Projecto de Resolução N.º 349/XII-1ª

Um programa de emergência para a construção civil e obras públicas

Um programa de emergência para a construção civil e obras públicas

1.UMA SITUAÇÃO DE EXTREMA GRAVIDADE

O sector da construção civil e obras públicas atravessa uma situação gravíssima. Uma reduzidíssima carteira de encomendas no mercado nacional e o corte brutal do investimento público com a suspensão ou indefinição de inúmeros projetos de obras públicas, elevadas dívidas ao sector financeiro e significativos pagamentos vencidos e não cumpridos pelo Estado (Administração Central e Local), a impossibilidade prática de acesso ao crédito junto do sistema bancário, são elementos que convergem para um desastre económico e social de grandes proporções.

O PCP desencadeou durante os últimos meses um conjunto de audições junto das principais associações empresariais e sindicais do sector. Após o que requeremos também, a sua audição em sede da Comissão Parlamentar da Economia e Obras Públicas. O resultado das informações e opiniões expressas, não só consolidaram inteiramente a enorme dimensão e gravidade do problema, como evidenciaram a paralisia e ausência de qualquer perspetiva de resposta eficaz do Governo. E pior mesmo, a intenção de se prosseguir com o conjunto de políticas que estão a arrastar o sector para o desastre.

O Governo PSD/CDS-PP (concretizando o Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS/PP subscreveram com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional) é responsável pelo acentuar da queda abrupta do investimento e pela suspensão/indefinição de muitos projetos. Governo que começou por estabelecer uma estrutura orgânica, em que a fusão absurda de ministérios, eliminando o habitual Ministério das Obras Públicas, retirou centralidade e capacidade à intervenção do Estado relativamente a um sector responsável em 2011 por 6% do PIB, ocupando diretamente cerca de 62 mil empresas e 447 mil postos de trabalho. E depois, e até hoje, mais não fez, que declarações solenes de preocupações e o anúncio de medidas que ou são manifestamente insuficientes e incapazes de responder á gravidade do problema (como é o exemplo do Programa JESSICA) ou continuam inoperacionais, caso do tão propagandeado Programa REVITALIZAR!

2.A SITUAÇÃO É O RESULTADO DIRECTO DA POLÍTICA DE DIREITA NA HABITAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS DE SUCESSIVOS GOVERNOS

A situação vivida pelo sector da construção civil e obras públicas, no quadro da crise económica e financeira iniciada em 2008, e que brutalmente atinge o País, é o resultado de um processo cumulativo que agora atinge uma fase aguda. Nela convergem a ausência de adequada planificação das políticas públicas, a brutal quebra do investimento, nomeadamente público, e sobretudo o desenvolvimento desequilibrado e o monstruoso empolamento do sector habitacional e de escritórios, subordinado inteiramente à lógica da especulação imobiliária, financeira e bolsista e aos grandes negócios das PPP – parcerias público-privadas no subsector das obras públicas.

A presente situação de rutura e crise do sector, embora com problemas diferenciados e diversificados em função da dimensão das empresas, tem a sua origem simultaneamente na quebra abissal do mercado de construção de edifícios iniciada há alguns anos, particularmente para habitação, bem como na sistemática e persistente quebra do investimento em obras públicas, particularmente no último decénio, por parte do Estado central, regional e local.

Em dez anos, a produção do sector teve uma quebra de 41 %, com 59 % no segmento residencial, 20 % nas obras públicas e 18 % nos edifícios não residenciais.

O resultado conjugado destas tendências, traduz-se no ritmo alucinante de encerramento de empresas, particularmente micro e pequenas, mas não só, fenómeno que inevitavelmente arrastou e arrasta consigo elevadíssimos níveis de desemprego, e agora também de salários em atraso.

Nos últimos dois anos encerraram mais de 6500 empresas, a que correspondeu uma perda de 246 mil postos de trabalho. Prevê-se ainda a perda de mais 100 mil postos de trabalho no decorrer deste ano. Nos últimos tempos, a taxa de mortalidade empresarial foi de 14 empresas por dia, a que corresponderam mais de 270 postos de trabalho por dia.

Num processo em cadeia, a crise está também a levar a dificuldades e mesmo ao encerramento de muitas empresas a montante, produtoras e fornecedoras (industriais e comerciais) de fatores de produção diversos. A que se devem acrescentar, as consequências desastrosas em pequenas economias locais e regionais, onde grandes obras públicas estão com baixos ritmos de execução, ou mesmo paralisadas, decorrente da suspensão ou atraso de pagamentos a subempreiteiros e trabalhadores. Por outro lado, o desemprego do sector pressiona o mercado e a desvalorização da força de trabalho, restringe ainda mais o poder de compra, e está a acionar uma enorme vaga de emigração.

A manterem-se os atuais paradigmas das políticas económicas e financeiras, sob a orientação e comando das políticas do Pacto de Agressão e das Troikas, sem medidas de política ajustadas à gravidade da situação, as perspetivas de relançamento económico das empresas do sector são nulas, e o desastre anunciado, pode acontecer.

3.UM MERCADO HABITACIONAL “SATURADO” E A POLÍTICA “ZERO NO INVESTIMENTO PÚBLICO”

Na componente de construção de edifícios, o mercado está saturado de edifícios para habitação - vagos e por vender quase 750 mil – pelo que não é por aqui que a reanimação económica poderá passar. É certa a impossibilidade de um regresso indesejável aos níveis perversos de construção de habitação, ocorridos particularmente entre 1995 e 2005.Pelo que somente a reabilitação urbana, e a construção de edifícios industriais, no quadro de uma política de dinamização da indústria transformadora, a par do lançamento/conclusão de equipamentos públicos necessários à melhoria das condições de vida das populações, poderão contribuir para inverter a atual situação.

Na vertente de obras públicas, sejam de grande, média ou pequena dimensão, neste momento, estão suspensos, de facto, cerca de 11,4 mil milhões de investimento em obras públicas, que estavam previstos para o período 2011-2015. É pois urgente para o sector e para o país que o Estado português, rompendo com o espartilho imposto pelo Pacto de Agressão, inverta completamente a sua política de investimentos. E que numa rápida reavaliação e estabelecimento de prioridades, o que já deveria ter sido efetuado, desbloqueie um conjunto de pequenos e médios projetos com significativo impacte na viabilidade de muitas empresas e no emprego do sector. O que significa, ultrapassar os condicionalismos e limitações orçamentais e financeiras existentes, mesmo, se com bom senso e de forma adequada, às dificuldades económicas que o País atravessa.

Mas porque estas alterações no plano económico, mesmo havendo vontade política para as decidir, planear e concretizar, levam o seu tempo, é urgente, pelo menos para estancar os fenómenos de erosão das tesourarias das empresas, de insolvências, de falências em cadeia e de desemprego no sector, se atue urgentemente na componente financeira, atenuando, ou mesmo nalguns casos resolvendo, os assustadores problemas de tesouraria de muitas empresas.

E, desde logo, por via do pagamento das dívidas do Estado às empresas do sector, salvaguardando particularmente as mais vulneráveis, ou seja, as micro, pequenas e médias. Neste momento, tais dívidas ascendem a 1350 milhões de euros, 903 dos quais das autarquias e os restantes 450 milhões de euros da Administração Central.

Trata-se de um valor muito significativo para as empresas, e que uma política patriótica e de desenvolvimento na gestão dos fundos monetários disponíveis no curto prazo, permitirá seguramente afetar, de forma planeada, ao pagamento dos valores em dívida às empresas de construção e obras públicas.

O saldar destas dívidas, mesmo que não na sua totalidade, criaria imediatamente enormes e positivos efeitos sobre a saúde financeira de muitas empresas, que passariam a ter condições para pagar aos seus fornecedores e trabalhadores, ajudando também, num processo em cascata, à melhoria da sua viabilização económica, pois são conhecidos casos de inúmeras empresas, com carteiras de encomendas significativas, que as não conseguem concretizar por falta de fundos próprios, dado que são credoras de enormes verbas junto do Estado.

Há por outro lado, que rapidamente proceder á estabilização das relações entre o sector e o sistema financeiro. Avançando com medidas que permitam em condições compatíveis com as atuais dificuldades das empresas a regularização do acesso ao crédito, onde a CGD deve assumir uma posição de referência capaz – pela sua própria intervenção - de induzir comportamentos similares no sector bancário privado. Travando atuações do sector bancário, em curso no mercado imobiliário, com vendas abaixo dos custos.

O Governo deve ainda avaliar e reconsiderar, no atual quadro de dificuldades, a regulamentação das exigências financeiras, fiscais e administrativas que enquadram a atividade da construção civil e obras públicas – caso do regime de garantias bancárias. Com a salvaguarda devida dos interesses do Estado, dos cidadãos e dos trabalhadores do sector, é necessário facilitar a liquidez da tesouraria das empresas e remover obstáculos burocráticos á rápida operacionalização da aprovação e licenciamento de projetos.

Impõe-se ainda que se concretize uma rápida intervenção que liberte os fundos estruturais do QREN. Tal opção, cuja justificação se sublinha ainda mais, num quadro em que o país está mergulhado numa recessão económica profunda, representaria em muitos casos uma alavanca à atividade económica no sector da Construção Civil, a par da resolução de problemas e da resposta às necessidades das populações.
O sector da construção civil e obras públicas encontra-se à beira do colapso. A sua importância, pelo peso no PIB e no emprego, pela transversalidade dos seus impactos e articulações a montante e a jusante, implica riscos de efeitos devastadores no conjunto da economia nacional. O que exige o rápido delineamento de uma estratégia e a tomada de medidas de emergência visando primeiro travar a sua desagregação e depois reorganizar, reconstruir e consolidar uma estrutura produtiva, com a defesa dos postos de trabalho e a salvaguarda das suas micro, pequenas e médias empresas.

Ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República os Deputados abaixo- assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que concretize um Programa de Emergência para travar o colapso e reanimar o sector de construção civil e obras públicas, conforme as seguintes orientações e medidas:

1.
(i) A criação de um Grupo de Trabalho ou Comissão específica no seio do Ministério da Economia e do Emprego, dotado de recursos humanos e de experiência e capacidade técnica adequada, que em articulação com as associações empresariais e sindicais, ordens profissionais de engenharia e arquitetura, municípios e outras entidades públicas e privadas, proceda a uma rápida avaliação de todos os problemas e estrangulamentos do sector e delineie o conjunto de medidas necessárias para a redinamização do sector, com salvaguarda de empresas e postos de trabalho.

O Grupo de Trabalho deverá funcionar simultaneamente e no futuro como observatório da evolução do sector, ajudando e aconselhando o Governo a desenvolver a sua intervenção e a definir políticas.

(ii) A reconstituição com brevidade do Conselho Superior de Obras Públicas.
2. O desencadeamento com urgência das seguintes medidas de resposta à conjuntura que o sector atravessa:

(i) Mobilização dos meios financeiros necessários para assumpção dos compromissos e pagamento das dívidas da Administração Central, Regional e Local às empresas do sector de construção civil e obras públicas, que deve estar realizado ao nível dos 50% no prazo máximo de três meses, com escalonamento das prioridades para as micro, pequenas e médias empresas, e assegurando que os pagamentos aos grandes consórcios e empresas flui até às empresas subcontratadas;

(ii) Uma sólida recapitalização da CGD, nomeadamente através das verbas do empréstimo externo afecto à banca privada – cerca de 12 mil milhões de euros - que assegure a fluidez do crédito necessário, em condições de prazos, juros, spreads, e garantias, que permitam a sobrevivência de todas as empresas viáveis, dotadas de equipamentos e meios tecnológicos, solidez de direção, recursos humanos adequados, com o estabelecimento de plafonds para as micro, pequenas e médias empresas e como critério prioritário a salvaguarda de postos de trabalho;

(iii) Mobilização de meios do QREN, através de reprogramação adequada e de outros meios financeiros públicos, visando acelerar obras públicas em curso e desencadear outro conjunto de obras de proximidade, diretamente pela Administração central ou pelos municípios, que representando evidentes necessidades económicas e sociais e efeitos multiplicadores relevantes, em condições de exequibilidade financeira. No quadro desta recomendação, criar as medidas necessárias:

- para concluir ou iniciar obras paralisadas ou não iniciadas, mas com projetos e financiamentos aprovados de requalificação de escolas, com respostas rápidas e diversificadas, à necessária extinção da Empresa Parque Escolar;

- no desenvolvimento de um eficiente e operacional programa de apoio à requalificação e regeneração urbana, em estreita articulação com os municípios, e sob a correspondente tutela e gestão públicas;
- no lançamento de projetos e obras de pequena e média dimensão na requalificação e construção de equipamentos e instalações para os cuidados primários de saúde e outros serviços públicos de proximidade, ao nível de rede viária secundária, saneamento e abastecimento de água, construção de galeria técnicas em cidades de média e grande dimensão, etc.;

- na concretização e desenvolvimento de um programa de requalificação da rede rodoviária nacional, retomando obras que foram entretanto interrompidas e lançando outras que melhorem o quadro geral de acessibilidades, diminuam os riscos de sinistralidade rodoviária e combatam o isolamento das populações;

(iv) Uma rápida clarificação e definição de um conjunto de projetos e obras de grande dimensão e investimento, nomeadamente AVF, NAL, TTT, Barragens, etc., suportada pela procura de um significativo consenso técnico, político e social, estabeleça a calendarização adequada e proceda à sua reconfiguração como empreendimentos sob tutela e gestão pública, independentemente da continuação e desenvolvimento da subcontratação de empresas privadas.

3. A consolidação de uma visão e política estratégica do sector, que permita compatibilizar:

(i) a necessidade de novos equipamentos e infraestruturas e a realização em contínuo de obras de requalificação, manutenção e conservação, sob a tutela, iniciativa e gestão públicas, a reorganização e reestruturação de um sector empresarial diversificado e possivelmente sobredimensionado e recursos escassos do Estado Português;

(ii) a necessidade de desenvolver uma política habitacional, que no quadro de um urgente saneamento de um mercado com excesso de oferta, a par da iniciativa privada, incentive e promova a iniciativa cooperativa e social (municípios e administração central) para garantir o direito constitucional à habitação, própria ou por arrendamento, combatendo quadros legislativos do arrendamento favoráveis aos grandes promotores imobiliários;
(iii) a necessidade de uma política em diversas vertentes – empresarial, créditos, fundiária, etc. – que salvaguarde e estabilize as micro, pequenas e médias empresas, pondo-as salvo da especulação imobiliária e financeira, e das imposições das grandes empresas e consórcios do sector, nomeadamente por forte regulação da subcontratação e do acesso aos contratos e encomendas públicas.

Assembleia da República, em 30 de Maio de 2012

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