Intervenção de Manuel Loff na Assembleia de República

Uma rede pública de creches é a melhor forma de garantir a universalização da gratuitidade

Ver vídeo

''

Por proposta do PCP, a gratuitidade das creches começou em 2020 a ser aplicada às crianças das famílias mais pobres, abrangendo cerca de 30 mil bebés.

Foi em resultado da iniciativa do PCP aprovada pela AR em outubro de 2021, os bebés nascidos depois de 1 de setembro de 2021 têm direito a creche gratuita. É um importante passo num caminho que tem que se fazer mais rapidamente.

É uma proposta que não constava do programa do PS e que só a insistência do PCP impôs. Esta necessidade das crianças e das famílias encontrou sempre por parte do Governo e do PS adiamentos, protelamentos e pretextos para limitar o número de crianças abrangidas. Sendo importante o alargamento previsto, ele é claramente insuficiente, porque não abrange no imediato as crianças de 2 e 3 anos e porque não há vagas suficientes para todos os bebés. Não há nenhuma razão para que o Governo não alargue imediatamente a gratuitidade a todas as crianças que têm vaga em creche.

A situação atual é socialmente insustentável. A resposta de creche está dependente da oferta de instituições do setor social e cooperativo (na sua grande maioria) ou do setor privado, sendo a carência sentida especialmente nas áreas urbanas.

Vejamos uma situação prática:

 

Um bebé nasce no último trimestre do ano de 2022. Os pais fazem inscrições (dentro dos prazos) em várias creches da área de Lisboa, especificamente na área de residência e nas áreas dos respetivos locais de trabalho.

 

No final do primeiro trimestre de 2023 os pais, ansiosos por uma resposta positiva, tentam colocar questões à Segurança Social, porque o processo não é claro. A única resposta obtida em relação à possibilidade de ausência de vaga em creche é a seguinte: consulte o site, instalem a aplicação Creche Feliz.

Instala-se a aplicação. Existe um formulário de formalização de interesse, que é preenchido vezes sem conta, e é respondido que de momento não há vagas, sendo que devem ir consultando a aplicação. E o tempo passa…

Procurando a existência de vagas para outras idades, aparecem vagas em duas creches na área de Lisboa, mas contactando as respetivas creches as mesmas respondem que “não têm vagas.” É a aplicação…

 

A tentativa de obter esclarecimento via telefone para o atendimento da segurança social resulta sempre na seguinte resposta: os assistentes não sabem esclarecer nada sobre o programa Creche Feliz. Os pais perguntam: então, se não é com a Segurança Social, é com quem? Resposta: não sabem… Recomenda-se que se dirijam presencialmente no balcão da segurança social da área de residência, ele não existe na área, vai-se ao balcão da Segurança Social na Loja do Cidadão. Aí diz-se-lhes que a informação de que necessitam é dada pela junta de freguesia, pois é aí que tratam dos assuntos relacionados com as creches.

 

Contacta-se a junta, pais são encaminhados para a assistente social que diz que a Junta de Freguesia não tem qualquer interferência no programa Creche Feliz. Se quiser, voltem a tentar para o ano…

 

Alternativa é contactar colégios privados com berçário, que são pouquíssimos, cobram uma média de 500€ logo na inscrição, e, naturalmente, também já não vão ter vagas.

É urgente a criação de uma rede pública que permita, assegurar pelo menos 100 mil vagas que se estima estarem em falta, cumpre o objetivo de assegurar a universalidade da resposta de creche em Portugal, a cobertura de todo o território nacional e a garantia de condições de igualdade a todas as crianças no acesso a uma resposta de qualidade nesse âmbito, independentemente das suas condições socioeconómicas.

A gratuitidade da creche assume particular relevância na vida das famílias e constitui um estímulo à natalidade. É uma medida com um impacto muito positivo, uma vez que permite a uma família ter a segurança de saber que, tomando a decisão de ter um filho, tem assegurada a resposta de creche e que a mesma é gratuita.

Portugal tem um grave défice demográfico, que tem vindo a agravar-se nos últimos anos. Todos os estudos demonstram que as pessoas em idade fértil querem ter mais filhos. Se muitos jovens emigrantes portugueses que procuram fora do nosso país as condições de vida que não encontram em Portugal têm filhos nos países para onde emigram, facilmente se percebe que as razões que presidem à decisão de não ter filhos ou de adiar essa decisão está naturalmente correlacionada com uma realidade que, em Portugal se caracteriza pela precariedade, o desemprego, o custo incomportável da habitação, a falta de condições de trabalho dignas, os horários desregulados, a falta de tempo para viver.

“Modelo histórico” baseado na oferta das IPSS. Sra. Ministra, é como se regressássemos há 120 anos atrás e um ministro da Instrução Pública da Monarquia a dizer-nos aqui que o “modelo histórico” da oferta de Ensino Secundário era assegurado por colégios privados e religiosos pelo que cabia ao Estado financiá-los e não se preocupar com a criação de uma rede pública de ensino. Mas, afinal, sra. Ministra, em que século é que estamos?!

O PCP defende que a implementação de uma rede pública de creches é a melhor forma de garantir a universalização da gratuitidade e do alargamento das vagas necessárias à nossa população, e representa o cumprimento de uma função social do Estado cuja gestão e funcionamento deve chamar a si, permitindo criar as condições e alterar os critérios de admissão e colocação das crianças nos equipamentos de apoio à infância em verdadeira articulação com as necessidades das famílias. Os sres e as sras conhecem-nos: não vamos desistir até que estes direitos sejam concretizados.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Intervenções