Um forte ataque ao Ensino Superior Público

Quando a Assembleia da Republica se prepara para votar o projecto do PCP para criar o subsidio de desemprego para os professores do Ensino Superior, procurando assim colmatar uma reconhecida inconstitucionalidade por omissão, que previsivelmente a actual maioria PS se prepara para recusar, o PCP vem denunciar o mais forte, vasto e demolidor ataque ao nosso sistema de Ensino Superior Público que este governo prepara, numa atitude irresponsável e verdadeiramente lesiva dos interesses nacionais.

Depois de dois anos de falsas promessas do Ministro Mariano Gago de rever os estatutos das carreiras docente universitária e politécnica e das Leis de Autonomia, o governo está a aprofundar a  ofensiva de carácter neoliberal contra o nosso sistema de Ensino Superior Público como anunciou, em Dezembro, na Assembleia da República.

Os relatórios da ENQA (European Network for Quality Assurance in Higher Education) e da OCDE e as suas recomendações que agora surgem  como suporte supostamente «técnico» para legitimar opções de política educativa nacional, reflectem tão-somente as orientações governamentais já parcialmente anunciadas - essas opções encontram-se no seu programa e sobretudo na Lei do Orçamento do Estado para 2007, onde se anuncia a revisão do financiamento público das instituições de ensino superior, das leis da autonomia e gestão de universidades e dos politécnicos, bem como dos estatutos da carreira docente.

No modelo jurídico e organizativo proposto pelos relatores nomeados pela OCDE, as Instituições portuguesas de Ensino Superior públicas ficariam sob o regime jurídico  das Fundações cujos detentores passariam a ser organismos públicos e privados de natureza não lucrativa e empresas, o que levaria a que as Universidades e os Politécnicos deixassem de ser instituições do Estado, ainda que financiadas parcialmente por este, alterando-se radicalmente a sua natureza, independência e o seu enquadramento na sociedade.

Mas, quer neste modelo quer nos outros que têm sido considerados nos círculos governamentais, como Entidades Publicas Empresariais (EPE) ou Sociedades Anónimas (SA), o objectivo comum dominante é o de:
    retirar autonomia às instituições e colocá-las na dependência dos grandes interesses económicos e do Governo;
    reduzir o financiamento público;
    agravar o custo das propinas assim como os restantes custos de frequência;
    tornar precário o vínculo laboral dos seus docentes e investigadores, retirando-lhes compulsivamente o seu regime de exclusividade, generalizando os recibos verdes e os chamados «contratos a 0%» (normalmente atribuídos a bolseiros que, a título gracioso leccionam o que deveria ser leccionado por docentes de carreira); persistir no bloqueamento de vagas e na exclusão da carreira de docentes do politécnico, com mestrado e doutoramento, indefinidamente remetidos para a categoria de equiparados;
    reduzir o peso dos professores e dos estudantes no governo das instituições.

Nestes modelos, o Reitor e os membros executivos das Faculdades e departamentos passariam a ser nomeados numa cadeia hierárquica de cima para baixo, a partir de um conselho dominado pelas referidas entidades detentoras da Universidade ou Politécnico. Os princípios da democraticidade, participação e liberdade académica passariam a ser considerados como secundários e limitativos da “governação”, logo descartáveis.

Tratar-se-ia da aplicação acrítica a Portugal do modelo de algumas universidades norte-americanas, caracterizado pela articulação da oferta universitária e politécnica com as necessidades e estratégias do grande poder económico. Consolidaria em definitivo a concepção de que o ensino superior, em vez de ser considerado um serviço de utilidade pública, elemento estratégico para o desenvolvimento do país, passe à qualidade de um serviço disponível a quem possa pagá-lo, na perspectiva de elevada rentabilidade do investimento pessoal ou familiar numa formação superior para benefício individual. Assim se retirariam do ensino superior largos milhares de jovens cujos rendimentos não suportariam este brutal acréscimo de despesa. A eventual concessão de bolsas (na modalidade bolsa-empréstimo, a reembolsar após a entrada na vida activa) resultaria no diferimento dos encargos no tempo e constitui mais um negócio para as entidades financeiras que, certamente, não deixariam «escapar» esta oportunidade para ver aumentados os seus lucros.

Não seria a reforma modernizadora, com suporte democrático e científico que o nosso pais precisa, mas sim a mercantilização do ensino superior e uma verdadeira contra-reforma, atentatória dos interesses nacionais e subversiva das relações entre as Instituições do Ensino Superior com as  outras estruturas da nossa sociedade democrática. Constituiria um real retrocesso no projecto de qualificação dos portugueses, de modernização da economia, da construção de um Portugal democrático.

O modelo desta reforma do Ensino Superior já em marcha, centra a sua atenção quase exclusivamente na formação de profissionais e quadros técnicos para o mercado laboral e de investigação cientifica e desenvolvimento com aplicação directa, logo de banda estreita, desvalorizando a investigação fundamental (sem valor imediato para o mercado), a cultura científica multidisciplinar, as humanidades, a arte e as ciências sociais, igualmente necessárias para a elevação e extensão cultural e a capacidade de análise crítica da sociedade.

Aliás, a adopção dos princípios decorrentes da Declaração de Bolonha, sem a devida discussão pública e a adequada preparação das universidades e politécnicos visa, no curto prazo, reduzir drasticamente o financiamento do Estado no sistema Público de Ensino Superior, com impactos negativos tanto ao nível do orçamento familiar pela transferência de custos, como já foi referido e implica no longo prazo  preparar quadros com formação superior de banda estreita, ou seja, menos qualificados para desempenho de tarefas exigentes. Num segundo plano, provoca uma profunda elitização do ensino e investigação ao concentrar num número muito reduzido de instituições nos segundo e terceiro ciclos. Esta via, que só estatisticamente poderá melhorar o quadro nacional, conduz a um maior distanciamento das nossas competências e produtividade em relação aos padrões europeus e mundiais. Estamos perante mais uma operação de cosmética com gravíssimos custos para a sociedade no imediato, no médio e longo prazos.

Outro aspecto do sistema proposto é a possibilidade de privatização encapotada por via das participações financeiras das entidades empresariais nas Fundações que podem ser empresas nacionais ou organismos transnacionais envolvendo até instituições congéneres de outros países. Estaremos perante uma eventual colonização do ensino superior nacional pela agenda internacional da Organização Mundial do Comércio e do Acordo Geral de Comércio e Serviços (GATS), fragilizando e subalternizando assim a ligação das universidades e politécnicos às reais necessidades do país e das regiões onde se inserem, perdendo-se mais este motor do desenvolvimento regional num país em que as assimetrias regionais não param de aumentar. Em regra são estas instituições as que mais dependem do Orçamento do Estado e que mais são penalizadas pela sua redução, posto que a fragilidade e tipologia das economias regionais limitam a viabilidade de acesso a receitas próprias (por exemplo, o OE cobre apenas 70% das despesas de pessoal da Universidade do Algarve e 90% da Universidade dos Açores, não assegurando de todo as restantes despesas de funcionamento).

O Governo sabe que a maior debilidade do sistema de Ensino Superior Público Português reside nos recursos exíguos postos à disposição das Universidades e Politécnicos e na instabilidade das linhas de financiamento tanto para o ensino como para a investigação. Mas finge que ignora este facto e este ano aprofundou de forma intolerável a asfixia financeira das instituições de acordo com o seu plano para o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento. As consequências são a degradação de qualidade cientifica e pedagógica em numerosas áreas de formação, a ameaça de desemprego de milhares de docentes e a exclusão de natureza económica e social no acesso ao Ensino induzida pelo assumido ou implícito rápido aumento das propinas, em particular nos segundos e terceiros ciclos de formação.

As opções para  uma verdadeira reforma do Ensino Superior português deveriam ser outras, assentes num esforço de capacitação organizacional, pedagógica e científica das instituições, de renovação e investimento nas condições de trabalho que fosse ao encontro das necessidades e desenvolvimento da sociedade, e não as que o Governo pretende impor, como está patente na perplexidade de muitos professores, estudantes e funcionários e na opinião de muitos responsáveis de instituições que teimam em proporcionar um ensino e formação de qualidade e em fazer investigação com relevância para o País e a nível internacional.

O PCP e os seus militantes lutarão contra esta opção politicamente errada, contra este desvario neoliberal e anti-nacional que vai desaproveitando e destruindo potencialidades e recursos do sistema educativo português, como já antes aconteceu com vários sectores do aparelho produtivo, em prejuízo do acesso dos cidadãos à cultura e ao conhecimento e ao exercício de trabalho criativo, e estamos certos de que seremos, nesta luta, acompanhados pelos portugueses democratas e progressistas.

  • Educação e Ciência
  • Central