Intervenção de José Barata-Moura, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo»

Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade

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1. Tema.

Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades».

Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.

Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.

Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.

Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).

Esta inflexão, de ordinário, é interpretada de modo redutor. Como uma simples mudança de domicílio: abandonam-se os etéreos aposentos idílicos da «teoria», para um banho de imersão agreste nos aquários agitados da «prática».

Quando o essencial – para abreviatura cómoda – devém pormenor de somenos, a «trajectória» parece que aponta num sentido aparentado. Porém, torna-se imprescindível não elidir, nem esquecer, a complexidade maior que ela carrega no «trajecto».

Não se trata apenas de «levar à prática» um acervo doutrinário, anteriormente fruto de melancólica cogitação delicada, e de fervoroso desejo ardente. Trata-se, sim, de promover o assentamento da própria teoria em alicerces dialecticamente materialistas – onde a transformação material consciente se inscreve –, e a cuja luz os itinerários da prática se esclarecem: no horizonte, e na caminhada.

O pensamento e a acção de Marx proporcionam contribuições inestimáveis – e decisivas – neste roteiro de tarefas em desafio.

Ajudam a compreender, na trama dos seus meandros, a radicação dos processos, para na respectiva dinâmica revolucionariamente intervir.

Ajudam. E muito. Mas não substituem: nem o estudo das realidades entretanto transformadas, nem o combate comunista pelo avanço na sua transformação.

Por isso com justeza lhe comemoramos o segundo centenário do nascimento.

Não como um piedoso exercício de agradecida memória pelo património impar que edificou. Mas para efectivo cumprimento – numa obra que se prolonga – do legado que às nossas lutas continua a entregar.

Na esteira de Marx, passamos a dispôr de um balcão de perspectiva enriquecido para uma transformação do mundo que nos incumbe levar a cabo:

Na diferença dos tempos, no diferenciado labor da nossa temporalidade, e com a exigência de, a tempo, lhe ir introduzindo as diferenças que se impõem.

2. Nos alvores da Modernidade.

«Utopia» – enquanto palavra – fala um grego renascido na Modernidade.

O vocábulo saiu das forjas de Thomas More, martelado num latim helenizante a partir de «não lugar», para, noutro transgénico lexical oriundo da mesma engenharia, significar: «Nenhures» (Nusquama)2. Foi posto em circulação por 1516.

O nosso João de Barros, em 1563, já lhe apreendera – enquanto livro – a trança dos significados: a Utopia de More é uma «fábula moderna», em que ele quis ensinar aos ingleses como se haviam de governar.3.

O impacte da obra foi tal, que passou a designar – retrospectivamente, e para diante – um género literário específico, onde a incidência política toma o viso de uma narrativa «maravilhosa».

Platão vê-se reinterpretado como enfileirando sob essa insígnia4, e Étienne Cabet explana o seu icariano «sistema» (système) social, político, e filosófico – de assumidos contornos «comunistas» – na forma de um «romance» (roman) que expressamente de Thomas More se reivindica5.

A utopia dos mundos sonhados não se reduz, porém, à mera divagação pelo onirismo fantasista.

O discurso utópico cruza os céus referido a um «Além», que em parte alguma do globo conhecido tem estadia6. Mas levanta o voo a partir de situações determinadas de um «aquém», apercebido como manifestamente insatisfatório:

As contrastivas que se estabelecem – ou se deixam tão-só sugeridas – relevam de uma crítica do existente, imbuída de uma vontade de superamento das suas misérias e defeitos.

Thomas More – do mesmo passo que desanca a ociosidade dos senhores feudais que vivem da insaciável sugação do trabalho servil7, e que denuncia as «maquinações» (machinamenta) dos ricos para converter em Lei geral da res publica aquilo que apenas aos seus interesses privados convém8 – verbera igualmente, em tom irónico, a expulsão dos camponeses das terras, a fim de incrementar os ganhos com o comércio da lã (que, entretanto, atingira preços apetitosos no mercado):

«As vossas ovelhas […], que são tão mansas e que se costumam alimentar de tão pouco, agora (ao que dizem) começaram a ser tão vorazes e indómitas que devoram os próprios homens, devastam e despovoam os campos, as casas, as povoações.»9.

Será de interesse notar que é esta, precisamente, a passagem que Marx retém, quando alude a More10, e não – ao arrepio do que alguns estariam à espera – aquelas digressões acerca do humanitarismo «comunista» vigente na sociedade «perfeita» dos Utopianos, onde «todas as coisas são de todos» (omnia omnium sunt)11, de acordo, aliás, com uma ancestral fórmula canonicamente transmitida 12.

Alertando, todavia, para os destemperos de uma aproximação forçada, lembro ainda que não é de excluir que pelas conhecidas afirmações que rematam o Manifesto – dada a situação em que se encontram, os proletários não têm nada a perder, mas «um mundo a ganhar»13 – reverbere algum eco longínquo de uma fina observação que More deixara escapar em formas interrogativas:

«Quem [é que] se empenha [studeo] mais afincadamente [intentius] na mutação das coisas, senão aquele a quem o estado presente da vida menos que tudo [minime] agrada? Ou, em suma, de quem [é} o ímpeto mais audaz para conturbar [conturbo] todas as coisas, na esperança de daí lucrar [spe alicunde lucrandi], senão daquele que já nada [nihil] tem que possa perder?»14.

Embora desprovidos de mediação explicitada que os cimente, estes elementos avulsos sinalizam a maneira como Marx aborda o tema da «utopia».

Trata-se sempre de um fenómeno historicamente situado, cuja significância lhe advém do recorte crítico e da pulsão trans-gressora, a que os entusiasmos da vidência futurante apenas servem de veículo.

Na verdade, para Marx, o utopismo só pode ser devidamente criticado depois de compreendido nas diferentes inserções mundanas em que concretamente se manifesta. Porque as circunstâncias que ele reflecte, os movimentos que acompanha, bem como as perspectivas que projecta – para não falar dos «resultados» a que aporta –, não são abstractamente, em qualquer eventualidade, os mesmos.

Apesar de todas as deficiências que carrega, de todos os enganos que precipita, de todas as ilusões que alimenta e prodigaliza – cuja origem tem, em cada caso, que ser investigada –, o pensamento «utópico» (sobretudo, em certas fases embrionárias de um processo histórico determinado) não deixa de se apresentar, distorcidamente, como «a expressão teórica do movimento prático» (der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung)15. E é nessa contraditória valência material que importa que ele seja surpreendido, para que possa vir a ser ultrapassado.

A «utopia» não é motor de propulsão – como muitos apressadamente julgam –, mas sintoma de um «mau-viver» que aflige, e com o qual os que nela buscam alívio não encontram outra forma de lidar.

3. Quando as situações se agravam.

Não pode causar espanto que, com a sedimentação das relações burguesas, e o desenvolvimento do próprio modo capitalista de produção, o utopismo vá assumindo na coloratura traços «socialistas» crescentes:

Em contraponto à ganância desenfreada de um proprietarismo estridente entoado em clave «egoísta» maior, e desprovido de contemplações no frenesim da extorsão dos ganhos.

De feição genericamente «humanitária» no endereço intelectualizado proposto, mas contando com audiência e impacte entre as classes laboriosas: já proletarizadas, ou em acelerado caminho de proletarização.

E assumindo um figurino em consistente linha com o estádio de maturação ainda rudimentar dos processos objectivos em curso, e das forças sociais que lhes sofriam no dia-a-dia os efeitos mais gravosos.

Hegel havia saudado nos ordenamentos consagrados pela Revolução Francesa o advento de uma era em que o mundo da sociedade passara finalmente a ser comandado pela «cabeça» (Kopf)16. Engels explicará, com justeza, que «este reino da razão não era mais do que o reino da burguesia idealizado» (dies Reich der Vernunft weiter nichts war, als das idealisirte Reich der Bourgeoisie)17.

Entretanto, em cadência de acelerado, a realidade experimentada ia desocultando o reverso das idealizações, o qual comprovava o desordenamento implantado, em que as coisas transcorriam de «pernas para o ar».

Saint-Simon constata que a sociedade coetânea é «o mundo invertido» (le monde renversé), onde aqueles que carecem do necessário ainda abdicam de uma parcela do pouco que lhes resta para engordar uma casta de grandes proprietários que regorgitam de superfluidades18.

Charles Fourier põe a nu as contradições da «civilização» (civilisation) de que os burgueses se ufanam – mas que ele define como «uma guerra do rico contra o pobre» (une guerre du riche contre le pauvre)19, onde se tolera que «a pobreza nasça da própria abundância» (la pauvreté naisse de l’abondance même)20 –, convidando os humanos a que, quanto antes, dela desertem21.

Robert Owen denuncia a degradação em massa das condições de trabalho e de vida dos proletários (homens, mulheres, e crianças) nas insalubres fábricas de Inglaterra, e mostra um condoimento sincero pela infausta sorte que os aflige, e os torna presa fácil dos abusos mais desvergonhados22.

Em suma, como Pierre Leroux sintetiza, na «ordem dos burgueses» (ordre des bourgeois), «o dinheiro é tudo» (l’argent est tout), a sociedade não tem outro princípio que não seja «a satisfação do negócio deles» (la satisfaction de leur négoce), e, por isso, no quadro vigente – usando de uma metáfora shakespeareana de que Marx também se servirá em O Capital23–, o judeu Shylock «tinha razão em querer talhar carne humana» (avait raison de vouloir tailler de la chair humaine), uma vez que, por contrato, ele a tinha comprado24.

Este «estado civilizado» (état civilisé) da burguesia é – como também Fourier refere – um «mundo às avessas» (monde à rebours), onde «a mentira» (le mensonge) e «a indústria repugnante» (l’industrie répugnante) imperam. Por conseguinte, há que pôr o mundo «a direito» (à droit sens), passando, sem demora, àquele «estado societário» (état sociétaire) que se funda na «verdade» (vérité) e na «indústria atraente» (industrie attrayante)25.

Está montado o cenário para as reformações socialistas subirem ao palco.

E, nos alambiques da cogitação generosa, iam-se aprontando os destilados subtis que haveriam de trazer definitivo remédio às maleitas.

Para Saint-Simon, «todos os homens trabalharão»26, porque é a única maneira de prover cabalmente às necessidades sociais27, pondo cobro à parasitagem constatada dos «mandriões» (fainéants) que, roubando, «vivem do trabalho de outrem» (vivent sur le travail d’autrui)28.

Este «novo sistema de organização social» (nouveau système d’organisation sociale) – cientificamente desenhado, em moldes igualitários e fraternos – assumirá o figurino de uma verdadeira «associação» (association)29, estribada num casamento da intelectualidade e dos «industriais»30, que constituem a genuína massa maioritária dos «produtores» da nação, e dos quais se espera uma iminente entrada decisiva, enquanto partido da «regeneração», nos tablados da «política»31.

A incitação bíblica era conhecida: «procurai, e encontrareis»32.

Fourier entende que lhe deu cumprimento cabal, e por isso acha que a doutrina que formula é «a teoria do único homem que procurou e encontrou» – «la théorie du seul homme qui ait cherché et trouvé»33.

Declarando enfaticamente estar já na posse do «livro dos destinos» (livre des destins) – não apenas do mundo social, mas da cosmologia inteira –, Fourier prontifica-se então a revelar ao género humano aquela ciência certa que permite pôr de pé «a teoria da Harmonia universal» (la théorie de l’Harmonie universelle)34 que, por intermédio de «duas invenções» (deux inventions) cuja autoria reivindica35 – «a Associação agrícola» (l’Association agricole)36 e uma organização do trabalho matematicamente construída segundo «séries passionais» (séries passionnelles)37 –, terá por regra a observar, e por infalível resultado na ponta: «enriquecer todas as classes de cidadãos, sem empobrecer nem espoliar nenhuma» (enrichir toutes les classes des citoyens, sans en appauvrir ni spolier aucune)38.

Cimento estruturante destas pequenas sociedades «harmonianas» será, portanto, um interclassismo graduado: uma «associação de «interesses» entre as classes – «rica, média, e pobre» (riche, moyenne, et pauvre) –, em que rancores e lutas se esfumariam39, por, sem quaisquer concessões a um «comunismo» que se repudia como discurso vão40, haver, nos assentamentos modelares desta maneira instituídos, diversificado trabalho atractivo, e sábia retribuição justa, para todos41.

O abandono da desgraçada e vil «civilização» burguesa, mediante a passagem ao «estado societário», é encarado como um problema de mera «opção»42, a efectivar num repente, assim que junto dos «capitalistas e proprietários» (capitalistes et propriétaires) – reticentes à «ideia de uma nova ordem social» (idée d’un nouvel ordre social), mas susceptíveis de serem devidamente convencidos das asseguradas vantagens a retirar da participação no empreendimento43 – se angariem os fundos financeiros indispensáveis à criação dos colonatos44.

Uma vez instituída «a Falange experimental» (la Phalange d’essai)45, e seguidos à risca os preceitos por Fourier enunciados46, abrem-se em definitivo as portadas do paraíso para a vida nova, a qual, aliás, num colorido florilégio de «pinturas antecipadas da felicidade próxima» (peintures anticipées du bonheur prochain)47, devém objecto já de regulamentação minuciosa, assente numa catadupa delirante de cálculos e de miúdas especificações48.

Os conteúdos determinados, e as concepções de enquadramento, variam. Mas o surto de futurações desenvolve-se na base de um conjunto de atitudes – críticas do existente, e utopicamente propositivas – que partilham flagrantes traços comuns.

Depois de, para uso na Europa e na América, desenhar filigranados planos de «aldeias agrícolas» (agricultural villages) e de «comunidades associadas» (associated communities) – todas elas fundadas «no princípio de trabalho, despesa, e propriedade, unidos, e de privilégios iguais» (on the principle of united labour, expenditure, and property, and equal privileges)49 –, Robert Owen chega mesmo a redigir uma obra, expondo os alicerces e a esquadria de «um Novo Mundo Moral» (a New Moral World), onde, pela re-criação educativa do «carácter» dos seres humanos, se edificaria, para todos, uma sociedade de riqueza, de harmonia, e de felicidade, incapaz de conhecer retrocessos, e aberta a um progresso sem limites50.

William Thompson – um economista irlandês de tendências socializantes, no qual Marx divisava «uma combinação contraditória de Godwin, Owen, e Bentham»51 –, por seu turno, também aspira a fundar numa «Ciência Social genuína» (genuine Social Science), susceptível de remover o reinante concorrencialismo individualista assente na «degradação» (degradation) mútua52, ou seja: «o Sistema Co-operativo de Indústria» (the Co-operative System of Industry) por ele proposto, em consequência do qual «todos os trabalhadores se tornam capitalistas» (all laborers become capitalists)53.

4. Utopismo e história.

Estes, e muitos outros, projectos não podem ser lidos e interpretados fazendo abstracção do momento, das condições, dos desígnios, em que foram produzidos. E também não é desse modo – formalista no sobrevoo – que Marx os examina, e avalia.

A conhecida vinculação que Lénine estabelece entre as afirmações do marxismo e a contextura historicamente concreta à qual se reportam é por inteiro pertinente, porquanto reflecte tão-só uma exigência constitutiva daquele proceder que é próprio da dialéctica materialista54.

Os pronunciamentos de Marx acerca da «utopia» têm que ser vistos a esta luz: não ocorrem no ambiente esterilizado de uma mera confrontação descarnada de ideatos doutrinais.

Daí que, designadamente, já na Miséria da Filosofia, fique posta em destaque a articulação que subsiste entre um determinado nível de amadurecimento das realidades no seu devir (com as figuras correspondentes que os combates sociais nelas assumem) e as formas de consciência teorizada que as procuram perspectivar desde um incipiente ponto de vista de classe.

Para compreender, com acuidade rigorosa, os estádios que a própria produção utópica atravessa, este entrelaçamento torna-se crucial:

«Enquanto o proletariado não está ainda suficientemente desenvolvido para se constituir em classe; enquanto, por conseguinte, a própria luta do proletariado com a burguesia não tem ainda um carácter político; e enquanto as forças produtivas não se desenvolveram ainda suficientemente no seio da própria burguesia para deixar entrever as condições materiais necessárias [les conditions matérielles nécéssaires] à alforria do proletariado [à l’affranchissement du prolétariat] e à formação de uma sociedade nova: estes teorizadores [ces théoriciens, imbuídos de socialismo e de comunismo no anseio] não são senão utopistas que, para obviar às precisões das classes oprimidas, improvisam sistemas e correm atrás de uma ciência regeneradora.»55.

A «mentira» de um presente «falso» que se constata e sofre – mas do qual se desconhecem as razões objectivas do surto –, há-de, assim, ser refutada, e combatida, pela reiteração (subjectiva) de um conjunto de «Valores» imutáveis (o padrão «exterior» de «medida»), que os corações ainda não por completo pervertidos vagamente sentem, mas que na «cientificidade» de um saber que os clarividentes descortinam, e expõem, encontra definitiva morada.

Como Engels, em referência ao «modo de ver dos utopistas» (Anschauungsweise der Utopisten) – que dominou boa parte do pensamento social da centúria de oitocentos –, sublinha:

«O socialismo é, para eles todos, a expressão da Verdade absoluta, [da] Razão, e [da] Justiça, e precisa apenas de ser descoberto para, por força própria, conquistar o mundo; uma vez que a Verdade absoluta é independente [unabhängig] de tempo, espaço, e desenvolvimento histórico humano, é mero acaso [Zufall] quando e onde ela seja descoberta.»56.

E, aqui precisamente, Engels trata de recuperar um ponto central das abordagens marxistas, desde A ideologia alemã assinaladas, e que no Manifesto se consolidaram57.

O socialismo – enquanto exame crítico, e transformação material, de um aflitivo existente que impera – não é «um Ideal» (ein Ideal), nem uma doutrina que no mercado das ideias esteja a concurso com outras concepções e figurinos. Radica na materialidade de um ser que – histórica e socialmente – ganha corpo nas vicissitudes e contradições de um modo determinado (capitalista) de produção do viver:

«Para fazer do socialismo uma ciência, ele tinha primeiro que ser colocado num chão real [auf einen realen Boden].»58.

Objectivamente, e subjectivamente.

Pela consolidação objectiva – entretanto, verificada – de um solo desenvolvido, susceptível de alicerçar a possibilidade material dos revolucionamentos exigíveis que (como negação a efectivar) com-porta; e, pela capacidade subjectiva de, partindo desse embasamento na contraditoriedade ínsita no devir das realidades, conceber, e praticar – mobilizando as forças pertinentes para o efeito –, as transformações necessárias.

Assim como o pensar da revolução, para surgir, requer a existência histórica de uma classe revolucionária59, assim também o socialismo, enquanto teoria amadurecida e tempestiva, não dispensa um determinado grau de maturação dos tempos, que o habilite a surpreender na estrutura do real, e a aprontar nas dinâmicas de que ele se entretece, as condições do empreendimento reconfigurador.

O utopismo de feição socialista, nos seus alvores matinais, corresponde às fases rudimentares do processo em que desponta, e que ao seu jeito reflecte. Os desconchavos e as malfeitorias, que ao redor se patenteiam – e que a indiferença dos dominantes como «normalidade» assume, ou como inevitáveis «danos colaterais» hipocritamente absolve –, são objecto de denúncia implacável e de indignados protestos. Ele padece, porém, de uma falta que lhe determina o viso, e acentua a debilidade nos enfoques.

Como, uma vez mais, Engels justificadamente faz notar:

«O socialismo até agora criticava decerto o modo capitalista de produção subsistente e as consequências dele, mas não o podia explicar [erklären] e, portanto, também não [podia] acabar com ele [mit ihr fertig werden]; podia apenas simplesmente rejeitá-lo como mau [als schlecht].»60.

Condenar moralmente a imediatez circundante não basta para que o deplorado se torne inteligível nos andaimes de objectiva realidade dialéctica que o sustentam, e sobre os quais uma qualquer mudança efectiva tem que incidir. Da mesma forma que justapor ao existente (repudiado) uma «alternativa» (imaginada como desfecho) não é promover – nem na raiz, nem no trânsito – aquelas alterações que materialmente conduzam a um funcionamento societário em base diferente, e com outros horizontes de respiração.

Coube, na verdade, a Marx – e, em rigor, a Engels também – dar um passo decisivo nesta busca de fundamento compreendido para uma transformação trabalhada do mundo.

De um mundo que, na peripécia do seu devir – e não como «apoteótico» final da história –, se nos continua a apresentar estruturadamente regido pela «lógica sistémica» dos relacionamentos capitalistas.

5. Alguns des-cobrimentos.

Marx não inventou o materialismo, nem inventou a dialéctica: mas descobriu que a historicidade é constitutiva da materialidade do ser, em cujo devir a socialidade humana se inscreve, e a prática – enquanto trabalho de transformação material – dialecticamente escreve.

Ontologicamente, o real não se circunscreve de todo à imediatez fenomenalizada do existente, mas comporta, na unidade em que consiste, um concreto de determinações múltiplas em contraditório processo de realização.

É por isso que «toda a ciência seria supérflua se a forma fenoménica [die Erscheinungsform] e a essência [das Wesen] das coisas coincidissem imediatamente»61, e que ao saber fundamentado compete dar dialecticamente conta da «conexão interna» (innerer Zusammenhang) que vincula o aparecente à totalidade concreta que ele integra e onde vai assumindo figuras diferenciadas62.

Por outro lado – e ainda de um ponto de vista ontológico –, a consciência, com os ideatos que elabora e transporta, não se institui como um reduto à parte e que subsista por si, mas está montada sobre um processo efectivamente real de vida63, onde a forma estruturante dos diversificados metabolismos é essencialmente prática64.

É por isso – e não por reverências deslumbradas a um qualquer «economicismo» rasteiro de fresca voga – que o inquérito tem que se debruçar sobre «a economia» (die Ökonomie), ou seja: sobre «o processo de produção» (der Produktionsprozeß) do viver de uma sociedade determinada que, constituindo «a base material do seu mundo» (die materielle Grundlage ihrer Welt)65, define aquele complexo sistema de relações que ela vai edificando e dentro do qual se movimenta.

Marx não inventou as classes, nem inventou a luta das classes: mas descobriu que elas – longe de serem entidades autónomas e estanques – se configuram, e re-configuram, historicamente no quadro lábil de formações económicas da sociedade diferentes, onde, em etapas diversas, desempenham, pela sua intervenção objectiva, papeis acentuadamente distintos66.

Na determinação dos comportamentos de classe com alcance histórico marcante, o primado advém à materialidade do ser – plasmada nos contornos de uma situação vivida –, e não às representações ocasionais, de recorte e tintura imediata e meramente subjectivos, que dela porventura se façam67.

Daí a relevância de um entendimento correcto das próprias condições que levam à composição, e à recomposição, de uma classe «em si», a qual, pelo carácter político das lutas que trava, vai adquirindo a reflexividade de um «para si», que lhe robustece a coesão e o gume nas intervenções68.

Daí também a indispensabilidade de organizar politicamente69, e de conduzir à convergência na acção70, o conjunto das forças sociais susceptíveis de – em cada estádio e contextura – se firmarem como portadoras, e agentes, dos movimentos de efectiva transformação material.

E, prevenindo declamações entusiásticas evitáveis, mais fecundo do que invocar retoricamente ao proletariado «a vocação histórica» (der geschichtliche Beruf) que lhe assiste no «revolucionamento do modo capitalista de produção» (Umwälzung der kapitalistischen Produktionsweise)71 é, porventura, compreender, no seu fundamento, a dialéctica que o converte no «coveiro» (Totengräber) da própria ordem económica que o engendrou72, para, em conformidade, mais eficazmente agir na demorada prossecução dos serviços fúnebres.

Marx não inventou a mais-valia, nem inventou o capitalismo: mas descobriu o segredo daquela exploração (Ausbeutung, Exploitation) que, estando na base, norteia o horizonte da produção e da reprodução do viver social sob a égide dominadora do paradigma capitalista.

Sem rodeios de complacência, nem cosmética nos alindamentos, «a mais-valia» (der Mehrwert) corporiza «trabalho alheio não-pago» (unbezahlte fremde Arbeit): que o capitalista, como detentor do título jurídico de propriedade sobre os meios de produção, mete ao bolso sob a forma de «lucro» (Profit)73, e cuja origem verdadeira a «máscara» do assalariamento «livremente» contratualizado se encarrega de esconder74.

Esta mais-valia «realiza-se» – designadamente, pela troca de «mercadoria» por «dinheiro» – na concorrida e concorrencial esfera da circulação, mas é engendrada nos estaleiros remotos da produção75, constituindo entretanto aquela manjedoura abscôndita (mas imprescindivelmente substante) de que «lucro», «renda fundiária», «juro», retiram o alimento apetecido76.

Em conformidade – e ao arrepio do que habitualmente se crê –, «o capital não é uma coisa [eine Sache], mas uma relação social entre pessoas [ein gesellschaftliches Verhältniß zwischen Personen], mediada por coisas»77, no decorrer da qual se opera «o abichamento» (die Ergatterung) privado da mais-valia: que, como «finalidade e motivo impulsionador» (Zweck und treibendes Motiv) se encontra no cerne de toda a produção capitalista (ainda que, de ordinário, ela seja reticente a reconhecê-lo)78, e cuja taxa de bombagem pode servir de indicador útil, na generalidade das situações, para o grau de exploração a que uma determinada força de trabalho se encontra submetida79.

A esta luz – que o espectáculo da imediatez aparente tapa, mas que do fundo das realidades se eleva com desagradável brilho (ao qual certas «vistas mais sensíveis» se mostram porém intolerantes) –, não passa de sacarina ilusão utopista requentada (ou, noutras variações conhecidas, de sacanoso embuste deliberadamente reaquecido para entreter audiências de papalvos propensos à crença) fantasiar de fresco, e repropôr como salvífica palavra de redenção derradeira, um pijama de «socialismo reformativo», em que se prometem uns arejos de redistribuição «mais justa», mas conservam sem belisco as sacrossantas e intocáveis relações capitalistas de produção80.

Os sistemas de repartição de rendimentos podem assumir decerto modalidades históricas diferenciadas – acerca de cujo teor não é despiciendo lutar –, mas encontram-se comandados pela matriz estrutural que preside ao processo de produção imperante81. E esta constitui, por conseguinte, a zona de impacte decisiva sobre a qual o esforço de mudança tem articulada e efectivamente que incidir, dissipando a miragem ou o fascínio daqueles que persistem em querer «as condições da vida burguesa sem as consequências necessárias dessas condições»82.

Acresce que a formação económica da sociedade no seu figurino capitalista não é «nenhum cristal rígido» (kein fester Krystall), mas, sim, «um organismo capaz de transformação e constantemente compreendido no processo da transformação» (ein umwandlungsfähiger und beständig im Prozeß der Umwandlung begriffener Organismus)83, em virtude do entramado de contradições84 que – a diversos níveis, e em devir – internamente lhe trabalha as costuras do bojo, e cuja natureza importa estudar, para no concreto das suas possibilidades dinâmicas em sentido revolucionário intervir, sem ficar à espera de que o comboio chegue a uma estação de recolha, percebendo que as relações capitalistas de produção vigentes constituem já um obstaculizante empecilho ao desenvolvimento real das próprias forças produtivas85 e à satisfação efectiva das necessidades sociais (que se não restringem às da procura solvente).

A tratadística económica burguesa gostava de apresentar «a ordem capitalista» (die kapitalistische Ordnung) – que, em rigor de realidade, é «o movimento total desta desordem» (die Gesamtbewegung dieser Unordnung)86 – como «absoluta e última figura da produção social» (absolute und letzte Gestalt der gessellschaftlichen Produktion).

Marx – para desmancho de eventuais prazeres acalentados, e assentamento das lutas pendentes em solo firme – mostra que o capitalismo não só possui uma génese, como corresponde até a «um estádio de desenvolvimento historicamente transitório» (eine geschichtlich vorübergehende Entwicklungsstufe)87.

6. Mudanças do cenário.

Estes, e outros, descobrimentos – que permitem pôr a nu a estrutura nuclear do mundo capitalista, e surpreender, na própria contraditoriedade do movimento que com-porta, o leque accionável de possibilidades materialmente negadoras que conduzam à edificação do viver social noutros moldes – não inventam piruetas miraculosas para um final apoteótico (já coreografado, e garantido), mas destapam os caminhos pedregosos a uma saída trabalhada.

Estamos, na verdade, perante uma modificação radical dos cenários e da oficina, no que toca ao empreendimento das transformações.

Os panegiristas do estabelecido trancam os postigos da mudança, apressam-se «a santificar como lei o subsistente» (das Bestehende als Gesetz zu heiligen)88, e erigem as relações capitalistas de produção – que, entretanto, suplantaram as da feudalidade – em institutos «naturais» (naturels) e «eternos» (éternels), pelo que, para apaziguamento das angústias em sobressalto e tranquilização geral das hostes dos crentes: «houve história, mas não há mais» (il y a eu de l’histoire, mais il n’y en a plus)89.

O «socialismo» de obediência «reformada», no encardido da sua conservadora declinação burguesa corrente e conhecida, admite que se introduzam «melhoramentos administrativos» (administrative Verbesserungen) avulsos, mas desde que não ponham em causa o sistema produtivo instalado, até porque – morigerados na ganância, e remetidos à sua benemérita função de empregadores – «os burgueses são burgueses» (die Bourgeois Bourgeois sind), como se sabe, «no interesse da classe trabalhadora» (im Interesse der arbeitenden Klasse)90...

Nas escrituras e nos laboratórios da utopia, ficciona-se o «já transformado» na imagem paradigmática de um «dever-ser» que às misérias do «ser» é contraposto, ou em escala reduzida ensaiado. Não se pensa o embasamento material da «passagem», nem as mediações que praticamente a operam.

E o momento em que o bafo fantasista é soprado faz toda a diferença.

Os patriarcas do utopismo médio91 – pressentindo embora o vector socialista que a crítica do mundo burguês teria que assumir, mas carecendo de ferramenta adequada para no funcionamento dele inteligivelmente penetrar, e incapazes ainda de apreender no seu alcance pleno as lutas operárias em curso numa realidade capitalista incipiente – circunscreviam o seu desejo de transgressão «a uns sonhos acerca da sociedade modelo do futuro» (a dei sogni sulla società modello dell’avenire)92.

Os epígonos de colheita tardia, ao reeditarem em condições agora amadurecidas (onde o conhecimento cresceu, e a luta de classes se agudizou) o receituário dos antigos patronos, tornam-se, a despeito das exaltações do verbo93, não apenas retrógrados, mas confrangedoramente «reaccionários»94.

Os «consagracionistas» mais retintos repudiam a ideia sequer de um mutamento, que aos «reformadores» de meia-tinta parece aceitável, na condição peregrina de ele nada mudar de essencial.

As «utopias», de coloratura variada, conseguem a triste proeza de converter «o desejado» numa «impossibilidade» real, na medida em que, como já Hegel advertira95, com as suas anelantes transfigurações visionárias, despedem as realidades e saltam por cima de tudo aquilo que até ele poderia conduzir.

É numa paisagem, a traço grosso, definida por parâmetros desta índole que Marx e Engels vêm, não apenas «dizer», mas mostrar, que a transformação efectiva é mesmo possível:

Não por desígnio da «Providência» inquebrantável ou «fatalidade» de quaisquer maquinismos, não por decreto soberano da vontade ou excitação intensiva do desejo, mas porque lhe assiste um fundamento material que dialecticamente cita e, con-cita, o trabalho operário das remodelações.

A esta luz, e no prosseguimento destas tarefas – teórica e praticamente suadas –, há-de entender-se, assim, «uma garantia» (eine Versicherung) que Marx presta quanto às concepções que subscreve, e que não raro, de vários púlpitos pregadas e para efeitos contrários brandidas, continuam a ser distorcidamente apresentadas:

«O comunismo alemão é o adversário mais decidido de todo o utopismo [der entschiedenste Gegner alles Utopismus] e, muito longe de excluir o desenvolvimento histórico, fundamenta-se antes nele»96.

A «transformação» pode ser objecto de sonho, e até mesmo ver-se incluída num cardápio de «ideais» generosos, mas não se transforma o mundo pulando para fora do real, ou esbracejando nele num ataranto de apalpadelas ao sabor dos cataventos.

Transforma-se o mundo, na sua realidade, trabalhando-lhe a entranha. De molde a remover da existência os impedimentos que inviabilizam que ele de outra maneira possa ser, e a criar para uma vida humana dos humanos – colectiva, e de cada um – condições enriquecidas de humanização.

É neste estaleiro de obras que o socialismo militante e revolucionário – mesmo nos períodos de maré-baixa – desdobra, e exerce, a sua carteira de ofícios.

7. Coda.

De acordo com a encomenda que presidiu ao escalonamento dos temas para esta Conferência, era suposto que eu falasse da filosofia em Marx.

Sobretudo a partir de uma dada altura, por 1845, em que as vertentes-mestras do desenho ganharam solidez no encaixe, Marx não fala muito da filosofia que traz a uso.

Mas – em qualquer área de interesse, e sem prejuízo das especificidades que lhe sejam inerentes – Marx pensa sempre os objectos sobre que se debruça filosoficamente. E num quadro ontológico bem determinado: que prima pela consistência, e que em nenhum exercício de análise pode ser esquecido ou secundarizado.

Com vista a evitar malentendidos frequentados, convém não incorrer, portanto, em certas confusões costumadas.

Do mesmo passo que «ideologia», em muitos contextos, significa «idealismo»97, também, em muitas passagens, a «Filosofia» (sem mais) traduz aquele idealista pendor germânico – na alta cultura coeva, hegemónico – para se deliciar com um umbilical manuseio de ideações, entretido «nesta crença filosófica no poder criador-de-mundo e destruidor-de-mundo dos conceitos» (in diesem philosophischen Glauben an die weltschöpferische und weltzerstörende Macht der Begriffe)98, por completo avesso à, e dissociado da, seriedade implicada em qualquer «estudo do mundo [efectivamente] real» (Studium der wirklichen Welt)99.

Marx ataca, de facto, com uma violência contundente, «a Filosofia», entenda-se: aquelas filosofias que têm domicílio permanente nas correntezas do idealismo. Mas a ontologia, dentro da qual Marx se movimenta para pensar e agir, encontra-se empapada de traços filosóficos: oriundos de uma filosofia outra, entretanto transformada no seu teor, na sua maneira de proceder, nos rumos a que passa a arrimar-se.

O contributo de Marx, e de Engels, para a filosofia – realojada no posto genuíno que reencontra – é susceptível de condensação num enunciado: conceber a unidade de materialismo e de dialéctica, num escopo programático de conferir moldura teórica de assento a intervenções práticas, imediata ou mediatamente, revolucionantes.

E uma nova aclaração se impõe aqui, posto que a semântica do léxico categorial assume valências diversas em horizontes ontológicos distintos.

Hegel havia assinalado já que, «no estudo da ciência» (bei dem Studium der Wissenschaft), o saber tem que arcar com «a canseira do conceito» (die Anstrengung des Begriffs)100, não se restringindo a, nem se satisfazendo com, os meros protocolos da imediatez empírica fixada no «positivamente» dado.

Ainda que num regime idealista (pela bateria de supostos em que assenta), tratava-se de surpreender a dialéctica ínsita no real, nos precisos termos em que, «no pensar concebente» (im begreifenden Denken), «o negativo pertence ao próprio conteúdo» (das Negative gehört dem Inhalte selbst an), quer «como o seu movimento e determinação imanentes» (als seine immanente Bewegung und Bestimmung), quer como «o todo» (das Ganze) que eles constituem101.

A forma filosófica do pensar que Marx e Engels exercitam requer igualmente uma elevação ao «conceito», o que – desta vez, num tabuleiro materialista102– implica a exigência de que o pensado procure reflectir a totalidade dialéctica das determinações materialmente fundadas do patamar de realidade (um ente, um processo, um conjunto de relações) em exame.

É, pois, nesta figura desenvolvida que o compreender se precisa, e vem a ex-pôr: não como um somatório artificioso de «significações» acrescentadas de fora, mas como um abarcamento – concebido – daquela «totalidade rica de muitas determinações e ligações» (reiche Totalität von vielen Bestimmungen und Beziehungen) em que o real na sua concreção deveniente consiste103.

E este ponto permite-nos transitar ao aspecto em que a questão se prolonga, e de que a famosíssima tese onze sobre Feuerbach dá testemunho:

«Os filósofos têm interpretado apenas o mundo de diversos modos [die Welt nur verschieden interpretiert]; trate-se de o transformar [sie zu verändern].»104.

A referência tem inteiro cabimento, mas dispõe de um contexto próximo que, em A ideologia alemã, se aclara.

E – ao invés do que nas ordinárias pressas da leitura fragmentar se imagina – não abrange indiscriminadamente o grémio dos filósofos, nem mesmo na acepção idealista tradicional que se confere ao ministério.

No caso directamente visado, muito em particular, na berlinda estão aqueles entusiastas ferverosos de um «criticismo» jovem-hegeliano com pretensões sociais redentoras, que erigem «A Filosofia» – a deles, claro está – num reformatório espiritual das mentalidades transviadas, confinando a «Revolução» que advogam a este esforço de limpeza das cabeças por câmbio nas ideias.

Como se a substituição dos candeeiros na iluminação pública tapasse os buracos da calçada.

Os estrondosos abalos prometidos pela Crítica crítica, nos seus grandiloquentes anúncios, vêm a redundar, porém, numa insuspeitada, e chã, conservação:

«Esta exigência de transformar a consciência [das Bewußtsein zu verändern] acaba por ir parar à exigência de interpretar o subsistente de outra maneira [das Bestehende anders zu interpretieren], quer dizer: de o reconhecer [como tal, anerkennen] por intermédio de uma outra interpretação [Interpretation].»105.

Ora, para Marx e para Engels, a tarefa não é de todo «santificar» (heiligen) um existente que as mudanças de fraseado deixam incólume, mas, numa certa literalidade, «profanar» (profanieren) o mundo106: transformá-lo materialmente, por uma prática que o combata nos efeitos que fenomenaliza, e revolucione na estruturação.

E, na unidade articulada, e articulante, deste prospecto, o compreender – com filosófico alicerce numa dialéctica materialista – não é dispensado nem entra de licença.

Até porque, desde logo, no que ao viver social respeita, «todos os mistérios» (alle Mysterien) que o enssombram, e asombram, hão-de encontrar «a sua solução racional» (ihre rationelle Lösung) – assumindo aqui o elemento conjuntivo relevância especial – «na prática humana e no conceber dessa prática» (in der menschlichen Praxis und in dem Begreifen dieser Praxis)107.

É tempo de rematar esta fala.

Duas notas muito breves.

Ao arrepio daquilo que alguns piedosamente acreditam, e outros indignadamente apenas supõem – com desígnios, não raro, desencontrados na mira –, enquanto filosofia, o materialismo dialéctico não dá respostas de antemão prontas.

Mas ajuda a pôr de pé um perguntar que, devidamente prosseguido, permite responder:

Aliando a investigação e o estudo – que perscrutam a materialidade dialéctica do ser – a formas consistentemente organizadas de um agir social prático, susceptível de remodelar efectivamente a estrutura e o viso das realidades.

Poderá o acervo estar depositado em calhamaços – que consola imenso saber que existem, mesmo tendo pouca frequentação –, e pode servir até de arranjo floral por arengas de circunstância disseminado.

Mas o materialismo dialecticamente concebido é uma arma para ser usada nos combates.

Convém, por isso, conhecer o armamento. Para lhe dar serventia.

Segunda nota.

Transitar da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades foi o programa histórico marxista para o socialismo.

Lembrei-lhe algumas das etapas, e o solo fundamental da amarração.

Nos atribulados da sua trajectória, o trajecto prossegue viagem.

Uma viagem da qual nós não somos apenas passageiros sentados, mas queremos ser operários:

Operadores daquelas transformações que, não estando proibido sonhar, importa, no entanto, ir trazendo à realização.

Na paciência trabalhada de uma esperança, que não se resigna a esperar:

Luta.

E, lutando com uma alegria que tem sentido: vai construindo.

Muito obrigado pela atenção.

Notas

(2) Trata-se de outra construção engenhosa, a partir do advérbio latino nusquam: «em parte nenhuma».
Para a sinomímia de «Utopia» e de «Nusquama»: Thomas MORE, D. Erasmo (carta de 3 de Setembro de 1516); in Desiderius ERASMUS, Opus Epistolarum, ed. Percy Stafford Allen, Oxford, At the Clarendon Press, 1910, vol. II, p. 339.

(3) «Fabula moderna he a Vtopia de Thomas Moro: mas nella quis elle doctrinar os Ingreses como se auião de gouernar.», João de BARROS, Década terceira da Ásia: Dos feitos que os Portvgueses fezerão no descobrimento & conquista dos mares & terras do Oriente (1563), Prólogo; ed. Jorge Cabral, Lisboa, Jorge Rodriguez, 1628, p. 4 A.

(4) As aproximações entre a República de Platão e a Utopia de More – ainda que sob diferentes ângulos perspectivadas – são recorrentes.
Vejam-se, por exemplo: Jean-Jacques ROUSSEAU, Lettres écrites de la montagne (1764), VI: Oeuvres Complètes, ed. Bernard Gagnebin e Marcel Raymond, Paris, Éditions Gallimard/Bibliothèque de la Pléiade, Paris, 1964, vol. III, p. 810; William GODWIN, Enquiry Concerning Political Justice, and its Influence on Modern Morals and Happiness (1793, 17983): ed. Isaac Kramnick, Harmondsworth, Penguin Books, 19852, p. 729; Immanuel KANT, Der Streit der Fakultäten (1798), II, 10: Gesammelte Schriften, ed. Königlich Preussische Akademie der Wissenschaften (doravante: Ak.), Berlin, Druck und Verlag von Georg Reimer, 19172, vol. VII, p. 93; Johann Gottlieb FICHTE, Der geschlossene Handelsstaat. Ein philosophischer Entwurf als Anhang zur Rechtslehre und Probe einer künftig zu liefernden Politik (1800), Seiner Excellenz Herrn von Struensee: Werke, ed. Immanuel Hermann Fichte, reprod. Berlin, Walter de Gruyter & Co., 1971, vol. III, p. 389; etc

(5) Cf. Étienne CABET, Voyage en IIcarie (1840, 18485), III, I; reimpr. Clifton (New Jersey), Augustus M. Kelley Publishers, 1973, p. 550.

(6) O argumento, em objecção convertido, tinha curso frequentado desde a Antiguidade.
À turba dos recalcitrantes que desqualificavam a ... ideal por não ter existência «em parte alguma da terra» , mas apenas «em discursos» , responde Platão que se trata de um «paradigma» , disponível «no céu» – onde as Ideias se encontram –, e que, «para quem o queira ver» , poderá servir de norma reguladora no «assentar» das sociedades mundanas. Cf. PLATÃO, República, IX, 592 b.
De um modo análogo, Campanella entende a sua «cidade solar», não como «dada por deus» (a Deo data), mas «encontrada por raciocínios filosóficos» (philosophicis syllogismis inventa), com vista a constituir «um modelo a imitar» (exemplum imitandum) nas subsequentes instanciações empíricas. Cf. Tommaso CAMPANELLA, Quaestio quarta de optima republica (1606), Articulus I; La Città del Sole e Questione quarta sull’ottima repubblica, ed. Germana Ernst, Milano, Biblioteca Universale Rizzoli, 1996, pp. 104 e 110, respectivamente.
Torna-se a esta luz compreensível – mas para ao pertinente exame crítico submeter – a frenética preocupação dos «utopistas» posteriores em reivindicar para os «sistemas» respectivos um carimbo de «cientificidade» (mais reclamada do que efectiva).
A título ilustrativo, recordo uma tirada retumbante de Proudhon:
«O nosso maior inimigo, socialistas, é a utopia!» – «Notre plus grand ennemi, socialistes, est l’utopie!», Pierre-Joseph PROUDHON, Système des contradictions économiques, ou Philosophie de la Misère (1846), X; Oeuvres Complètes, Paris, Librairie Internationale, 18673, vol. V, p. 83.
O que de um certo frei Tomás se costuma dizer pode também aplicar-se ao confrade Pedro-José.

(7) «Há, portanto, um número tamanho de nobres que não só passam a vida ociosos como moscardos [que chupam] nos trabalhos de outros, mas ainda, por exemplo, para aumentarem os rendimentos dos seus prédios [agrícolas], esfolam os colonos até à carne viva.» – «Tantus est ergo nobilium numerus, qui non ipsi modo degant ociosi tanquam fuci laboribus aliorum, quos puta suorum praediorum colonos augendis reditibus ad uiuum usque radunt.», MORE, De optimo reipublicae statu, deqve noua insula Vtopia libellus uere aureus, nec minus salutaris quam festiuus [Vtopia] (edição de Basileia, 1518), I; ed. Aires Augusto do Nascimento (doravante: V), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 418.

(8) Olhando o que à volta acontece, More interroga-se sobre se não se estará perante «uma conspiração dos ricos [conspiratio divitum] que, para tratarem dos seus [próprios] proveitos [commoda], em nome e a pretexto [titulus] da república [do Estado, Respublica], inventam e excogitam todos os modos e artimanhas [artes] para, primeiro, conservarem [retineo], sem medo de as perder, aquelas coisas [ea] que por malas artes acumularam, [e,] depois, para comprarem [redimo] para si as obras e os labores de todos os pobres pelo mínimo, e abusarem deles. Estas maquinações, onde alguma vez os ricos as tenham decretado, em nome [do bem] público – isto é, também dos pobres – como sendo de observar, logo se tornam leis.» – «conspiratio diuitum, de suis commodis Reipublicae nomine, tituloque tractantium, comminiscunturque et excogitant omnes modos atque artes quibus, quae malis artibus ipsi congesserunt, ea primum ut absque perdendi metu retineant, post hoc ut pauperum omnium opera, ac laboribus quam minimo sibi redimant, eisque abutantur. Haec machinamenta, ubi semel diuites publico nomine hoc est etiam pauperum, decreuerunt obseruari, iam leges fiunt.», MORE, Vtopia, II; V, p. 668.

(9) «Oues […] uestrae, quae tam mites esse, tamque exiguo solent ali, nunc (ut fertur) tam edaces atque indomitae esse coeperunt, ut homines deuorent ipsos, agros, domos, oppida uastent ac depopulentur.», MORE, Vtopia, I; V, pp. 422 e 424.

(10) «A aristocracia britânica, que por toda a parte substituiu o homem por bovinos [bullocks] e carneiros, será, por sua vez, substituída, num futuro não muito distante, por estes úteis animais. O processo de limpeza das propriedades [clearing estates, mediante o enxotamento da população campesina] – que na Escócia [onde ocorreu, sobretudo, a partir de 1811] acabamos de descrever – foi levado a cabo em Inglaterra, nos séculos XVI, XVII, e XVIII. Já Thomas Morus se queixa dele no começo do século XVI.» – «The British aristocracy, who have everywhere superseded man by bullocks and sheep, will, in a future not very distant, be superseded, in turn, by those useful animals. The process of clearing estates which, in Scotland, we have just now described, was carried out in England in the 16th, 17th and 18th centuries. Thomas Morus already complains of it in the beginning of the 16th century.», Karl MARX, Elections – Finantial Clouds – The Duchess of Sutherland and Slavery (1853); Marx-Engels Gesamtausgabe, ed. Günter Heyden e Anatoli Jegorow (doravante: MEGA2), Berlin, Dietz Verlag, 1984, vol. I/12, pp. 22-23.
Para outras ocorrências de sentido análogo, vejam-se, designadamente: MARX, Zur Kritik der politischen Ökonomie. Urtext (1858), II, 6 (MEGA2, vol. II/2, p. 68) e Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, I, VII, 24, 2 (MEGA2, vol. II/6, p. 648).

(11) Cf. MORE, Vtopia, De religionibus Vtopiensium; V, p. 664.

(12) A ideia dispõe de largo cadastro, sobremaneira, no tocante a sociedades igualitaristas «qualificadas», ou de grupal «comunitarismo» restrito.
Na platónica cidade ideal, estava insituído o princípio de que «os guardiães» não possuem «propriedade nenhuma» : cf. PLATÃO, República, V, 464 bc. E havia notícia de que já Pitágoras estabelecera, na sua congregação, o preceito de que «entre os amigos, todas as coisas [são] comuns»: cf. DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas e sentenças dos bem-conceituados em filosofia, X, 11.
Entre os Essénios, «o sentido comunitário» estava tão desenvolvido que se dizia «haver, entre todos os irmãos, um como património só» : cf. Flavius JOSEPHUS, Acerca da Guerra Judaica, II, VIII, 3. Na comunidade cristã primitiva de Jerusalém, recordada porventura destes usos, «todas as coisas [eram] comuns» (..., omnia communia): LUCAS, Actos dos Apóstolos, 2, 44 e 4, 32.

(13) «As classes dominantes podem tremer ante uma revolução comunista. Os proletários não têm nela nada a perder, senão as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.» – «Mögen die herrschenden Klassen vor einer kommunistischen Revolution zittern. Die Proletarier haben nichts in ihr zu verlieren als ihre Ketten. Sie haben eine Welt zu gewinnen.», MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), IV; Marx-Engels Werke, ed. IML (doravante: MEW), Berlin, Dietz Verlag, 1974, vol. 4, p. 493.

(14) «Quis intentius mutationi rerum studet, quam cui minime placet praesens uitae status? Aut cui denique audacior impetus ad conturbanda omnia, spe alicunde lucrandi, quam cui iam nihil est quod possit perdere?», MORE, Vtopia, I; V, pp. 464 e 466.

(15) No exame desta problemática – complexa nos ingredientes, e retorsa no seu dinamismo –, torna-se imprescindível ter em conta, designadamente, o momento histórico vivido na sua deveniência objectiva, o posicionamento de classe a que um autor empresta a voz, o papel que à configuração dos ideários advém, e a forma diferenciada em que os próprios ideatos se despositam.
Como, a propósito das transformações nos alvores da Modernidade ocorridas, Marx assinala:
«A abolição [die Abschaffung] das relações de propriedade feudais e a fundação [die Stiftung] da sociedade burguesa moderna não foi, portanto, de modo nenhum o resultado de uma certa doutrina que partisse de um determinado princípio teórico como núcleo [Kern], e daí tirasse ulteriores consequências. Pelo contrário, os princípios e teorias que os escritores da burguesia puseram de pé durante a sua luta com o feudalismo não foram senão a expressão teórica do movimento prático [der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung], e decerto que se pode seguir exactamente como essa expressão foi mais ou menos utopista [utopistisch], dogmática, doutrinária, consoante ela pertenceu a uma fase menos, ou mais, desenvolvida do movimento [efectivamente] real.» – «Die Abschaffung der feudalen Eigentumsverhältnisse und die Stiftung der modernen bürgerlichen Gesellschaft war also keineswegs das Resultat einer gewissen Doktrin, die von einem bestimmten theoretischen Prinzip als Kern ausging und daraus weitere Konsequenzen zog. Vielmehr waren die Prinzipien und Theorien, welche die Schriftsteller der Bourgeoisie während ihres Kampfes mit dem Feudalismus aufstellten, nichts als der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung, und zwar kann man genau verfolgen, wie dieser Ausdruck mehr oder minder utopistisch, dogmatisch, doktrinär war, je nachdem er einer weniger oder mehr entwicklelten Phase der wirklichen Bewegung angehörte.», MARX, Die moralisierende Kritik und die kritisierende Moral (1847); MEW, vol. 4, p. 357.
Sobre este fundo, ganham inteligibilidade acrescida matizes e diferenças concepcionais que não decorrem apenas de flutuações subjectivas na opinação, mas do desenvolvimento histórico das próprias realidades em curso.
Thomas More – com preocupações mais centradas no fomento da produção socialmente útil, e equitativamente distribuída, do que no negócio da finança – refere que os Utopianos «não se servem do dinheiro» (pecunia non utantur), pelo que «não consideram justo» (haud aequum censent) a usura: cobrar a outrem pelo uso do que ao próprio não faz falta. Cf. MORE, Vtopia, II, De peregrinatione Vtopiensivm; V, pp. 530 e 528.
Francis Bacon – ciente já da importância do crédito para uma economia mercantil burguesa que entretanto avançara – debruça-se de preferência sobre os critérios a seguir na morigeração regulamentada do ágio, e assevera aos nefelibatas distraídos:
«É coisa vã [a vanity] conceber que houvesse empréstimo [borrowing] ordinário sem lucro; e é impossível conceber o número de inconvenientes que se seguiriam, se o empréstimo fosse restringido. Por conseguinte, é ocioso falar-se de abolir a usura. Todos os Estados sempre a tiveram, numa, ou noutra, espécie [kind] ou taxa [rate]. Portanto, essa opinião tem que ser recambiada para a Utopia.» – «It is a vanity to conceive that there would be ordinary borrowing without profit; and it is impossible to conceive the number of inconveniences that will ensue, if borrowing be cramped. Therefore to speak of the abolishing of usury is idle. All states have ever had it, in one kind or rate, or other. So as that opinion must be sent to Utopia.», Francis BACON, The Essayes or Counsels, Civill and Morall (1597, 16254), XLI; Works, ed. James Spedding, Robert Leslie Ellis, e Douglas Denon Heath, London, Longman & Co., 1861, vol. VI, p. 475.

(16) Tratou-se de «um entusiamo do Espírito» (ein Enthusiasmus des Geistes), com significado «histórico-mundial» (welthistorisch):
«Desde que o Sol está no firmamento, e que os planetas giram à sua volta, ainda não se vira isto: que o ser humano se coloca sobre a cabeça [auf den Kopf], isto é, sobre o pensamento, e, segundo ele [o pensamento], edifica a realidade [efectiva].» – «Solange die Sonne am Firmamente steht und die Planeten um sie herumkreisen, war das nicht gesehen worden, daß der Mensch sich auf den Kopf, d. i. auf den Gedanken stellt und die Wirklichkeit nach diesem erbaut.», Georg Wilhelm Friedrich HEGEL, Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (1837, 18402), IV, III, 3; Theorie Werkausgabe, red. Eva Moldenhauer e Karl Markus Michel (doravante: TW), Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag, 1970, vol. 12, p. 529.

(17) Cf. Friedrich ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I;
MEGA2, vol. I/27, p. 590.

(18) «A sociedade actual é verdadeiramente o mundo invertido: uma vez que a nação admitiu por princípio fundamental que os pobres deviam ser generosos para com os ricos, e que, em consequência, os menos abastados se privem diariamente de uma parte daquilo que lhes é necessário para aumentar o supérfluo dos grandes proprietários.» – «La société actuelle est véritablement le monde renversé: puisque la nation a admis pour principe fondamental que les pauvres devraient être généreux à l’égard des riches, et qu’en conséquence les moins aisés se privent journellement d’une partie de leur nécessaire pour augmenter le superflu des gros propriétaires.», Claude-Henri de SAINT-SIMON, Lettres aux jurés (1820), I; Oeuvres Choisies, ed. Charles Lemonnier (doravante: OC), Bruxelles, Fr. Van Meenen et Cie Imprimeurs, 1859, vol. II, p. 401.

(19) Cf. Charles FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements et des Destinées Générales (1808), III, I; ed. Simone Debout-Oleszkiewicz (doravante: TQM), Paris, Jean-Jacques Pauvert Éditeur, 1967, p. 185.

(20) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire, ou Invention du procédé d’industrie attrayante et naturelle distribuée en séries passionnées, Préface, I; Paris, Bossange Père – P. Mongie aîné, 1829 (doravante: NMIS), p. 43.

(21) «Sair da civilização para entrar nas vias do bem social!...sair das perfectibilidades perfectíveis a que se chama: Indigência, Velhacaria, Opressão, Carnificina, Excessos climatéricos, Doenças provocadas, Círculo vicioso, Egoísmo geral, Duplicidade de acção.» – «Sortir de la civilisation pour entrer dans les voies du bien social!...sortir des perfectibilités perfectibles qu’on nomme: Indigence, Fourberie, Oppression, Carnage, Excès climatériques, Maladies provoquées, Cercle vitieux, Egoïsme général, Duplicité d’action.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole, I, I, 10; Paris – Londres, Bossange Père/ P. Mongie aîné – Martin Bossange, 1822 (doravante: TADA), vol. II, p. 67.

(22) «Por causas que é desnecessário explicar aqui, o valor do trabalho meramente manual foi reduzido tanto, que o operário [the working man], neste e noutros países, está colocado agora em circunstâncias de longe mais desfavoráveis para a felicidade dele do que o servo ou o vilão estavam no sistema feudal, ou do que o escravo estava em qualquer das nações da Antiguidade.» – «From causes which it is unnecessary here to explain, the value of mere manual labour has been so much reduced, that the working man in this and other countries is now placed under circumstances far more unfavourable to his happiness than the serf or villain was under the feudal system, or than the slave was in any of the nations of antiquity.», Robert OWEN, On the Employment of Children in Manufactories (1818); A New View of Society and Other Writings, ed. John Butt (doravante: NVS), London – New York, J. M. Dent & Sons – E. P. Dutton & Co. (Everyman’s Library), 1972, p. 132.

(23) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 4; MEGA2, vol. II/5, p. 228.

(24) Cf. Pierre LEROUX, De l’individualisme et du socialisme (1834, 18452, 18503), I; De l’égalité, précédé de De l’individualisme et du socialisme, ed. Bruno Viard, Paris – Genève, Éditions Slatkine/ Fleurons, 1996, pp. 45 e 46.
Recordo uma das falas de Shylock, no Mercador de Veneza:
«A libra de carne que eu reclamo dele está [já] comprada caro [dearly]: é minha, e eu hei-de tê-la» – «The pound of flesh which I demand of him, is dearly bought, ‘tis mine, and I will have it», William SHAKESPEARE, Merchant of Venice (1596), IV, 1; Complete Works, ed. Charles Simmons, London, Atlantis University Books, 1980, p. 171.

(25) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface, I; NMIS, p. 2.

(26) «Tous les hommes travailleront», SAINT-SIMON, Lettres d’un habitant de Genève à ses contemporains (1807), III; OC, vol. I, p. 38.

(27) «A humanidade desfrutaria de toda a felicidade à qual pode pretender, se não houvesse ociosos.» – «L’humanité jouirait de tout le bonheur auquel elle peut prétendre s’il n’y avait pas d’oisifs.», SAINT-SIMON, Introduction aux travaux scientifiques du dix-neuvième siècle. Tome second (1808), Mon Portefeuille, première division, nº 15; OC, vol. I, p. 221.

(28) Cf. SAINT-SIMON, L’industrie, ou Discussions politiques, morales et philosophiques, dans l’intérêt de tous les hommes livrés à des travaux utiles et indépendants, Objet de l’entreprise; Paris, Au Bureau de l’Administration, 1817 (doravante: L’I), vol. II, p. 9.
O sentimento da fractura é manifesto, mas revela ainda debilidades na percepção das efectivas polarizações sociais:
«Hoje, a nação não está mais dividida senão em duas classes: os burgueses – que fizeram a Revolução, e que a dirigiram no interesse deles – aniquilaram o privilégio exclusivo dos nobres de explorarem a fortuna pública; fizeram-se admitir na classe dos governantes, de maneira que, hoje, os industriais devem pagar aos nobres e aos burgueses.» – «Aujourd’hui, la nation n’est plus partagée qu’en deux classes: les bourgeois, qui ont fait la révolution et qui l’on dirigée dans leur intérêt, ont anéanti le privilège exclusif des nobles d’exploiter la fortune publique; ils se sont faits admettre dans la classe des gouvernants, de manière que les industriels doivent aujourd’hui payer les nobles et les bourgeois.», SAINT-SIMON, Catéchisme des industriels. Premier Cahier (1823); OC, vol. III, p. 71.

(29) Cf. SAINT-SIMON, Suite à la brochure: Des Bourbons et des Stuarts (1822), De l’ancien et du nouveau système politique; OC, vol. II, p. 438.

(30) «Para organizar a sociedade da maneira mais favorável aos progressos das ciências e à prosperidade da indústria, é preciso confiar o poder espiritual aos cientistas [savants], e a administração do poder temporal aos industriais.» – «Pour organiser la société de la manière la plus favorable aux progrès des sciences et à la prospérité de l’industrie, il faut confier le pouvoir spirituel aux savants, et l’administration du pouvoir temporel aux industriels.», SAINT-SIMON, Du système industriel. Première Partie (1821), Adresse aux Philanthropes; OC, vol. III, p. 33.

(31) «Os produtores – quer dizer: os cientistas e os artistas, de um lado, os cultivadores, os fabricantes, e os negociantes, do outro –, que formam o verdadeiro corpo da nação, ainda não entraram de todo em actividade política, e, todavia, só a intervenção deles pode preservar o Rei e a Nação das desgraças de que estão ameaçados.» – «Les producteurs, c’est-à-dire les savants et les artistes d’une part, les cultivateurs, les fabricants et les négotiants de l’autre, qui forment le véritable corps de la nation, ne sont point encore entrés en activité politique, et cependant leur intervention peut seule préserver le Roi et la Nation des malheurs dont ils sont menacés.», SAINT-SIMON, Suite à la brochure: Des Bourbons et des Stuarts (1822), De l’ancien système; OC, vol. II, p. 449.
Do ponto de vista económico e social, a preocupação dominante de Saint-Simon é, sem dúvida, a de, no confronto com as sobrevivências de um feudalismo retocado, fazer valer as forças emergentes do «trabalho». No entanto, a condição do assalariamento não surge ainda com nitidez, na especificidade dos seus contornos, identificada.
Na categoria global dos «trabalhadores» (travailleurs), junto com os intelectuais – «os escritores políticos» (les écrivains politiques), «que fazem profissão de meditar sobre os interesses gerais da sociedade» (qui font profession de méditer sur les intérêts généraux de la société) –, subsumem-se, por conseguinte, «aqueles que produzem» (ceux qui produisent) propriamente, e os patrões que os empregam, com filantrópica delicadeza apelidados de: «aqueles que velam pelos produtores» (ceux qui veillent pour les producteurs). Cf. SAINT-SIMON, L’industrie (1817), Objet de l’entreprise; L’I, vol. II, p. 15.
Como a Marx e a Engels não passará despercebido – o que não fora o caso de Lorenz von Stein, ou de Karl Grün (por essa «desatenção» citicados) –, aglutinam-se, deste modo, numa mesma rubrica, «os operários» (die Arbeiter) e «os capitalistas industriais todos» (die sämtlichen industriellen Kapitalisten). Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie. Kritik der neuesten deutschen Philosophie in ihren Repräsentanten Feuerbach, B. Bauer und Stirner, und des deutschen Sozialismus in seinen verschiedenen Propheten (1845-1846), IV; MEW, vol. 3, p. 490.
Mais tarde, no âmbito de uma intentada refiguração «socializante» de um Cristianismo entretanto depurado na repescagem, Saint-Simon enunciará como preceito orientador:
«Toda a sociedade deve trabalhar pelo melhoramento da existência moral e física da classe mais pobre; a sociedade deve organizar-se da maneira mais conveniente para a fazer atingir este grande objectivo.» – «Toute la société doit travailler à l’amélioration de l’existence morale et physique de la classe la plus pauvre; la société doit s’organiser de la manière la plus convenable pour lui faire atteindre ce grand but.», SAINT-SIMON, Nouveau Christianisme (1825), Dialogues entre un conservateur et un novateur, I; OC, vol. III, p. 368.
Comentando esta inflexão tardia, Marx não deixará de observar:
«Tem sobretudo que não se esquecer que só no seu último escrito, o Nouveau Christianisme, St. Simon se apresenta directamente como o porta-voz da classe trabalhadora, e declara a emancipação desta como a finalidade última dos anseios dele. Todos os outros escritos anteriores dele são, de facto, apenas [uma] glorificação da sociedade burguesa moderna contra a [sociedade] feudal, ou [uma glorificação] dos industriais e dos banqueiros contra os marechais e os fabricantes jurídicos de leis do tempo de Napoleão.» – «Man muß überhaupt nicht vergessen, daß erst in seiner letzten Schrift, dem Nouveau Christianisme, St. Simon direkt als Wortführer der arbeitenden Klasse auftritt und ihre Emancipation als Endzweck seines Strebens erklärt. Alle seine frühern Schriften sind in der That nur Verherrlichung der modernen bürgerlichen Gesellschaft gegen die feudale, oder der Industriellen und Bankiers gegen die Marschälle und juristischen Gesetzfabrikanten der Napoleonischen Zeit.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, V, 36; MEGA2, vol. II/15, p. 594.

(32) Cf. MATEUS, Evangelho, 7, 7.

(33) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), IV, VII, XXVIII; NMIS, p. 316.

(34) «Possuidor do livro dos destinos, eu venho dissipar as trevas políticas e morais, e, sobre as ruínas das ciências incertas, eu elevo a teoria da Harmonia universal.» – «Possesseur du livre des destins, je viens dissiper les ténèbres politiques et morales, et sur les ruines des sciences incertaines j’élève la théorie de l’Harmonie universelle.», FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements (1808), II, Épilogue sur le délaissement de la philosophie morale; TQM, p. 180.

(35) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Introduction; TADA, vol. I, p. 79.

(36) A indústria fabril desenvolver-se-á apenas na medida em que respeite, e se articule com, o primado da lavoura:
«As manufacturas – tão preconizadas no sistema político dos modernos, que as coloca ao nível da agricultura – não figuram no estado societário senão a título de acessórios e complementos do sistema agrícola, [como] funções subordinadas às conveniências dele.» – «Les manufactures tant prônées dans le système politique des modernes, qui les met au niveau de l’agriculture, ne figurent dans l’état sociétaire qu’à titre d’accessoires et complémens du système agricole, fonctions subordonnées à ses convenances.», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), II, XV; NMIS, pp. 164-165.

(37) «A série passional é uma filiação de diversas pequenas corporações ou grupos, em que cada um exerce alguma espécie de uma paixão que se torna paixão de género para a série inteira.» – «Une série passionnelle est une affiliation de diverses petites corporations ou groupes, dont chacun exerce quelqu’espèce d’une passion qui devient passion de genre pour la série entière.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Introduction; TADA, vol. I, p. 15.

(38) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Prolégomènes, Intermède, Inter-Pause; TADA, vol. I, p. 295.

(39) «O segredo da unidade de interesses está, portanto, na Associação. As três classes, uma vez associadas e unidas por interesse, esqueceriam os ódios tanto melhor quanto a hipótese [la chance] de trabalho atraente faria desaparecer as fadigas do povo, e o desprezo do rico por inferiores cujas funções tornadas sedutoras ele partilharia. Aí, acabaria a inveja do pobre pelos ociosos que recolhem sem ter semeado: não existiriam mais nem ociosos nem pobres, e as antipatias sociais cessariam com as causas que as produzem.» – «Le secret de l’unité d’intérêts est donc dans l’Association. Les trois classes une fois associées et unies d’intérêt, oublieraient les haines, d’autant mieux que la chance de travail attrayant ferait disparaître les fatigues du peuple, et le mépris du riche pour des inférieurs dont il partagerait les fonctions devenues séduisantes. Là finirait la jalousie du pauvre contre les oisifs qui récoltent sans avoir semé: il n’existerait plus ni oisifs, ni pauvres, et les antipathies sociales cesseraient avec les causes qui les produisent.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Prolégomènes, I, 2; TADA, vol. I, p. 133.

(40) Esses votos da «comunidade dos bens» (communauté des biens) não passam de «sensaborias morais que a seita [de] Owen põe em jogo» (fadeurs morales que met en jeu la secte Owen). Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, p. 46.

(41) «A Harmonia não pode conhecer comunidade [nenhuma], nem retribuição colectiva a sociedades familiares ou conjugais; ela está obrigada a tratar individualmente com cada um, mesmo com as crianças acima de 4 anos e meio, e a repartir a cada um, em razão das três faculdades: trabalho, capital, e talentos.» – «L’Harmonie ne peut pas connaître de communauté ni rétribution collective à des sociétés familiales ou conjugales; elle est obligée de traiter avec chacun individuellement, même avec les enfans au-dessus de 4 ½ ans, et de répartir à chacun en raison des trois facultés, travail, capital et talens.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, III; TADA, vol. II, p. 22.
O princípio reitor «harmonista» é o de uma peculiar sociedade por acções, em que se segue
«um método de repartição equitativo, consignando a cada indivíduo (homem, mulher, ou criança) três dividendos afectados às suas três faculdades industriais: Capital, Trabalho, e Talento, e, para ele, plenamente satisfatórios.» – «une méthode de répartition équitable, allouant à chaque individu, homme, femme ou enfant, trois dividendes affectés à ses trois facultés industrielles, Capital, Travail et Talent, et pleinement satisfaisans pour lui.», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, p. 12.

(42) «Nós temos apenas que optar entre dois regimes industriais, que são: o estado fragmentado [morcelé] e o estado societário» – «Nous n’avons à opter qu’entre deux régimes industriels, qui sont l’état morcelé et l’état sociétaire», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, 5; TADA, vol. I, p. 490.

(43) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, IV; TADA, vol. II, pp. 25-31, bem como Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, pp. 13-15.

(44) «Os literatos, cientistas, e artistas, podem decidir subitamente a passagem do género humano à Harmonia, se quiserem excitar a essa fundação uma das grandes personagens, ou [um dos] ricos proprietários, sobre quem eles têm influência.» – «Les littérateurs, savans et artistes, peuvent décider subitement le passage du genre humain à l’Harmonie, s’ils veulent exciter à cette fondation l’un des grands personnages ou riches propriétaires sur qui ils ont de l’influence.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Arrière-Propos; TADA, vol. I, p. 585.

(45) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, I; TADA, vol. II, p. 9.

(46) «Aqueles que tentem fundar sem mim uma falange experimental cairão em mil erros na distribuição das suas Séries apaixonadas» – «Ceux qui essaieront de fonder sans moi une phalange d’essai, tomberont dans mille erreurs sur la distribution de leurs Séries passionnées», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), I, II, VII; NMIS, p. 106.

(47) Cf. FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements (1808), II, Argument; TQM, p. 133.

(48) Vejam-se os exercícios contabilísticos que constam da secção, com o sugestivo título: «A dívida de Inglaterra paga em seis meses pelos ovos de galinha» (La dette d’Angleterre payée en six mois par les oeufs de poule). Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, Post-Ambule; TADA, vol. I, pp. 492-496.
Relativamente a pormenorizadas memórias descritivas do urbanismo, e da arquitectura, a que os falanstérios deverão obedecer: FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, V-VII; TADA, vol. II, pp. 31-42, bem como Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), II, III, XII; NMIS, pp. 145-153.
Sobre a organização dos oficios – da «marcenaria» (ébénisterie) à «passarinhagem» (oisellerie) – em «fábricas especulativas primárias» (fabriques spéculatives primaires): FOURIER, Le Nouveau Monde Industroel et Sociétaire (1829), II, IV, XV; NMIS, pp. 167-174.
Não faltam ainda indicações sobre a côr e o figurino das vestimentas que identificam os diversos corpos – cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, II, IV, III, I; TADA, vol. II, p. 245 –, e até, em curiosa minuta, «o modelo de um testamento liberal, tal como um milionário o deveria fazer» (le modèle d’un testament libéral, tel que devrait le faire un millionnaire): FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Extroduction; TADA, vol. I, p. 555.

(49) Em carta-prefácio que dirige ao rei, o livro é nestes termos apresentado:
«Revela os princípios fundamentais de um Novo Mundo Moral, e estabelece assim uma fundação nova sobre a qual re-construir a sociedade e re-criar o carácter da raça humana. Abre à família do homem, sem uma única excepção, os meios de infindo [endless] melhoramento progressivo (físico, intelectual, e moral) e de felicidade, sem a possibilidade de retrogressão, ou de limite atribuível.» – «It unfolds the fundamental principles of a New Moral World, and it thus lays a new foundation on which to re-construct and re-create the character of the human race. It opens to the family of man, without a single exception, the means of endless progressive improvement, physical, intellectual, and moral, and of happiness, without the possibility of retrogression or of assignable limit.», OWEN, The Book of the New Moral World, containing The Rational System of Society, founded on demonstrable facts, developing the constitution and laws of Human Nature and of Society, To His Majesty William IV., King of Great Britain; London, Effingham Wilson, 1836, p. IV.

(50) Cf. OWEN, Report to the County of Lanark (1820), III; NVS, p. 266.

(51) «Eine widerspruchsvolle Combination von Godwin, Owen und Bentham», MARX, Manchester Hefte (1845), Exzerpte aus William Thomson: An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth; MEGA2, vol. IV/4, p. 245.

(52) Cf. William THOMSON, Labor Rewarded. The Claims of Labor and Capital Conciliated: or, How to Secure to Labor the Whole Products of its Exertions, Summary; London, Hunt and Clark, 1827 (doravante: LR), pp. 118-119.

(53) Cf. THOMSON, Labor Rewarded (1827), To the Industrious Classes; LR, p. 4.
Este apelo à «união de capital e trabalho» (union of capital and labor) constava já de um escrito anterior:
«É tão inconsistente com a felicidade humana em geral, como com a maior produção de riqueza, que o capital haja de ser possuído por um conjunto de indivíduos, e o trabalho por outro: a utilidade exige que todos os trabalhadores produtivos hajam de tornar-se capitalistas, que trabalho e capital hajam de estar nas mesmas mãos.» – «It is as inconsistent with human happiness in general, as with the greatest production of wealth, that capital should be possessed by one set of individuals, and labor by another: utility demands that all productive laborers should become capitalists, that labor and capital should be in the same hands.», THOMSON, An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth, most conducive to Human Happiness; applied to the newly proposed System of Voluntary Equality of Wealth, Concluding Observations; London, Longman, Hurst, Rees, Orme, Brown, and Green – Wheatly and Adlard, 1824, p. 590.
Lembremos que, embora num contexto doutrinário diferenciado, também Fourier preconizava que a Economia Política devia «tomar por objecto de estudo» (s’étudier à) e «problema primeiro» (premier problème): «transformar todos os assalariados em proprietários co-interessados ou associados» (transformer tous les salariés en propriétaires co-intéressés ou associés). Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, III, XI; TADA, vol. I, p. 466.

(54) «Todo o espírito do marxismo, todo o sistema dele, quer que cada tese seja examinada apenas: a) sob o ângulo histórico, b) apenas em ligação com as outras teses, c) apenas em ligação com a experiência concreta da história.» – «Tout l’esprit du marxisme, tout son système, veut que chaque thèse soit examinée seulement: a) sous l’angle historique; b) seulement en liaison avec les autres thèses; c) seulement en liaison avec l’expérience concrète de l’histoire.», Vladímir Ílitch LÉNINE, Lettre à Inessa Armand, le 30 novembre 1916; Oeuvres, ed. IML, Paris-Moscou, Éditions Sociales-Éditions du Progrès, 1974, vol. 35, p. 251.

(55) «Tant que le prolétariat n’est pas encore assez développé pour se constituer en classe, que, par conséquent, la lutte même du prolétariat avec la bourgeoisie n’a pas encore un caractère politique, et que les forces productives ne se sont pas encore assez développées dans le sein de la bourgeoisie elle-même, pour laisser entrevoir les conditions matérielles nécessaires à l’affranchissement du prolétariat et à la formation d’une société nouvelle, ces théoriciens ne sont que des utopistes qui, pour obvier aux besoins des classes opprimées, improvisent des systèmes et courent après une science régénératrice.», MARX, Misère de la Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misère de M. Proudhon (1847), II,1, 7; Oeuvres. Économie, ed. Maximilien Rubel (doravante: O), Paris, Éditions Gallimard/Bibliothèque de la Pléiade, 1965, vol. I, p. 92.
Trata-se de um enfoque – dialecticamente materialista – que Engels, mais tarde, retomará:
«Esta situação histórica dominava também os fundadores do socialismo. Ao estado imaturo da produção capitalista, à situação imatura das classes, correspondiam teorias imaturas. A solução dos problemas sociais – que, nas relações económicas não-desenvolvidas, permanecia ainda oculta – havia de ser tirada da cabeça. A sociedade oferecia apenas coisas insustentáveis [Mißstände]; eliminá-las era tarefa da razão pensante. Tratava-se de inventar um sistema novo da ordem social, mais perfeito, e de o outorgar de fora à sociedade, através de propaganda, se possível, através do exemplo de experimentos-modelo. Estes novos sistemas sociais estavam de antemão condenados à utopia; quanto mais eles fossem elaborados nos seus pormenores, tanto mais tinham que se perder em pura fantastiquice [Phantasterei].» – «Diese geschichtliche Lage beherrschte auch die Stifter des Sozialismus. Dem unreifen Stand der kapitalistischen Produktion, der unreifen Klassenlage, entsprachen unreife Theorien. Die Lösung der gesellschaftlichen Aufgaben, die in den unentwickelten ökonomischen Verhältnissen noch verborgen lag, sollte aus dem Kopfe erzeugt werden. Die Gesellschaft bot nur Mißstände; sie zu beseitigen war Aufgabe der denkenden Vernunft. Es handelte sich darum, ein neues, vollkommneres System der gesellschaftlichen Ordnung zu erfinden und dies der Gesellschaft von Außen her, durch Propaganda, womöglich durch das Beispiel von Muster-Experimenten aufzuoktroyiren. Diese neuen sozialen Systeme waren von vorn herein zur Utopie verdammt; je weiter sie in ihren Einzelheiten ausgearbeitet wurden, desto mehr mußten sie in reine Phantasterei verlaufen.», ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft. Philosophie. Politische Ökonomie. Sozialismus [Anti-Dühring] (1878), III, I; MEGA2, vol. I/27, pp. 427-428.

(56) «Der Sozialismus ist ihnen allen der Ausdruck der absoluten Wahrheit, Vernunft und Gerechtigkeit, und braucht nur entdeckt zu werden, um durch eigene Kraft die Welt zu erobern; da die absolute Wahrheit unabhängig ist von Zeit, Raum und menschlicher geschichtlicher Entwicklung, so ist es bloßer Zufall, wann und wo sie entdeckt wird.», ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I; MEGA2, vol. I/27, p. 598.

(57) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 1 (MEW, vol. 3, pp. 35-36), bem como Manifest der Kommunistischen Partei (1848), II (MEW, vol. 4, pp. 474-475. Veja-se igualmente: ENGELS, Die Kommunisten und Karl Heinzen (1847); MEW, vol. 4, pp. 321-322.

(58) «Um aus dem Sozialismus eine Wissenschaft zu machen, mußte er erst auf einen realen Boden gestellt werden.», ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I; MEGA2, vol. I/27, p. 599.

(59) «A existência de pensamentos revolucionários numa determinada época pressupõe já a existência de uma classe revolucionária» – «Die Existenz revolutionärer Gedanken in einer bestimmten Epoche setzt bereits die Existenz einer revolutionären Klasse voraus», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 2; MEW, vol. 3, p. 47.

(60) «Der bisherige Sozialismus kritisirte zwar die bestehende kapitalistische Produktionsweise und ihre Folgen, konnte sie aber nicht erklären, also auch nicht mit ihr fertig werden; er konnte sie nur einfach als schlecht verwerfen.», ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft [Anti-Dühring] (1878), Einleitung, I; MEGA2, vol. I/27, pp. 236-237.

(61) «Alle Wissenschaft wäre überflüssig, wenn die Erscheinungsform und das Wesen der Dinge unmittelbar zusammenfielen», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VII, 48, III; MEGA2, vol. II/15, p. 792.

(62) Cf. MARX, Brief an Engels, 27. Juni 1867; MEW, vol. 37, p. 313.

(63) «A consciência [das Bewußtsein] nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewußte Sein], e o ser [das Sein] dos seres humanos é o processo [efectivamente] real de vida deles.» – «Das Bewußtsein kann nie etwas Andres sein als das bewußte Sein, und das Sein der Menschen ist ihr wirklicher Lebensprozeß.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A; MEW, vol. 3, p. 26.

(64) «Todo o viver social é essencialmente prático.» – «Alles gesellschaftliche Leben ist wesentlich praktisch.», MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 8; MEW, vol. 3, p. 7.
«O processo de trabalho é, antes do mais, um processo entre o ser humano e a Natureza, um processo em que ele medeia, regula, e controla, pela sua acção própria, a sua troca material [metabolismo, Stoffwechsel] com a Natureza. O ser humano enfrenta o próprio material de Natureza [Naturstoff] como um poder de Natureza [Naturmacht]. Ele põe em movimento as forças de Natureza [Naturkräfte] que pertencem à sua corporalidade (braços e pernas, cabeça e mão) para se assimilar o material de Natureza numa forma utilizável para a sua vida própria. Ao operar por este movimento sobre a Natureza fora dele, e ao transformá-la, ele transforma, simultaneamente, a sua natureza própria.» – «Der Arbeitsprozeß ist zunächst ein Prozeß zwischen dem Menschen und der Natur, ein Prozeß, worin er seinen Stoffwechsel mit der Natur durch seine eigne That vermittelt, regelt und kontrolirt. Der Mensch tritt dem Naturstoff selbst als eine Naturmacht gegenüber. Die seiner Leiblichkeit angehörigen Naturkräfte, Arme und Beine, Kopf und Hand, setzt er in Bewegung, um sich den Naturstoff in einer für sein eignes Leben brauchbaren Form zu assimiliren. Indem er durch diese Bewegung auf die Natur außer ihm wirkt und sie verändert, verändert er zugleich seine eigne Natur.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 1; MEGA2, vol. II/5, p. 129.

(65) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 1, 1; MEGA2, vol. II/5, p. 49.

(66) «Ora, no que a mim respeita, não me é devido o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna, nem a sua luta entre si. Antes de mim, há muito que historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes e que economistas burgueses [tinham exposto] a anatomia económica delas. O que eu fiz [de] novo [neu] foi: 1) demonstrar que a existência das classes está ligada meramente a determinadas fases históricas de desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que essa ditadura forma ela própria apenas o trânsito à superação [Aufhebung] de todas as classes e a uma sociedade sem classes.» – «Was mich nun betrifft, so gebührt mir nicht das Verdienst, weder die Existenz der Klassen in der modernen Gesellschaft, noch ihren Kampf unter sich entdeckt zu haben. Bürgerliche Geschichtschreiber hatten längst vor mir die historische Entwicklung dieses Kampfes der Klassen, und bürgerliche Oekonomen die ökonomische Anatomie derselben dargestellt. Was ich neu that war 1) nachzuweisen, daß die Existenz der Klassen bloß an bestimmte historische Entwicklungsphasen der Production gebunden ist; 2) daß der Klassenkampf nothwendig zur Diktatur des Proletariats führt; 3) daß diese Diktatur selbst nur den Uebergang zur Aufhebung aller Klassen und zu einer klassenlosen Gesellschaft bildet.», MARX, Brief an Joseph Weydemeyer, 5. März 1852; MEGA2, vol. III/5, p. 76.

(67) «Não se trata de aquilo que este ou aquele proletário, ou mesmo o proletariado todo, se representam entretanto como meta [Ziel]. Trata-se de aquilo que ele é, e de aquilo que ele, em conformidade a esse ser, historicamente será forçado a fazer.» – «Es handelt sich nicht darum, was dieser oder jener Proletarier oder selbst das ganze Proletariat als Ziel sich einstweilen vorstellt. Es handelt sich darum, was es ist und was es diesem Sein gemäß geschichtlich zu tun gezwungen sein wird.», ENGELS-MARX, Die heilige Familie, oder Kritik der kritischen Kritik. Gegen Bruno Bauer und Konsorten (1845), IV, 4, Kritische Randglosse Nr. II; MEW, vol. 2, p. 38.

(68) Como, em referência ao ocorrido em Inglaterra, Marx observa:
«As condições económicas haviam transformado primeiro a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou a essa massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, esta massa é já uma classe frente [vis-à-vis] ao capital, mas ainda não para ela própria [pour elle-même]. Na luta [dans la lutte], da qual nós não assinalámos senão algumas fases, esta massa reune-se, constitui-se em classe para ela própria. Os interesses que ela defende tornam-se interesses de classe. Mas a luta de classe a classe é uma luta política.» – «Les conditions économiques avaient d’abord transformé la masse du pays en travailleurs. La domination du capital a créé à cette masse une situation commune, des intérêts communs. Ainsi cette masse est déjà une classe vis-à-vis du capital, mais pas encore pour elle-même. Dans la lutte, dont nous n’avons signalé que quelques phases, cette masse se réunit, elle se constitue en classe pour elle-même. Les intérêts qu’elle défend deviennent des intérêts de classe. Mais la lutte de classe à classe est une lutte politique.», MARX, Misère de la Philosophie (1847), II,5; O, vol. I, pp. 134-135.

(69) «Contra este poder colectivo das classes possidentes, o proletariado não pode agir como classe senão constituindo-se ele próprio em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes possidentes» – «Contre ce pouvoir collectif des classes possédantes le prolétariat ne peut agir comme classe qu’en se constituant lui-même en parti politique distinct, opposé à tous les anciens partis formés par les classes possédantes», MARX-ENGELS, Résolutions des délégués de la Conférence da l’Association Internationale des Travailleurs (1871), IX; MEGA2, vol. I/22, p. 329.

(70) Vale a pena meditar um saboroso «aviso» (warning), constante de uma carta ao Editor do New-York Daily Tribune:
«Na política, para [alcançar] um dado objectivo [object], um homem pode aliar-se com o próprio diabo: só que ele tem que estar seguro de que está a enganar o diabo, em vez de o diabo o estar a enganar a ele.» – «In politics a man may ally himself, for a given object, with the devil himself – only he must be sure that he is cheating the devil, instead of the devil cheating him.», MARX, Kossuth, Mazzini, and Louis Napoleon (1852); MEGA2, vol. I/11, p. 428.

(71) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 703.

(72) Cf. MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), I; MEW, vol. 4, p. 474.
Veja-se também: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1883, I, VII, 24, 7; MEGA2, vol. II/8, p. 713.

(73) «Toda a mais-valia – qualquer que seja a figura particular (de lucro, juro, renda, etc.) em que mais tarde se cristalize – é, segundo a sua substância, materialização [Materiatur] de tempo de trabalho não-pago. O segredo da autovalorização [Selbstverwerthung] do capital resolve-se em ele ter à sua disposição um quantum determinado de trabalho alheio não-pago.» – «Aller Mehrwerth, in welcher besondern Gestalt von Profit, Zins, Rente u. s. w. er sich später krystallisire, ist seiner Substanz nach Materiatur unbezahlter Arbeitszeit. Das Geheimniß von der Selbstverwerthung des Kapitals löst sich auf in seine Verfügung über ein bestimmtes Quantum unbezahlter fremder Arbeit.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 5, 3; MEGA2, vol. II/5, p. 432.

(74) «A forma do salário apaga, portanto, completamente, todo o vestígio da divisão do dia de trabalho em trabalho necessário [para a reposição da força de trabalho] e [em] sobretrabalho [Mehrarbeit], em trabalho pago e [em trabalho] não-pago. Todo o trabalho aparece como trabalho pago. No trabalho servil [Frohnarbeit], diferenciam-se espacial e temporalmente, de modo palpavelmente sensível, o trabalho do servo para si próprio e o trabalho forçado para o seu senhor da terra. No trabalho escravo, mesmo a parte do dia de trabalho no qual o escravo apenas repõe o valor dos seus meios de vida próprios, no qual ele trabalha portanto, de facto, para si próprio, aparece como trabalho para o amo dele. Todo o seu trabalho aparece como não-pago. No trabalho assalariado, mesmo o sobretrabalho, ou trabalho não-pago, aparece, ao invés [umgekehrt], como [trabalho] pago. Ali, a relação de propriedade oculta o trabalhar-para-si- próprio [das Fürsichselbstarbeiten] do escravo; aqui, a relação de dinheiro [oculta] o trabalhar-de-graça [das Umsonstarbeiten] do assalariado. […]. Sobre esta forma fenoménica [Erscheinungsform] – que torna invisível a relação [efectivamente] real, e mostra exactamente o contrário dela –, repousam todas as representações jurídicas do operário como do capitalista, todas as mistificações do modo capitalista de produção, todas as suas ilusões de liberdade, todas as patranhas [Flausen] apologéticas da Economia vulgar.» – «Die Form des Arbeitslohnes löscht also jede Spur der Theilung des Arbeitstags in nothwendige Arbeit und Mehrarbeit, in bezahlte und unbezahlte völlig aus. Alle Arbeit erscheint als bezahlte Arbeit. Bei der Frohnarbeit unterscheiden sich räumlich und zeitlich, handgreiflich sinnlich, die Arbeit des Fröhners für sich selbst und die Zwangsarbeit für seinen Grundherrn. Bei der Sklavenarbeit erscheint selbst der Theil des Arbeitstags, worin der Sklave nur den Werth seiner eignen Lebensmittel erzetzt, den er in der That also für sich selbst arbeitet, als Arbeit für seinen Meister. Alle seine Arbeit erscheint als unbezahlte Arbeit. Bei der Lohnarbeit erscheint umgekehrt selbst die Mehrarbeit oder unbezahlte Arbeit als bezahlt. Dort verbirgt das Eigenthumsverhältniß das Fürsichselbstarbeiten des Sklaven, hier das Geldverhältniß das Umsonstarbeiten des Lohnarbeiters. […]. Auf dieser Erscheinungsform, die das wirkliche Verhältniß unsichtbar macht und grade sein Gegentheil zeigt, beruhn alle Rechtsvorstellungen des Arbeiters wie des Kapitalisten, alle Mystifikationen der kapitalistischen Produktionsweise, alle ihre Freiheitsillusionen, alle apologetischen Flausen der Vulgärökonomie.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 5, 4, a; MEGA2, vol. II/5, p. 437.

(75) «A circulação do capital é realizadora de valor [werthrealisirend], [assim] como o trabalho vivo [é] criador de valor [werthschaffend].» – «Die Circulation des Capitals ist werthrealisirend, wie die lebendige Arbeit werthschaffend.», MARX, Ökonomische Manuskripte 1857/58, Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie. Zweiter Teil, III, Kreislauf des Kapitals; MEGA2, vol. II/1.2, p. 441.
Para uma explicação sucinta do movimento contido na «fórmula universal» (allgemeine Formel) do capital, enquanto «dinheiro – mercadoria – dinheiro’» (G-W-G’), veja-se, por exemplo: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, I, I, 2; MEGA2, vol. II/15, p. 44.

(76) Veja-se, por exemplo, em sede económico-teológica, o esclarecedor capítulo em que se desmontam os segredos que na «fórmula trinitária» (trinitarische Formel) se guardam: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, VII, 48; MEGA2, vol. II/15, pp. 789-806.

(77) «Das Kapital nicht eine Sache ist, sondern ein durch Sachen vermitteltes gesellschaftliches Verhältniß zwischen Personen.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 6, 3; MEGA2, vol. II/5, pp. 611-612.

(78) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Zweiter Band. Hamburg 1885, II, III, 21, II; MEGA2, vol. II/13, p. 467.

(79) «A taxa da mais-valia é, por conseguinte, a expressão exacta para o grau de exploração da força de trabalho pelo capital, ou do operário pelo capitalista.» – «Die Rate des Mehrwerths ist daher der exakte Ausdruck für den Exploitationsgrad der Arbeitskraft durch das Kapital oder des Arbeiters durch den Kapitalisten.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 3; MEGA2, vol. II/5, p. 163.
Vejam-se as aclarações complementares constantes da nota a este passo introduzida no texto da segunda edição do Livro primeiro: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, I, III, 7, 1; MEGA2, vol. II/6, p. 227.

(80) Neste ramo da indústria pensativa, o cadastro das ocorrências é secular.
Desde os achados de superfície por onde estaciona o «indignacionismo» moral à solta de muito «radicalista» com pouco calo na perscrutação a fundo da raiz, até aos pregões enfáticos de uma «terceira via» de modernaço porte, em recovagem deslumbrada pelos carris da «via única».
Para uma pertinente desmontagem elucidativa de um dos episódios: António AVELÃS NUNES, Do Capitalismo e do Socialismo. Polémica com Jan Tinbergen, Prémio Nobel da Economia, Lisboa, Página a Página, 2017.

(81) «As chamadas relações de repartição correspondem portanto a, e brotam de, formas historicamente determinadas, especificamente sociais, do processo de produção e das relações em que os seres humanos, no processo de reprodução da sua vida humana, entram entre eles. O carácter histórico destas relações de repartição é o carácter histórico das relações de produção, das quais elas apenas expressam um lado. A repartição capitalista é diversa das formas de repartição que brotam de outros modos de produção, e cada forma de repartição desaparece com a forma determinada da produção da qual provém e [à qual] corresponde. A perspectiva que apenas considera como históricas as relações de repartição, mas não as relações de produção, é, por um lado, apenas a perspectiva da crítica que está a começar, mas que está ainda prisioneira, da Economia burguesa. Mas, por outro lado, repousa sobre uma confusão e [uma] identificação do processo social de produção com o simples processo de trabalho, tal como um ser humano anormalmente isolado o tivesse que executar sem quaisquer auxílios sociais.» – «Die sogenannten Vertheilungsverhältnisse entsprechen also, und entspringen aus, historisch bestimmten, specifisch gesellschaftlichen Formen des Produktionsprocesses und der Verhältnisse, welche die Menschen im Reproduktionsproceß ihres menschlichen Lebens unter einander eingehn. Der historische Charakter dieser Vertheilungsverhältnisse ist der historische Charakter der Produktionsverhältnisse, wovon sie nur eine Seite ausdrücken. Die kapitalistische Vertheilung ist verschieden von den Vertheilungsformen, die aus andren Produktionsweisen entspringen, und jede Vertheilungsform verschwindet mit der bestimmten Form der Produktion, der sie entstammt und entspricht. Die Ansicht, die nur die Vertheilungsverhältnisse als historisch betrachtet, aber nicht die Produktionsverhältnisse, ist einerseits nur die Ansicht der beginnenden, aber noch befangnen Kritik der bürgerlichen Oekonomie. Andrerseits aber beruht sie auf einer Verwechslung und Identificirung des gesellschaftlichen Produktionsprocesses mit dem einfachen Arbeitsproceß, wie ihn auch ein abnorm isolirter Mensch ohne alle gesellschaftliche Beihülfe verrichten müßte.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VII, 51; MEGA2, vol. II/15, p. 855.

(82) «Les conditions de la vie bourgeoise sans les conséquences nécessaires de ces conditions», MARX, Brief an Pawel Wassiljewitsch Annenkow, 28. Dezember 1846; MEGA2, vol. III/2, p. 77.

(83) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, Vorwort; MEGA2, vol. II/5, p. 15.

(84) «O desenvolvimento das contradições [die Entwicklung der Widersprüche] de uma forma histórica de produção é, contudo, o único caminho histórico [der einzig geschichtliche Weg] da sua dissolução [Auflösung] e nova configuração [Neugestaltung].» – «Die Entwicklung der Widersprüche einer geschichtlichen Produktionsform ist jedoch der einzig geschichtliche Weg ihrer Auflösung und Neugestaltung.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 4, 4; MEGA2, vol. II/5, p. 400.

(85) «Num certo estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção disponíveis ou, o que é apenas uma expressão jurídica para isso, com as relações de propriedade, no interior das quais elas até aí se tinham movimentado. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações convertem-se em obstáculos [Fesseln] delas. Entra [em cena], então, uma época de revolução social.» – «Auf einer gewissen Stufe ihrer Entwicklung gerathen die materiellen Produktivkräfte der Gesellschaft in Widerspruch mit den vorhandenen Produktionsverhältnissen, oder was nur ein juristischer Ausdruck dafür ist, mit den Eigenthumsverhältnissen, innerhalb deren sie sich bisher bewegt hatten. Aus Entwicklungsformen der Produktivkräfte schlagen diese Verhältnisse in Fesseln derselben um. Es tritt dann eine Epoche socialer Revolution ein.», MARX, Zur Kritik der politischen Ökonomie. Erstes Heft (1859), Vorwort; MEGA2, vol. II/2, pp. 100-101.

(86) Cf. MARX, Lohnarbeit und Kapital (1849); MEW, vol. 6, p. 405.

(87) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 701.

(88) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VI, 47, II; MEGA2, vol. II/15, p. 768.

(89) Cf. MARX, Misère de la Philosophie (1847), II,1, 7: O, vol. I, p. 89.

(90) «Por modificação [Veränderung] das relações materiais de vida este socialismo não entende porém, de modo nenhum, abolição [Abschaffung] das relações burguesas de produção – a qual só por caminho revolucionário [nur auf revolutionäre Wege] é possível –, mas melhoramentos administrativos [administrative Verbesserungen] que se processem sobre o solo destas relações de produção, portanto, que nada alterem na relação de capital e trabalho assalariado, mas, no melhor dos casos, reduzam à burguesia os custos da sua dominação, e lhe simplifiquem o orçamento de Estado. O socialismo burgês só alcança a expressão que lhe corresponde, lá onde se torna mera figura de retórica. Comércio livre! no interesse da classe trabalhadora; protecção alfandegária! no interesse da classe trabalhadora; prisões celulares! no interesse da classe trabalhadora: esta é a última palavra do socialismo burguês, [e] a única dita a sério. O socialismo da burguesia consiste precisamente na afirmação de que os burgueses são burgueses – no interesse da classe trabalhadora.» – «Unter Veränderung der materiellen Lebensverhältnisse versteht dieser Sozialismus aber keineswegs Abschaffung der bürgerlichen Produktionsverhältnisse, die nur auf revolutionärem Wege möglich ist, sondern administrative Verbesserungen, die auf dem Boden dieser Produktionsverhältnisse vor sich gehen, also an dem Verhältnis von Kapital und Lohnarbeit nichts ändern, sondern im besten Fall der Bourgeoisie die Kosten ihrer Herrschaft vermindern und ihren Staatshaushalt vereinfachen. Seinen entsprechenden Ausdruck erreicht der Bourgeoissozialismus erst da, wo er zur bloßen rednerischen Figur wird. Freier Handel! im Interesse der arbeitenden Klasse; Schutzzölle! im Interesse der arbeitenden Klasse; Zellengefängnisse! im Interesse der arbeitenden Klasse: das ist das letzte, das einzige ernstgemeinte Wort des Bourgeoissozialismus. Der Sozialismus der Bourgeoisie besteht eben in der Behauptung, daß die Bourgeois Bourgeois sind – im Interesse der arbeitenden Klasse.», MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), III, 2; MEW, vol. 4, p. 489.

(91) «Os membros intermediários» (die Zwischenglieder) da cadeia de pensamento utópico que, arrancando de Thomas More, até à actualidade de Engels se prolongava: cf. ENGELS, Brief an Wilhelm Liebknecht, 12. Februar 1873; MEW, vol. 33, p. 567.

(92) «Os primeiros socialistas (Fourier, Owen, Saint-Simon, etc.), uma vez que as condições sociais não estavam suficientemente desenvolvidas para permitir à classe operária constituir-se em classe militante, tiveram fatalmente que se circunscrever a uns sonhos acerca da sociedade modelo do futuro, e que condenar todas as tentativas – como as greves, as coalizões, os movimentos políticos – iniciadas pelos operários para trazer algum melhoramento à sorte deles.» – «I primi socialisti (Fourier, Owen, Saint-Simon, ecc.) poichè le condizioni sociali non erano abbastanza sviluppate da permettere alla classe operaja di costituirsi in classe militante, hanno dovuto fatalmente circoscriversi a dei sogni sulla società modello dell’avvenire, e condannare tutti i tentativi quali gli scioperi, le coalizioni, i movimenti politici, iniziati dagli operai per portare qualche miglioramento alla loro sorte.», MARX, L’indifferenza in materia politica (1873); MEGA2, vol. I/24, p. 107.

(93) A categoria abrange igualmente o corpo sacerdotal da «mitologia moderna» (moderne Mythologie) que presta culto às «deusas da “Justiça, Liberdade, Igualdade, etc.”» (Göttinnen der “Gerechtigkeit, Freiheit, Gleichheit etc.”). Cf. MARX, Brief an Engels, 1. August 1877 (MEW, vol. 34, p. 66), e também Brief an Friedrich Adolph Sorge, 19. Oktober 1877 (MEW, vol. 34, pp. 302-303).
Para o caso de Dühring, veja-se, por exemplo: ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft [Anti-Dühring] (1878), III, I; MEGA2, vol. I/27, p. 434.

(94) «O significado do socialismo, e do comunismo, críticamente utópico [kritisch-utopisch] está na relação inversa do desenvolvimento histórico. Na mesma medida em que a luta das classes se desenvolve e configura, essa elevação fantástica acima dela, esse combate fantástico contra ela, perdem todo o valor prático, toda a justificação teórica. Se, por conseguinte, os progenitores desses sistemas foram também, sob vários aspectos, revolucionários, os seus discípulos formam, de todas as vezes, seitas reaccionárias. Eles atêm-se às velhas intuições dos mestres, frente ao desenvolvimento histórico do proletariado para diante. Por conseguinte, eles procuram consequentemente embotar outra vez a luta de classes, e mediar as oposições. Eles continuam a sonhar ainda com a realização, a título experimental [versuchsweise], das suas utopias sociais, com a instituição de falanstérios isolados, com a fundação de colónias internas, com a erecção de uma pequena Icária – um edição em duodécimos da nova Jerusalém –, e para a edificação de todos estes castelos no ar eles têm que apelar para a filantropia dos corações burgueses e dos ricaços [Geldsäcke].» – «Die Bedeutung des kritisch-utopistischen Sozialismus und Kommunismus steht im ungekehrten Verhältnis zur geschichtlichen Entwicklung. In demselben Maße, worin der Klassenkampf sich entwickelt und gestaltet, verliert diese phantastische Erhebung über denselben, diese phantastische Bekämpfung desselben allen praktischen Wert, alle theoretische Berechtigung. Waren daher die Urheber dieser Systeme auch in vieler Beziehung revolutionär, so bilden ihre Schüler jedesmal reaktionäre Sekten. Sie halten die alten Anschuungen der Meister fest gegenüber der geschichtlichen Fortentwicklung des Proletariats. Sie suchen daher konsequent den Klassenkampf wieder abzustumpfen und die Gegensätze zu vermitteln. Sie träumen noch immer die versuchsweise Verwirklichung ihrer gesellschaftlichen Utopien, Stiftung einzelner Phalanstere, Gründung von Home-Kolonien, Errichtung eines kleinen Ikariens – Duodezausgabe des neuen Jerusalem –, und zum Aufbau aller dieser spanischen Schlösser müssen sie an die Philanthropie der bürgerlichen Herzen und Geldsäcke appellieren.», MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), III, 3; MEW, vol. 4, p. 491.

(95) «A impaciência [die Ungeduld] pede o impossível [das Unmögliche], a saber: o alcançamento [die Erreichung] da meta sem os meios.» – «Die Ungeduld verlangt das Unmögliche, nämlich die Erreichung des Ziels ohne die Mittel.», HEGEL, Phänomenologie des Geistes (1807), Vorrede; TW, vol. 3, p. 33.

(96) «Der deutsche Kommunismus der entschiedenste Gegner alles Utopismus ist und, weit entfernt die geschichtliche Entwicklung auszuschließen, sich vielmehr auf sie begründet», MARX, Der “Débat social” vom 6. Februar über die Association démocratique (1848); MEW, vol. 4, p. 512.

(97) «O idealismo alemão não se separa por nenhuma diferença específica da ideologia de todos os outros povos. Também esta considera o mundo como dominado por Ideias, as Ideias e os conceitos como princípios determinantes, determinados pensamentos como o mistério do mundo material acessível aos filósofos.» – «Der deutsche Idealismus sondert sich durch keinen spezifischen Unterschied von der Ideologie aller andern Völker ab. Auch diese betrachtet die Welt als durch Ideen beherrscht, die Ideen und Begriffe als bestimmende Prinzipien, bestimmte Gedanken als das den Philosophen zugängliche Mysterium der materiellen Welt.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), Vorrede; MEW, vol. 3, p. 14.

(98) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, Der wahre Sozialismus, I, A; MEW, vol. 3, p. 455.

(99) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, 1, Altes Testament: Der Mensch, 6, C; MEW, vol. 3, p. 218.

(100) Cf. HEGEL, Phänomenologie des Geistes (1807), Vorrede; TW, vol. 3, p. 56.

(101) Cf. HEGEL, Phänomenologie des Geistes, Vorrede; TW, vol. 3, p. 57.

(102) «O meu método dialéctico é, pela base [der Grundlage nach], não apenas diverso do de Hegel, mas o o seu contrário directo. Para Hegel, o processo de pensamento [der Denkproceß] – que ele transforma mesmo num sujeito autónomo, sob o nome de Ideia [Idee] – é o demiurgo do [efectivamente] real, que forma apenas o seu fenómeno exterior. Para mim, inversamente, o ideial [das Ideelle] não é nada senão o material [das Materielle] transposto para, e traduzido na, cabeça do ser humano.» – «Meine dialektische Mehtode ist der Grundlage nach von der Hegelschen nicht nur verschieden, sondern ihr direktes Gegentheil. Für Hegel ist der Denkproceß, den er sogar unter dem Namen Idee in ein selbstständiges Subjekt verwandelt, der Demiurg des Wirklichen, das nur seine äußere Erscheinung bildet. Bei mir ist umgekehrt das Ideelle nichts andres als das im Menschenkopf umgesetzte und übersetzte Materielle.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 709.

(103) «O concreto é concreto, porque é a reunião [die Zusammenfassung] de muitas determinações, [e,] portanto, [é] unidade do diverso. No pensar, ele aparece, por conseguinte, como processo da reunião, como resultado, não como ponto de partida, apesar de ele ser o ponto de partida [efectivamente] real, e, por conseguinte, também o ponto de partida da intuição e da representação.» – «Das Concrete ist concret weil es die Zusammenfassung vieler Bestimmungen ist, also Einheit des Mannigfaltigen. Im Denken erscheint es daher als Prozeß der Zusammenfassung, als Resultat, nicht als Ausgangspunkt, obgleich es der wirkliche Ausgangspunkt und daher auch der Ausgangspunkt der Anschauung und der Vorstellung ist.», MARX, Ökonomische Manuskripte 1857/58, Einleitung zu den “Grundrissen der Kritik der politischen Ökonomie”, I, 3; MEGA2, vol. II/1.1, p. 36.

(104) «Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert, es kömmt drauf an sie zu verändern.», MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 11; MEW, vol. 3, p. 7.

(105) «Diese Forderung, das Bewußtsein zu verändern, läuft auf die Forderung hinaus, das Bestehende anders zu interpretieren, d. h. es vermittelst einer andren Interpretation anzuerkennen.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 1; MEW, vol. 3, p. 20.

(106) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, 1, Neues Testament: “Ich”, 5, III, 5; MEW, vol. 3, p. 332.

(107) Cf. MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 8; MEW, vol. 3, p. 7.

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