Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Sessão Pública na passagem do centenário de Maria Alda Nogueira «Uma vida de combate pela igualdade e emancipação social»

Alda Nogueira, uma vida de combate pela igualdade e emancipação social

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Uma saudação a todos os presentes nesta justa homenagem à camarada Maria Alda Nogueira quando se assinala o centenário do seu nascimento.

Ao longo desta sessão foi evidenciado o contributo de Maria Alda Nogueira à acção do PCP, mas não é demais reforçar.

Aqui estamos numa justa homenagem pelo seu exemplo de vida no combate pela liberdade e democracia. Pela vida de militância, de combate pela igualdade e emancipação social, e pela paz.

As causas que abraçou, entre as quais a luta em defesa dos direitos das mulheres, na lei e na vida e pela sua emancipação  assumem a maior actualidade. 

Desde logo pela espiral de agravamento das condições de vida e de trabalho das mulheres, pelo incumprimento dos seus direitos, mas também pela vigorosa resposta que muitos milhares de mulheres deram este ano, e mais uma vez, na afirmação dos seus direitos nas comemorações do Dia Internacional da Mulher.

Vigorosa resposta que mais uma vez saudamos, sublinhando o papel do MDM, da CGTP e do movimento sindical unitário, e também outras organizações que levaram por diante a afirmação dos direitos da mulher.

Como assume inteira actualidade a afirmação que Alda Nogueira  fez em 1976: «é evidente que dada a minha formação política e ideológica a minha posição é necessariamente a de que a libertação das mulheres em Portugal, como em qualquer parte do mundo capitalista, passa pela luta de classes e que o opressor é o sistema capitalista gerador de toda uma série de discriminações entre as quais as que à mulher respeitam. É ainda o sistema, e não o homem, o verdadeiro e grande responsável pelas ideias erradas e nitidamente reaccionárias que na mente de muitos homens infelizmente ainda existem sobre as mulheres em geral e na participação na sociedade.»

Uma notável síntese, passados que foram mais de 40 anos, de notável actualidade.

Aquilo que buscamos, por aquilo a que Alda Nogueira se entregou, é a emancipação das mulheres e a libertação da mulher trabalhadora da exploração e opressão capitalistas. Elemento fundamental para que as mulheres em geral se libertem das desigualdades, discriminações e injustiças. 

O PCP celebra este mês 102 anos de intervenção e luta. 

Um Partido sempre e de sempre o mais sólido e coerente aliado na defesa dos direitos das mulheres e da sua luta emancipadora.

É assim hoje, foi assim desde a sua formação.

Um posicionamento de classe que afrontou as concepções retrógradas e obscurantistas relativamente à condição da mulher.  «Conquistar a mulher para a causa da emancipação e a defesa do princípio da igualdade de salários», objectivo presente no I Congresso em 1923 e pelo qual, hoje, nos continuamos a bater.

Partido que sempre se esforçou para elevar a participação de cada vez mais mulheres, incluindo das trabalhadoras, objectivo do III Congresso do PCP, um objectivo presente na luta de hoje, não obstante o número crescente de mulheres, designadamente trabalhadoras, que assumem um papel activo nas lutas que se travam pelo aumento geral dos salários, contra o aumento do custo de vida, na defesa dos serviços públicos, pelo fim à desregulação de horários e da precariedade laboral.

São 102 anos de acção e luta pelo aprofundamento dos direitos das mulheres, na lei e na vida, por avanços no fim do aborto clandestino e inseguro, na aprovação de legislação relativa à interrupção voluntária da gravidez, na defesa da maternidade e paternidade como função social, no fim da violência sobre as mulheres, entre muitos outros importantes avanços. 

Uma luta que necessariamente prossegue e se intensifica, nomeadamente contra os retrocessos que estão a ser impostos no papel do Serviço Nacional de Saúde no acompanhamento às grávidas, na garantia do parto hospitalar de qualidade e no respeito pela dignidade da mulher e na promoção da sua saúde sexual e reprodutiva. 

Ontem, como hoje, para lá da brutal ofensiva ideológica que existe, a eliminação das desigualdades, discriminações e injustiças que pesam sobre as mulheres, enquanto trabalhadoras, cidadãs e mães, só é possível acabando com o rumo de agravamento das desigualdades e injustiças.

As profundas alterações na condição da mulher e no seu estatuto em Portugal são indissociáveis da luta travada pelo derrube do fascismo e das profundas alterações com a Revolução de Abril.

Foi a luta das mulheres, foi Abril que acabaram com as humilhantes discriminações das mulheres e consagraram os seus direitos, na lei e na vida, abrindo novos caminhos à sua emancipação. 

Abril foi um acontecimento maior também para a justa luta das mulheres.

Na vida do Partido, a luta pela emancipação da mulher sempre teve um lugar de destaque, com momentos que, longe de terem sido excepção, foram particularmente marcantes nessa intervenção, como foi o caso da Conferência do PCP sobre a «Emancipação da Mulher no Portugal de Abril», na década de 80.

Nela, Maria Alda Nogueira destacou que essa «Conferência é uma grandiosa iniciativa até hoje nunca realizada por qualquer outro partido. Ela realiza-se contra e apesar, de com a direita no poder, as mulheres, e principalmente as trabalhadoras, cada vez mais, sofrerem opressões, discriminações, violências do mais variado tipo.»

Década onde de forma pioneira afirmávamos o direito a ser mãe e a ser feliz. Porque no Portugal de Abril ser mãe é uma escolha, não uma fatalidade do destino, e que é perfeitamente compatível com trabalhar, participar e viver em igualdade.

Se hoje usamos a consígnia «Crianças e pais com direitos, Portugal com futuro», é com a perfeita noção de que os direitos das crianças e dos seus pais contribuem directamente para a construção de um País desenvolvido.

E de que, por outro lado, a política de direita, de baixos salários, desemprego e precariedade penaliza, não só mas de forma particular as famílias com crianças.

A desregulação dos horários de trabalho, o trabalho por turnos e aos fins de semana impede que as famílias convivam, empurram as crianças para horas a fio na creche ou na escola, condicionando o seu livre e completo usufruto dos seus direitos.

Porque esta situação também está na raiz do adiamento da maternidade, da decisão de ter só um filho quando se queria ter mais e, portanto, tem consequências directas no défice demográfico.

As mulheres têm direito a decidir ter filhos e a acompanhá-los ao longo do seu crescimento. A maternidade e a paternidade não são um capricho nem um luxo. São um projecto de vida pessoal, claro, mas que também cumpre um papel social indispensável e que nesse quadro deve ser protegido e apoiado.

As mulheres têm direito a ter tempo para o trabalho, para si e para a família. A serem felizes e livres em todas as esferas da vida.

Ainda há poucos dias tivemos oportunidade de apresentar diversas propostas de reforço dos direitos de maternidade e de paternidade, entre outras de combate à violência doméstica.

Continuamos a lutar pela concretização da igualdade no trabalho e na vida assente na valorização do trabalho com aumento geral dos salários, fim da precariedade e das discriminações salariais e em função da maternidade, pelo direito à habitação com condições, dignidade e preços acessíveis, e a garantia de eficácia nos mecanismos de protecção às mulheres vítimas de violência.

Lutamos pela garantia de direitos laborais, regulação de horários, princípio de tratamento mais favorável ao trabalhador, aumento dos salários, taxação extraordinária dos lucros, limites ao aumento dos preços.

Medidas urgentes numa altura em que mais de 3 milhões de trabalhadores ganham menos de mil euros brutos por mês, 2 milhões de pessoas na pobreza, dos quais 385 mil crianças, enquanto os 5% mais ricos concentram 42% de toda a riqueza criada no País.

Numa altura em que assistimos ao ataque aos serviços públicos, ao desinvestimento, ao desrespeito dos profissionais, da saúde à educação, passando por muitos outros, aos desafios que a Escola Pública e o SNS enfrentam e que já levam ao encerramento de serviços, nomeadamente urgências pediátricas, como ainda recentemente foi anunciado pelo Governo relativamente a quatro delas na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Ficam à vista as opções do Governo, bem patentes no Estatuto do SNS e na criação da Comissão Executiva.

Sob a capa de uma reorganização de serviços, o Governo, em vez de criar as condições que facilitem o recrutamento e a valorização dos profissionais em falta, optou, mais uma vez, pelo encerramento de serviços, continuando assim o caminho de desvalorização do SNS e de apoio aos grupos privados para o negócio da doença, pondo em causa a assistência e os cuidados médicos a milhares de crianças.

Numa altura em que tantas pessoas se deparam com o drama da habitação, em que tão necessária é uma política de habitação pública, proteger a habitação, travar o aumento de rendas e prestações, garantir que nenhuma família entra em situação de incumprimento. Porque habitação não é sinónimo de privilégio, habitação é, isso sim, sinónimo de direito e, como tal, tem e vai ter de ser concretizado tal como está consagrado.

Numa altura em que somos cinicamente confrontados com o discurso de que não há dinheiro para tudo.

De facto, para tudo não há. Porque para os grupos económicos do negócio da doença há 6 mil milhões do Orçamento do Estado. Porque para a banca privada há mais de 16 mil milhões desde 2008. Já para não falar dos muitos milhões que se perdem em benefícios fiscais.

Agora, a propósito da operação, ainda que limitada, da ASAE, cresce a justa indignação em torno da inaceitável especulação que há muito denunciamos.

Não é aceitável este aproveitamento de quem soma lucros com a cartelização e imposição de margens de 30, 40, 50% e mais sobre os legumes, os produtos lácteos, os óleos e azeites, os cereais, a carne ou o peixe.

Mas esta situação não começou a semana passada. E quando apresentámos uma proposta para limitar os preços dos bens alimentares essenciais, PSD, Chega, IL e PS uniram-se para votar contra.

Impõem-se portanto propostas que melhorem as condições de vida do povo.

Propostas para contrariar o ciclo de empobrecimento, desigualdades e de ataque a direitos e a serviços públicos, com que estamos confrontados.

Propostas da mais elementar justiça e da mais premente urgência, e que os partidos da política de direita procuram condicionar, caricaturar e, claro, rejeitar.

Porque é com os grupos económicos, a sua concentração de riqueza, exploração e especulação, os seus interesses, que PS, PSD, Chega, IL e CDS estão empenhados.

Não é de alternância que precisamos. Mas sim de uma alternativa política, patriótica e de esquerda.

Alternativa política que ultrapasse os obstáculos e os condicionamentos à participação activa, interventiva e plena das mulheres no plano social e político, que aí estão e que representam um real empobrecimento da democracia.

Com soluções concretas sobre as causas estruturais que continuam a bloquear a participação das mulheres.

O que é necessário é  aumentar salários, reduzir horários, garantir as condições de vida que são precisas para uma vida vivida em pleno, de forma independente e autónoma.

Mas se não há mudança de mentalidades sem mudança da estrutura material, não é menos verdade que a luta contra discriminações e preconceitos, não deve e não pode ser desprezada ou secundarizada. Na nossa acção não devemos, não podemos, atirar para as calendas a criação de condições para que novas relações sociais e familiares floresçam, baseadas na decisão livre, no amor e na solidariedade.

Como são actuais as palavras de Maria Alda Nogueira acerca da proposta do PCP «Igualdade de direitos da mulher – salário igual para trabalho igual», rejeitada então pelo CDS, pelo PPD e pelo PS: «Esta disposição do salário igual para trabalho igual não é uma mera bandeira (…) O facto de ela ser inserida (…) não vai garantir que seja cumprida (…) implica que continuemos a bater-nos para que este princípio não passe de palavras na nossa Constituição, mas que seja levado à prática (…) e que devamos continuar a bater-nos, nós, mulheres comunistas e homens comunistas.»

Permitam-me que volte ao início desta intervenção. Recordar a militante comunista Alda Nogueira, com uma acção que está longe de se esgotar na luta das mulheres, mas que tem nessa luta um inquestionável e preponderante papel.

Desde logo, reconhecer o papel activo que o PCP tem tido na luta pela igualdade, pela emancipação da mulher, desde o início. Não porque nos fique bem termos chegado em primeiro, como se de uma corrida se tratasse, mas porque importa dar combate a concepções que reiteradamente nos procuram hostilizar, apresentando como soluções medidas circunstanciais que não põem em causa o sistema capitalista, fonte da exploração, das injustiças e das desigualdades.

Depois, não subestimando o muito que se avançou, reconhecer o muito que falta fazer.

Finalmente, conhecer, compreender e perceber que nesta, como noutras matérias, não começámos do zero. Naturalmente que surgirão sempre desafios a que se tem de dar resposta. Naturalmente é necessário ir acompanhando e conhecer profundamente a realidade que nos rodeia que, como sabemos, não é imutável, mas se transforma. Nada disso está em causa. Mas muitos dos problemas com que estamos confrontados não surgiram agora. E se persistem é precisamente porque se insiste em políticas que aprofundam a exploração.

Não é preciso, portanto, inventar a roda. É preciso cumprir Abril.

É preciso que se respeite, se cumpra e faça cumprir o que está inscrito na Constituição. Essa Constituição, a Lei Fundamental, escrita ao som da luta de massas, essa obra notável da qual Alda Nogueira também foi construtora.  Tal permitiria, desde logo, um avanço muito significativo nas condições de vida da população, dos trabalhadores, das mulheres.

Sabendo que enquanto se mantiverem as relações de trabalho e a posse dos meios de produção, a emancipação plena da classe trabalhadora e das mulheres não será possível. É preciso não pararmos de girar a roda do progresso. É preciso desenvolver a luta de massas.

Uma luta que se alastra e que é necessário prosseguir e intensificar. Sábado é dia de todos a Lisboa, todos a participar na manifestação nacional convocada pela CGTP.

Recordar o legado de Maria Alda é um dever histórico. Mas acima de tudo, é um belo contributo para a luta presente e para os avanços para uma sociedade nova, livre da exploração, das injustiças, desigualdades e flagelos sociais que inspirou a sua vida e que inspira a nossa luta.

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