Intervenção de João Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

A urgência é no investimento que reponha as capacidades de meios existentes nas Forças Armadas

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Sr. Presidente, Srs. Deputados.

Sensivelmente 1550 dias depois, aqui voltamos a discutir as opções de investimento em reequipamento para as Forças Armadas. 

1550 dias em que o estado de degradação do equipamento aumentou, tal como se degradaram as condições sócio-profissionais dos militares. 

E não são as proclamadas virtudes da participação externa, nalguns casos acima de outros países que possuem melhores condições de o fazer, que alteram a realidade. 

Dissemos aqui há 1550 dias e repetimos agora que, «Para o PCP, é claro que a prioridade das Forças Armadas é a defesa nacional e não a defesa de outras coisas». Portanto, não se justifica a inversão dessa prioridade, transformando a satisfação de compromissos internacionais no alfa e no ómega das Forças Armadas. Aliás, o que a vida mostra, por muito que neguem e encharquem o espaço mediático, é que quanto maior é a nossa participação externa, maiores debilidades se vão revelando em vários vetores das nossas Forças Armadas. 

Assiste-se a uma desestruturação de qualquer forma lógica de funcionamento. Primeiro aprovam-se os investimentos, depois discute-se a estratégia. Afinal onde está o racional que sustenta tudo isto?  

É neste enquadramento que a Lei de Programação Militar deve definir o nível de prioridade que assume a componente militar da defesa nacional, nomeadamente quanto às suas opções fundamentais. 

Opções estas que devem obedecer às Grandes Opções de Defesa Nacional que não se conhecem. O mundo está a mudar, mas as opções nacionais em matéria de reequipamento e de uma resposta que garanta a salvaguarda de reserva de capacidade estratégica nacional mantém-se como dantes. 

Mas, cuidado. O Quartel-General já não está em Abrantes. 

Assim sendo, importa sublinhar e reafirmar que, para o PCP, a urgência é no investimento que reponha as capacidades de meios existentes a níveis aceitáveis e promova, noutro plano, uma resposta aos problemas sócio-profissionais dos militares que não se situa só nos vencimentos. 

Eu pergunto, e não estou a caricaturar, se um jovem se sente realizado em vir para as Forças Armadas capinar, pintar paredes ou fazer serviços de desinfestação e outros tantos, que podiam ou que até já foram mesmo desempenhadas por pessoal civil. 

Esta é uma realidade que atinge particularmente os militares contratados, os mesmos que o Governo diz querer reter. As carreiras e os conteúdos funcionais precisam de uma decidida mexida. Não se pode andar a falar da geração mais qualificada e depois tudo continuar na mesma!

Está, pois, claro que as nossas discordâncias em relação a alguns programas desta LPM não têm que ver com a necessidade de reequipar as Forças Armadas ou, sequer, com o modelo de financiamento, mas a definição das prioridades relativas. Há opções de equipamentos militares que fazem falta ao País, como os navios patrulha oceânicos, programa que se arrasta na bruma da memória, de tal modo que quando chegar o último já o primeiro não deve estar em condições.
 
Mas outras opções há, como o navio polivalente logístico, cuja natureza é projetar força. A questão que aqui se coloca é: projetar força para onde? E ao serviço de quem? Da NATO? Do exército comum, que está em gestação, na União Europeia? Porque não concentrar essa despesa na aceleração da reposição de capacidades existentes ou então, noutro plano, na resposta que cada vez mais tarda às matérias sócio-profissionais? Aliás, como sublinhámos aquando da aprovação da LPM em vigor, as verbas são demasiado elevadas para umas Forças Armadas que têm um défice crónico, nomeadamente na sustentação e manutenção de equipamentos, como assistimos com navios, aviões ou carros de combate.

Obviamente que as questões da manutenção estão longe de estar suficientemente acauteladas, nomeadamente devido a duvidosos processos de aquisição que não contemplam a respectiva manutenção.

Em relação ao KC 390, independentemente de considerarmos que este modelo se adapta às nossas necessidades e de termos em conta a participação da indústria nacional no projeto, continua a preocupar-nos o facto de apenas Brasil, Portugal e eventualmente a Chequia, manifestarem interesse na aquisição deste avião.

Manifestamos ainda o nosso desacordo face à edificação da capacidade de helicópteros no Exército, recordando que, por um lado, em 2015 foi extinta a Unidade de Avaliação Ligeira do Exército e, por outro, que o que precisamos é de uma Força Conjunta de helicópteros, com uma gestão integrada a todos os níveis, considerando que os orçamentos não são infinitos.

Quero ainda fazer uma consideração sobre o chamado “duplo uso”, e recordar, srª ministra, que não existem Forças Armadas nem forças militares de “duplo uso”. São os recursos materiais que eventualmente podem ser classificados para uso civil e militar.

Para o PCP, não está em causa, como nunca esteve, a necessidade de reequipar as nossas Forças Armadas, conferindo-lhes capacidades para melhorarem o seu desempenho e para cumprirem as missões que constitucionalmente lhes estão consagradas. Há quem fale muito das lições aprendidas, mas esta proposta de LPM não reflecte, na nossa perspectiva, as lições que conduziram as Forças Armadas ao estado em que se encontram. Assim, o Grupo Parlamentar do PCP irá optar pelo voto contra. 

Em relação à Lei de Programação de Infraestruras Militares, consideramos que esta fica aquém da exigência de investimento na urgente criação de melhores condições de habitabilidade, nomeadamente como forma de contribuir para melhorar a capacidade de recrutamento e de retenção nas Forças Armadas. Mas também na melhoria das condições de trabalho nas unidades e estabelecimentos militares. 

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP irá abster-se na votação da próxima sexta-feira.
 

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