Projecto de Resolução N.º 1565/XII/4.ª

Valorização e reconhecimento efetivo do papel da rede de Ensino Superior Público em Portugal

Valorização e reconhecimento efetivo do papel da rede de Ensino Superior Público em Portugal

O atual contexto do Ensino Superior Público é um dos mais dramáticos desde a Revolução de Abril. Fruto de políticas concertadas de desinvestimento dos sucessivos governos PS, PSD e CDS e do incumprimento das leis de financiamento do Ensino Superior da sua autoria, muitas das instituições do Ensino Superior Público estão no limiar da rutura financeira.

As instituições encontram-se sem garantia de verbas para pagar salários, para investir no aumento da cobertura e qualidade do ensino ministrado, para as despesas de manutenção do património próprio e de equipamentos indispensáveis ao ensino e investigação.

Os estudantes e as suas famílias estão confrontados, num quadro de profunda limitação da ação social escolar, com um aumento brutal dos custos com o acesso e frequência ao ensino superior que significam a negação do direito à educação, o abandono escolar e situações verdadeiramente dramáticas.

Ao desinvestimento acresce o congelamento da progressão da carreira, o completo bloqueio de novas contratações de docentes e a consequente crescente precarização da carreira, a par da diminuição e envelhecimento do corpo docente e da degradação das condições de ensino e de investigação. Mais se acrescenta que, a política de cortes sucessivos nas bolsas de doutoramento e pós-doc e no financiamento das acções de Investigação e Desenvolvimento de que a última avaliação das unidades de investigação por parte da FCT, é exemplo acabado.

Na verdade, o sistema de Ensino Superior Público (ESP) tem sido fustigado desde há décadas por uma política de subfinanciamento que resulta numa clara limitação das suas potencialidades e impossibilidade de acesso por parte de milhares jovens.

A retórica da “competitividade” e a falácia da “atratividade” tomou posse da política educativa de Ciência e Ensino Superior tendo como pretexto, que o Estado se demita gradualmente das suas funções perante as instituições, e para que sejam essas instituições forçadas a recorrer a captação de receitas próprias que, na esmagadora maioria são resultado da cobrança de propinas.

Ao mesmo tempo, a ausência de uma política estratégica para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, que defina claramente o papel e missão das Universidades, Politécnicos e Laboratórios de Estado, contribui para que essas instituições disputem financiamento e tarefas com prejuízo para todas e para o país.

A constituição de consórcios, num quadro de ausência de legislação que enquadre a sua criação e funcionamento, envolvendo a Norte as Universidades do Porto, Minho e Trás-os-Montes (a que designaram de UNorte.pt) e mais recentemente o anúncio de um outro formalizado no passado abril, envolvendo as Universidades de Aveiro, Coimbra e Beira Interior, é apresentado como resposta ao contexto das grandes dificuldades em que vivem.

Sendo cedo para avaliar quer os propósitos, quer as reais implicações, é desde já certo que não é com iniciativas isoladas e não coordenadas que se poderá levar a bom porto a anunciada reestruturação da rede pública de Ensino Superior que, de vez em quando, emerge no discurso oficial do governo. Tanto mais quanto estas decisões estão a ser tomadas sem o envolvimento da comunidade académica numa matéria de inquestionável importância.

Segundo as declarações públicas dos reitores das universidades envolvidas, trata-se de consórcios que visam maximizar a obtenção de fundos do novo quadro comunitário mediante a apresentação de projetos de maior escala, não só de escala física (universo de alunos, professores, produtividade científica, etc.) como da “escala” da missão de cada instituição, como, por exemplo, a combinação da importância regional da UTAD ou da UBI, como nível científico da UPorto e UAveiro.

Esta combinação “forçada” de universidades com missões tão diferenciadas e uma abrangência territorial tão alargada contraria o ordenamento regional que o governo vem advogando, justificando assim o encerramento de cursos no Politécnico por serem “duplicados” dos cursos existentes na Universidade.

O PCP chama a atenção para o mais que provável agravamento do fosso inerente ao sistema binário Politécnico/Universidade e ao aumento da estigmatização de instituições que deviam ser complementares, e para uma possível estratégia do governo de fusões e encerramento de instituições, departamentos e cursos. Em nome de uma eficiência cujo objetivo é aprofundar a diferenciação orientando o Politécnico para as formações curtas, de profissionalização, até aqui tidas como ensino pós-secundário não superior. Tal opção política não se traduzirá na elevação da cultura científica da população, nem na capacidade dos indivíduos para fazer frente à situação económica e social que o País atravessa.

A rede pública de Ensino Superior deve atentar às necessidades regionais e nacionais e ser dotada dos recursos necessários para que não seja forçada a sobreviver pela via de tarefas que não são matriciais e fundamentais.

A Universidade e o Politécnico devem, pois ter asseguradas as suas capacidades e vitalidade pela via do Orçamento do Estado, deixando a prestação de serviços para o mundo empresarial, público ou privado, e as funções de soberania ou de prestação de serviços na área das “outras atividades de Ciência e Tecnologia” para os laboratórios, principalmente para os laboratórios do Estado. A investigação, a criação e difusão do saber e da tecnologia devem ser cumpridas pela Academia, dotada que seja dos meios para o fazer.

O problema do Ensino Superior Público em Portugal não é a dispersão da rede – aliás, adequada ao território – nem tão pouco a falta de sinergias entre instituições. O principal problema do Ensino Superior Público em Portugal é o seu subfinanciamento e a real incapacidade de consolidar massa crítica estável para a alimentação das necessidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, e da Economia.

O modelo de competição entre instituições e a sua total subordinação aos preceitos mercantilistas do processo de Bolonha é expressão da organização da rede pública de Ensino Superior em função de objetivos de desresponsabilização do Estado nesta função social e a transformação de um direito constitucional num negócio altamente lucrativo para os grupos económicos nacionais e internacionais.

O PCP defende um sistema unitário para o Ensino Superior Público, um modelo de dignidade, qualidade e financiamento iguais para missões diversas, entre instituições ou mesmo entre unidades orgânicas de uma mesma instituição.

Uma política de independência nacional, de aposta na produção e na valorização do trabalho e das suas componentes científicas e técnicas, o que exige uma rede pública de instituições de ensino superior público que responda às necessidades do país, bem como às necessidades de desenvolvimento económico e social. Tal política tem no Ensino Superior Público, quer seja Universitário quer seja Politécnico, um dos eixos centrais.

O PCP, defendendo que a rede de Ensino Superior funcione como uma verdadeira rede e não como um mapa de instituições isoladas em competição constante entre si, reclama a rutura com a política de destruição do Ensino Superior Público e propõe uma verdadeira aposta no conhecimento e na tecnologia como passos necessários para a superação dos problemas estruturais do País.

Assim, nos termos legais e regimentais previstos, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte:

Projeto de Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do art.º 156.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Assegure o carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público, sem prejuízo das diferentes missões do Universitário e Politécnico;

2. Estabeleça um plano estratégico de investimento no Ensino Superior Público que eleve o financiamento público das instituições, assegurando a supressão do pagamento de propinas e as condições materiais e humanas adequadas ao seu funcionamento;
3. Estabeleça um plano de objetivos nacionais de qualificação, discutido e elaborado com todas as instituições e comunidades públicas e comunidades educativas, visando o aumento significativo do número de estudantes no Ensino Superior;

4. Promova um amplo e profundo debate nacional sobre a distribuição social, económica e geográfica das instituições de ensino superior público, privilegiando a rede pública, assegurando que nenhuma instituição pública seja encerrada, salvaguardando características específicas de interioridade e necessidade de coesão territorial;

5. Assegure a salvaguarda de todos os postos de trabalho do pessoal docente, investigadores e pessoal não-docente, independentemente da natureza do vínculo.

6. Reforce a ação social escolar direta, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da ação social indireta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento, transportes e apoio médico de qualidade, e a preços acessíveis.

Assembleia da República, em 26 de junho de 2015

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