Projecto de Resolução N.º 243/XII/1ª

Valorização do trabalho e dos salários

Valorização do trabalho e dos salários

Combate às discriminações salariais, diretas e indiretas

Remonta há muitas décadas, séculos até, a luta das mulheres pela igualdade salarial. Em 1911 é proclamado o Dia Internacional da Mulher baseado em três reivindicações fundamentais: uma delas, o salário igual para trabalho igual.

Em Portugal, em 1976, resultado da luta geral dos trabalhadores, e das mulheres em particular, é consagrado na Constituição da República Portuguesa o direito a salário igual para trabalho igual, elevando esta reivindicação à categoria de direito fundamental, princípio enformador de todo o edifício legislativo e condição de desenvolvimento social.

Para as trabalhadoras, o seu salário deixou de ser o complemento do salário dos homens passando a (dever) ser a retribuição justa pelo seu trabalho. A larga maioria das trabalhadoras ganhou a consciência da importância do seu direito ao trabalho como condição de independência económica, de realização profissional e social. Uma realidade que se exprime nas várias esferas da vida em sociedade em que estas desejam participar de forma mais ativa: no associativismo, na arte, na cultura, no trabalho, na educação.

Entretanto, o nível de qualificação das mulheres aumenta e são hoje elas as que têm os maiores níveis de qualificação profissional.
A casa deixa de ser o centro do seu mundo, como impunha o fascismo e a mentalidade dominante, e as mulheres lutam, no seu quotidiano, para vencer imensos obstáculos e constrangimentos e para exercerem, de facto o seu papel, na vida económica, social, adquire um estatuto social de igualdade – na lei e na vida.

O aumento da participação das mulheres no mundo do trabalho – representando 47,1% da população ativa e 47% do emprego total em Portugal - não tem significado que essa participação tenha a “chancela” da igualdade. Pelo contrário, décadas de política de direita têm vindo a fomentar velhos mecanismos de exploração, de vulnerabilidade, desigualdade e discriminação das mulheres no mundo do trabalho que atingem, de forma particular agravada, as novas gerações de trabalhadoras e em sectores de atividade fortemente feminizados.

A política de direita nas últimas décadas – pela mão de governos PSD, PS e CDS-PP – caracterizaram-se por estarem em contraciclo com a vontade das mulheres em assumirem o seu direito ao trabalho com direitos e com o necessário desenvolvimento do aparelho produtivo nacional para em contrapartida usarem o trabalho das mulheres como mais um instrumento de exploração e de acumulação privada da riqueza à custa da desvalorização do trabalho humano e do desenvolvimento económico e social do País.

O ataque geral e brutal às condições de vida e de trabalho, tem impactos penalizadores na vida dos trabalhadores – na sua atividade profissional, na vida pessoal e familiar – refletindo-se de forma particular na situação das mulheres e nas crianças.

As medidas do Pacto de Agressão da Troika violentam, de uma forma geral, direitos básicos e fundamentais à saúde, educação, trabalho, segurança social, à dignidade do ser humano.

E, no que concerne às mulheres, aquelas que eram desigualdades e discriminações aprofundadas pelas políticas de direita, apresentam-se agora em franco agravamento: degradação da qualidade de vida, empobrecimento e pobreza, desemprego, precariedade, redução da proteção social na saúde e na segurança social.

O atual quadro de recessão económica que emerge das orientações do Pacto de Agressão e o sentido das propostas de alteração da legislação laboral visam a maximização de todos os indicadores que nas últimas décadas marcam a situação de vulnerabilidade, desigualdade e discriminação das mulheres no mundo do trabalho.

Vulnerabilidade expressa no agravamento do desemprego em Portugal e do desemprego feminino: se é verdade que os últimos dados sobre a evolução do emprego e do desemprego no 4º trimestre de 2011 espelham um forte agravamento da situação que hoje se vive no mundo do trabalho, não é menos verdade que quando fazemos essa análise por sexo se verifica que quase sempre a situação das mulheres é bem pior do que a dos homens. A taxa de desemprego que atingiu no 4º trimestre, em sentido restrito, os 14%, essa mesma taxa é para os homens de 13,9% e para as mulheres de 14,1%. Já em sentido lato, a taxa de desemprego neste período atingiu os 20,3%, sendo essa taxa de 21,8% para as mulheres e de 19% para os homens. A taxa de desemprego jovem atingiu os 35,4% no 4º trimestre de 2011: 60 600 são mulheres e 47 400 são homens. Considerando, entretanto os 203 100 mil portugueses considerados inativos disponíveis para trabalhar as mulheres são 57,5%.

Vulnerabilidade e desigualdade expressas no fato das trabalhadoras, principalmente, no sector privado, continuarem a ser discriminadas no emprego, nos salários (e, por consequência, na proteção social na maternidade, na doença e na velhice), na carreira profissional e nos direitos, nomeadamente de maternidade e paternidade, serem a maioria dos desempregados (incluindo no desemprego de longa duração) e são o maior número de trabalhadores com vínculos precários. Acresce que as mulheres são a 73,8% dos trabalhadores a tempo parcial.

Vulnerabilidade expressa (MTSS, Dezembro 2011) na acentuação das discriminações diretas e indiretas e no aumento das desigualdades salariais, com as mulheres a receberam em média, menos 19% da remuneração base mensal dos homens, ou seja, 831,86€ e 1.024,42€, respetivamente.

Vulnerabilidade expressa na percentagem de mulheres que não ganha mais que o Salário Mínimo Nacional - SMN (485€) e que é praticamente o dobro da dos homens, ou seja, mulheres que recebem um salário líquido de 432,00€ (abaixo do limiar da pobreza, que é atualmente, 434,00€): um grande número de trabalhadores, na maioria mulheres, empobrecem diariamente a trabalhar.

Vulnerabilidade expressa na pensão média de velhice das mulheres que é de 304€ (também abaixo do limiar da pobreza) e a dos homens é de 516€, ou seja, a pensão das mulheres corresponde a 58,9% da dos homens e no facto do rendimento social de inserção abranger maioritariamente mulheres (52,4% do total).

Vulnerabilidade expressa na precariedade: 24,5% das trabalhadoras têm vínculo precário (face a uma taxa média de 22,8%), mas a situação agrava-se para as mais jovens, quando 60,9% das jovens dos 15 anos aos 24 anos e 34% dos 25 anos aos 34 anos não têm emprego estável.

A discriminação no emprego e na carreira começa logo pelo facto de grande parte do emprego feminino estar concentrado em setores de atividade baseados em mão-de-obra intensiva, caracterizados pela prática de baixos salários e ocupar predominantemente os níveis de enquadramento mais baixos (entre os não qualificados e os semiqualificados).

As diferenças salariais entre mulheres e homens chegam a superar os 30%, como se pode verificar na indústria transformadora – 32%; no alojamento e restauração – 29%; no comércio por grosso e retalho – 19%; na saúde humana e apoios sociais – 34%; na atividade financeira – 21%; na educação – 24%.

Quanto mais elevada é a qualificação, maior é a discriminação a nível de remunerações, chegando a uma diferença de 26,1% no caso quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de empresas (Quadros de Pessoal 2009).

Um das causas da desvalorização das profissões exercidas pelas mulheres reside no facto de, durante muito tempo, se valorizarem mais as profissões que exigiam força física em detrimento das que exigiam mais perícia e minúcia, ou seja, precisão e repetição. Diziam então que a destreza de mãos era «característica das mulheres». Hoje, com as novas tecnologias, a força física não é relevante, mas os trabalhos de precisão e repetitivos causam graves consequências para a saúde das mulheres trabalhadoras, que nunca foram tidas em conta em matéria de prevenção da saúde e segurança no trabalho.

O patronato recusa-se a alterar esta diferenciação salarial entre mulheres e homens, que apenas beneficia a sua acumulação de lucro, encontrando, a cada passo do aumento da exploração de quem trabalha, novas formas de discriminação, nomeadamente, as discriminações indiretas.

Um homem, afinador de máquinas de costura ganha mais 95,00€ do que uma costureira especializada, que está 8 horas por dia a produzir na mesma fábrica. Uma operadora especializada, na peixaria de uma grande superfície, ganha menos 84,00€ do que oficial de carnes especializado. No sector da cortiça, a escolhedora de rolha ganha menos 46,83€ do que o escolhedor de prancha. Na restauração e bebidas, a copeira aufere menos 35,00€ do que o cafeteiro, apesar daquela, para além da cafetaria, tratar também da loiça. Nas conservas, uma preparadora de conservas ganha menos 68,00€ do que um trabalhador de fabrico, isto num sector que tem 90% de mão-de-obra feminina. Enquanto elas escolhem, amanham, embalam e conservam o peixe, os homens trabalham com os empilhadores.

Estes exemplos são significativos da exploração da mão-de-obra feminina, uma vez que a maioria destas profissões é exercida por mulheres.

Nestes casos, pode parecer que não se adequa a aplicação do princípio de “a trabalho igual, salário igual”, porque se comparam profissões que aparentemente não possuem denominadores comuns. Mas a verdade é que elas fazem parte do mesmo processo produtivo sendo de elementar justiça a aplicação do conceito de «salário igual para trabalho de igual valor». Para a resolução deste problema, os postos de trabalho têm de ser avaliados com base em critérios comuns, considerando as competências, os esforços físicos e psíquicos, as responsabilidades e condições de trabalho, conforme está expresso na legislação em vigor. Ou seja, o que conta são as funções e tarefas e não quem ocupa o posto de trabalho, seja homem ou mulher.

Os números da discriminação salarial mostram que o princípio do salário igual para trabalho de igual valor está longe de ser aplicado. A desvalorização do trabalho qualificado das mulheres é diretamente proporcional ao aumento de lucros do patronato.

Os fenómenos de discriminação e desigualdades, aprofundados com as políticas ditadas pelo Pacto de Agressão e servilmente seguidas pelo Governo PSD/CDS e pelo PS, contrariam a evolução social, o devir e a vontade das mulheres, na sua luta pela igualdade e na sua afirmação na sociedade. Esta realidade põe em causa o direito das mulheres à igualdade, não serve os trabalhadores portugueses, nem o desenvolvimento económico e social do País.

Hoje, elas prolongam os seus estudos, encontrando no mundo do trabalho soluções que exploram e desvalorizam as suas qualificações e competência. Integram o exército de trabalhadores que estão a ser despedidos, que são forçados ao desemprego ou a cair nas malhas da precaridade laboral, nas suas formas cada vez mais diversificadas. Mulheres trabalhadoras que são novas para se reformar e velhas para o mundo do trabalho. Mulheres jovens que trabalhando não vêm reconhecidos quaisquer direitos laborais fundamentais.
Estas políticas negam às mulheres a liberdade de decidir o momento e o número de filhos que desejam ter – instabilidade profissional, aumento do horário de trabalho, a diminuição do salário, o corte no abono de família, a frágil proteção social no domínio do subsídio de maternidade e paternidade, o elevado preço das creches e infantários – não permitem que as famílias tenham as condições objetivas e subjetivas para assegurar o desenvolvimento integral e o superior interesse das crianças.

Porque a verdade é que as recorrentes preocupações políticas em torno da redução do número de crianças por mulher alicerçam-se numa profunda regressão política e ideológica: na sua génese está um caminho, que paulatinamente tem vindo a desresponsabilizar o Estado e as entidades patronais para com a renovação das gerações e para com os direitos de maternidade e paternidade dos trabalhadores, e para com o direito das mulheres serem mães e trabalhadoras sem perda de direitos laborais. Muitos seriam os exemplos que poderiam ser dados do sentido negativo desta evolução: discriminação de acesso de jovens ao primeiro emprego por ser considerar que podem vir a decidir engravidar, discriminações das trabalhadoras na remuneração ou na progressão na profissão, pressão para que não gozem a licença de maternidade na sua totalidade, trabalhadoras precárias sem acesso a direitos de maternidade.

E as mães e pais trabalhadores estão agora confrontados com mais um ataque aos seus direitos laborais, quando o Governo PSD/CDS-PP pretende impor mais trabalho por menos salário com violações constantes e impunes dos direitos de maternidade e paternidade, agravadas num quadro de redução de competências e de falta de meios da ACT e da CITE.

As alterações à legislação laboral pretendem ainda desferir um duro golpe ao papel da contratação coletiva e dos sindicatos, o que representa a tentativa de imposição da arbitrariedade das entidades patronais e do poder do mais forte sobre os direitos dos trabalhadores. É uma ofensiva que a não ser obstaculizada potenciará o agravamento das discriminações específicas das mulheres.
O combate à discriminação das mulheres, designadamente as discriminações salariais – diretas e indiretas – tem na contratação coletiva um instrumento insubstituível. É, na contratação coletiva que, fruto da luta dos trabalhadores, se garantem aumentos salariais e mecanismos de combate eficaz às discriminações. Fazer respeitar o exercício pleno de negociação coletiva no sector privado, no sector empresarial do Estado e na Administração Pública, é condição necessária para desbloquear a contratação coletiva, aprofundar o seu papel na regulamentação das relações de trabalho, e combater as discriminações salariais e promover a igualdade.

Afirma Ruy Belo que enquanto «a nação faz um apelo à mãe/ atenta a gravidade do momento», «a minha terra é uma grande estrada/ que põe a pedra entre o homem e a mulher» e cria uma geração sem direitos, impedindo simultaneamente o exercício dos existentes.
Contrariamente ao que as troikas nacional e estrangeira pretendem impor, um outro rumo é possível em direção à igualdade entre mulheres e homens, no respeito pela longa luta das mulheres e pela sua vontade como mães, trabalhadoras, cidadãs de pleno direito.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que:

1 – Acione os mecanismos necessários visando concretizar o combate às discriminações salariais, diretas e indiretas e dar prioridade à ação inspetiva e punitiva;

2 - Elabore, com urgência, através da ACT e da CITE um Plano Nacional de Combate às Discriminações Salariais, Diretas e Indiretas para o período de 2012 e 2013, a implementar como prioridade de ação inspetiva e punitiva.

2 – Elabore um relatório sobre a situação laboral das mulheres entre 2007 e primeiro trimestre de 2012 tendo em conta os seguintes indicadores:
- o nível salarial em Portugal, entre mulheres e homens, por sector de atividade e categorias profissionais;
- a diferença salarial entre mulheres e homens, tendo em conta as faixas etárias e sectores de atividade;
- as discriminações diretas e indiretas;

3 - Elabore um Relatório anual sobre o nível salarial em Portugal e a diferença salarial entre mulheres e homens, tendo em conta as faixas etárias e setores de atividade a apresentar à Assembleia da República;

4 – Elabore um relatório sobre o volume de despedimentos e encerramento de empresas registado no ano de 2011 e primeiro trimestre de 2012, por sexo, empresa, sector de atividade e distrito;

5 - Elabore um relatório sobre o número de trabalhadores com salários em atraso no ano de 2011 e primeiro trimestre de 2012, por sexo, empresa, sector de atividade e distrito;

6 – Elabore um relatório sobre número de empresas em lay-off, número de trabalhadores, sexo, empresa e sector de atividade no ano de 2011 e primeiro trimestre de 2012;

7 – Apresente, nos termos legais, no prazo devido, o Relatório da CITE sobre igualdade entre mulheres e homens no trabalho, para discussão na Assembleia da República.

Assembleia da República, em 2 de Março de 2012

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