Intervenção de

Violência doméstica contra as mulheres - Intervenção de Bernardino Soares na AR

«Os Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres»

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A violência doméstica é uma de entre muitas violências a que as mulheres estão sujeitas.

Hoje, assinalamos a adesão dos parlamentares portuguesas ao apelo do Conselho da Europa. Parar com a violência doméstica sobre as mulheres é o desafio que se coloca aos 46 Países-membros, através da acção integrada de todos, Estado e sociedade.

Mas, para que este combate seja eficaz, necessário se torna que se conheçam as causas e a caracterização deste fenómeno. A violência doméstica não conhece classes sociais ou fronteiras, mas a verdade é que as mulheres das classes sociais mais baixas são as mais atingidas e são as que menos recursos têm para a sua própria protecção.

A origem do fenómeno da violência radica na existência de sociedades fundadas em valores profundamente patriarcais que encaram a mulher como um ser com menos direitos e com um papel secundarizado na sociedade, no ensino, no exercício de cargos públicos, no trabalho, entre outros, facto que ainda hoje vemos em muitas das discussões que estão no auge na nossa sociedade, como a questão da interrupção voluntária da gravidez. Valores e tradições que têm a sua génese na construção e na concepção económica que sustenta a própria sociedade, o neoliberalismo que aprofunda quando não fomenta as desigualdades sociais entre homens e mulheres para que, desta forma, continue e se prossiga um caminho de redução de direitos de todos.

Mas a violência está também ligada a outros factores que são consequência directa deste último: o desemprego, a precariedade laboral, a fome, a miséria, a pobreza e outros factores psicossociais que determinam o domínio pela força em função do sexo.

O Conselho da Europa revela que um quinto a um quarto das mulheres foram vítimas de violência física pelo menos uma vez na sua vida adulta, e que mais do que um décimo foram vítimas de violência sexual.

Estima-se, ainda, que cerca de 12% a 15% das mulheres mantiveram relações, depois dos 16 anos, em que foram vítimas de violência doméstica. Muitas continuarão a ser, hoje, vítimas de violência física e sexual com antigos parceiros.

Estudos feitos revelam, ainda, que tem grande relevo a situação de dependência económica em que vive a maioria das mulheres. Mais de 40% das mulheres não auferem qualquer tipo de remuneração quando são vítimas de violência física, enquanto apenas 10% das mulheres que auferem um salário e trabalham fora de casa o são.

52,5% das mulheres portuguesas foram vítimas de actos de violência e 36,5% foram-no repetidamente.

Os dados anualmente divulgados pelo Ministério da Administração Interna confirmam o aumento sistemático das denúncias: 1080 queixas, em1999, contra 17 527, em 2003. Inicia-se o romper de silêncios, mas um caminho ainda incipiente no romper do ciclo da violência.

Foi com um projecto de lei do PCP que se deu um passo significativo na evolução do sistema jurídico português, alterando o quadro penal, ao considerar como público o crime de violência doméstica, combatendo os medos e a ineficácia de fazer depender o procedimento criminal da queixa da própria vítima.

Mas colocam-se problemas ao nível das opções políticas no combate a esta violência.

O programa que, hoje, aqui se discute tem como um dos seus corolários a adopção, por parte dos Estados, de medidas jurídicas e políticas que garantam a protecção e o apoio às vítimas.

Ora, sabendo que são precisamente as mulheres com mais baixos recursos as principais vítimas, este Governo, esta política, à imagem dos seus antecessores, não se coibiu de adoptar medidas que agravam a situação socio-económica daqueles que menos podem e menos têm, atingindo com particular gravidade as mulheres.

São tantos os exemplos desses agravamentos como as áreas que reclamam a adopção de medidas de combate à violência e à discriminação. As insustentáveis custas judiciais e a implementação de uma lei do apoio judiciário que exclui a grande maioria dos cidadãos do sistema impedem um maior recurso ao Direito e à justiça.

Quantas mulheres não dispõem do dinheiro necessário para o pagamento da taxa de justiça e ficam, assim, excluídas, pela mão do PSD e do CDS, que criaram as referidas medidas, e com a conivência do PS, que as mantém, do apoio judiciário a que deviam ter direito?

As discriminações salariais atingem hoje a diferença de 25% nos salários das mulheres e têm o seu reflexo também nas pensões, que representam cerca de 60% das pensões dos homens. Esta situação é agravada pela inaceitável reforma, que agora está a ser discutida em comissão, apresentada pelo Governo para a segurança social.

E o desemprego, que atinge maioritariamente as mulheres, fragilizando-as e votando-as a situações de maior dependência económica? E a retirada de direitos no domínio da maternidade? E a manutenção de uma lei que pune as mulheres quando se vêem forçadas a recorrer ao aborto, tratando-as como criminosas? Tudo isto é desigualdade, violência sobre as mulheres e causa de uma das mais graves violações dos direitos humanos. Todas estas medidas são tão injustas quanto inaceitáveis.

Assim, no entender do PCP, aderir a este programa de combate à violência doméstica sobre as mulheres significará, necessariamente, defender e pugnar pela tomada de medidas, por parte dos parlamentares e do Governo, que contemplem a afectação de recursos humanos e financeiros adequados à criação de uma rede pública de âmbito nacional de apoio às vítimas, à realização de campanhas de sensibilização e consciencialização e, também, à adopção de políticas de combate ao desemprego feminino, às discriminações salariais, à promoção da igualdade e da universalidade do acesso à justiça, à saúde, ao ensino e à segurança social.

A responsabilização séria do Estado na garantia de apoio às vítimas e na promoção da melhoria das condições sociais de todos os portugueses, combatendo as discriminações a que as mulheres estão sujeitas, é o único caminho verdadeiramente seguro e viável para uma vitória neste combate à violência sobre as mulheres, que é um combate que a todos deve empenhar.

 

 

 

 

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