração e os baixos salários.

Em segundo lugar, são necessários mais serviços públicos a pensar nas crianças. Investir hoje na sua saúde, na educação e na qualidade de vida é construir um futuro melhor para todos.

Insistimos na necessidade de garantir médico e enfermeiro de família a todas as crianças; que os cuidados de saúde primários incluam pediatria, psicologia, oftalmologia, saúde oral e nutrição; que se garanta acompanhamento psicológico para as crianças e jovens que precisam de apoio para recuperar das consequências da epidemia.

Insistimos no aumento e na universalidade dos abonos de família.

Insistimos que é necessário garantir vaga para todas as crianças a partir dos 3 anos no pré-escolar público, que se deve reduzir o número de alunos por turma, que se reforcem os meios materiais e humanos nas escolas e a Acção Social Escolar, que se garanta o reforço dos apoios pedagógicos para recuperar aprendizagens, nomeadamente no ensino especial.

Permitam-me que particularize a necessidade de garantir creches gratuitas a todas as crianças. Por proposta e intervenção do PCP no Orçamento do Estado para 2020, estão hoje gratuitamente em creches cerca de 19 mil bebés do 1.º escalão e segundos filhos do 2º escalão. No Orçamento do Estado para 2021, está inscrita a gratuitidade das creches para todas as crianças dos 1.º e 2.º escalões, e é indispensável que seja aplicada rapidamente. O PCP não desiste de garantir que nesta legislatura todas as crianças frequentem uma creche gratuitamente. O PCP não desiste da criação de uma rede pública de creches gratuitas. É um passo essencial para apoiar as famílias, para garantir qualidade e segurança nos cuidados na primeira infância, para promover a igualdade desde os primeiros anos de vida.

Por último, é necessário garantir às crianças o tempo e o espaço para brincarem livremente, para conviverem com outras crianças, com os pais e com outras gerações. Para que brincar seja mesmo um direito, é necessário requalificar os espaços exteriores das escolas, garantindo que são seguros e estimulantes, e que as crianças têm tempo para brincar livremente, ao ar livre, em todos os graus de ensino. Propomos que se acabe com as Actividades de Enriquecimento Curricular no 1.º ciclo do Ensino Básico, e que sejam substituídas por um Plano Nacional de Ocupação dos Tempos Livres. Defendemos, como já referimos por diversas vezes, que é essencial retomar e efectivar o desporto escolar.

Sabemos que no dia de hoje se farão muitos discursos sobre como o melhor do mundo são as crianças. E são, certamente.

As soluções que preconizamos para responder com prontidão às consequências do surto epidémico na vida das crianças inserem-se nas que ao longo dos anos temos vindo a defender e a apresentar na Assembleia da República para a efectivação dos direitos das crianças, mas também das mães e dos pais. São soluções muito concretas, que visam garantir as condições económicas, laborais e sociais que permitam às famílias o cumprimento do seu papel, mas igualmente um forte investimento nas funções sociais do Estado.

É preciso romper com os aparentes consensos em torno do apoio às famílias e à promoção da natalidade, que na prática se tem saldado no insucesso das políticas realizadas por Governos de PS, PSD e CDS.

As soluções que preconizamos abrem caminho para o êxito que se impõe nestes domínios. O Governo PS só não vai mais longe porque não quer.

Devemos olhar para o que a nossa Constituição consagra relativamente às crianças. Diz ela:

“As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. (…) Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. (…) Incumbe ao Estado, para protecção da família, promover a independência social e económica dos agregados familiares. Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família. (…)”

Também no que diz respeito aos direitos das crianças, a Constituição indica o caminho a percorrer. Podem contar com o PCP como força activa e determinada na construção desse caminho!

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