Um crime continuado

Para não ir mais atrás, há cerca de 34 anos que se assiste a um crime premeditado e continuado contra os interesses fundamentais do país e do povo português, e que se traduz numa política que, ao serviço do grande capital e voluntariamente submetida a ditames injustos e errados da política de integração europeia, conduziu em geral a assinaláveis quebras na produção nacional, seja na indústria, seja na agricultura, seja nas pescas, ao desmantelamento e liquidação de importantes sectores industriais, à sempre crescente substituição da produção nacional por importações, a um descarado desprezo pelos problemas da economia real em favor dos sectores financeiros e das actividades especulativas, ao desperdício de vultuosos recursos finan-ceiros de origem comunitária, em termos de criação e reforço de uma base produtiva qualificada e competitiva.

A adesão à CEE acelerou a destruição da produção nacional

Uma parte importante das contrapartidas nacionais à entrada na CEE foi a liquidação de importantes sectores produtivos.

Portugal é hoje um país mais dependente e menos soberano.

Os quadros e os dados que se seguem nesta exposição mostram, de forma clara, inequívoca e arrasadora, a extensão, gravidade e profun-didade desta política de abandono e desprezo pela produção nacional. Mas devem, sobretudo, servir para uma mais larga tomada de consciência de que este velho e arrastado caminho para o desastre e o declínio das actividades produtivas nacionais tem se ser urgentemente travado, e que, numa perspectiva sólida de desenvolvimento econó-mico e progresso social, e mesmo a solução dos actuais problemas financeiros, só serão possíveis com uma nova política de apoio, revitalização e modernização do aparelho e do tecido produtivos nacionais, nas mais variadas áreas e sectores.

Há 34 anos...

(...) Para se poderem criar condições para a reanimação económica e o reequilíbrio financeiro é necessário ganhar plena consciência de dois aspectos que exigem medidas de correcção urgentes e globais: o défice da balança de pagamentos e o défice da produção nacional face aos consumos. (...)

Álvaro Cunhal
em A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro (páginas 324/325), 1976

O verdadeiro défice

Uma das maiores debilidades estruturais da economia portuguesa é o défice da balança corrente, isto é, a diferença entre aquilo que importamos e aquilo que exportamos, défice que tem vindo a manter-se ao longo dos anos.

Trata-se de um défice antigo, a que a política de destruição da produção nacional, na indústria, na agricultura, nas pescas e em alguns serviços, como os transportes com o exterior, substituindo a produção nacional por importações, tem vindo criminosamente a agravar-se, como foi o caso da última década.

Contribuindo para o agravamento deste défice, está a crescente presença do capital estrangeiro, com uma brutal exportação de lucros e dividendos, agravando o saldo da rubrica rendimentos da balança corrente.

No que respeita ao défice da balança de mercadorias, a solução é sempre produzir mais, seja na perspectiva da substituição de importações no mercado interno, seja aumentando em simultâneo as exportações.

Dados macro-económicos

Gráficos painel 04

Alguns dos muitos crimes na área industrial

Os exemplos de crimes cometidos contra a economia na área industrial, durante pelo menos 30 anos de política de direita, são múltiplos e diversificados.

A profunda crítica que o PCP faz sobre o desaparecimento e esvazia-mento de um conjunto de indústrias básicas e estratégicas, classifi-cando-as mesmo como crimes contra a economia, não resulta de nenhuma visão passadista da economia, visão que porventura se oporia a novas actividades, sectores e produtos.

E isto por duas ordens de razões:

  • a primeira, é que tais indústrias, já maduras, não são alternativa às indústrias mais modernas – como as associadas às TIC, à aeronáutica e aeroespacial, aos novos materiais, às biotecnologias, ao automóvel, etc. – mas sim, complementares destas, e muitas das vezes constituindo até a base para o seu desenvolvimento;
  • a segunda, é a de que tais indústrias, continuam a existir, porque absolutamente necessárias, nos países mais desenvolvidos e economi-camente mais pujantes da Europa.

Indústria siderúrgica

A indústria siderúrgica constitui uma indústria básica de inestimável importância para o desenvolvimento da nossa economia.

No que respeita à existência de uma indústria siderúrgica integrada, que a maioria dos países mais poderosos da União Europeia mantêm modernizada, a política de direita em Portugal actuou exactamente ao contrário. Um Plano Siderúr-gico Nacional (PSN) que previa a ampliação da siderurgia, foi sendo sucessivamente retardado na sua concretização, importantes equipamentos entretanto já adquiridos, como um novo alto-forno, foram vendidos e estão a funcionar noutros países.

O processo de adesão e integração na CEE contribuiu ainda mais para o enfraquecimento deste sector.

Com a privatização, seguida da entrada de capital estrangeiro – a siderurgia foi sendo sucessivamente esvaziada, perdeu o seu carácter integrado e hoje produz praticamente só varão para construção civil. É, em boa verdade, uma mini siderurgia que torna o país mais dependente.

Um enorme conjunto de produtos siderúrgicos, longos e planos, de que a actividade industrial e a construção e obras públicas necessitam, é hoje importado, constituindo o carril para caminho-de-ferro o exemplo porventura mais gritante.

Indústria naval

Enquanto muitos outros países da Europa a mantiveram e modernizaram, em Portugal, a política de direita reduziu drasticamente a poderosa e moderna indústria de construção e reparação naval. Desde os grandes estaleiros como os da Lisnave (hoje reduzidos aos estaleiros na Mitrena), até a um vasto conjunto de pequenos e médios estaleiros, o processo da sua liquidação foi progressivo.

Trata-se de um crime profundo, pois o transporte naval de mercadorias, bem como as frotas pesqueiras, são essenciais à economia nacional, hoje e no futuro, sobretudo no quadro de uma crescente escassez de combustíveis fósseis que, devido aos baixos consumos de energia do transporte marítimo, ainda o tornam mais central.

Portugal, hoje, não tem capacidade de produzir as frotas de que necessita para reequilibrar a sua balança de transportes externos, nem a capacidade que já teve de exportação na reparação e construção naval, sobretudo nos médios e grandes navios, uma realidade que se pode agravar se for concretizado o objectivo de privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo que o governo quer impor.

Indústrias de fabricação de transportes pesados sobre carris

A política de direita, particularmente na sua etapa de privatiza-ções, conduziu, e está a acelerar, com a perspectiva de privatiza-ção da EMEF, à completa destruição da capacidade nacional de projectar e construir material circulante diverso para os caminhos--de-ferro, metropolitanos, etc., seja na perspectiva do mercado nacional, seja de exportação.

Este enorme crime é tanto mais grave, quanto é imperioso dinamizar todos os modos de transporte sobre carris, de preferência os electricamente accionados, face às questões ener-géticas e ambientais, e à estratégica necessidade de mudança do paradigma do transporte privado e rodoviário, para transporte público colectivo sobre carris.

Indústrias transformadoras a montante da produção energética

A política de direita, particularmente após as privatizações, destruiu praticamente toda a capacidade nacional de projecto e construção de equipamentos mecânicos e electro-mecânicos pesados, para a produção energética, particular-mente para empreendimentos hidroeléctricos, capacidade já madura e desenvolvida durante muitas décadas em Portugal.

As actividades mais modernas, de produção dos compo-nentes (torres, hélice, sistemas de geração, etc.) das unidades de produção de energia eléctrica por via eólica, foram instaladas muito tardiamente no nosso país.

Este crime, é tanto mais grave, quanto o potencial hidroe-léctrico por explorar em Portugal, cerca de 50%, é ainda muito elevado.

Indústria química inorgânica de base

Portugal teve uma significativa indústria química inorgânica de base, indústria que os interesses do grande capital nacional e estrangeiro destruíram, particularmente após o processo de privatizações.

Esta destruição está historicamente associada à privatização e destrui-ção sistemática da Quimigal.

Aquilo que foi o maior complexo industrial da península ibérica, é hoje um terreno onde estão semeadas algumas poucas indústrias ligeiras e actividades de serviços.

Uma das últimas decisões neste sector foi o encerramento, há pouco mais de um ano, da única unidade de produção de amoníaco existente no país.

Indústria petroquímica

A adesão à CEE e a política de privatizações, impediram o avanço dos planos de desenvolvimento das estratégicas indústrias petroquímicas de olefinas e de aromáticos.

É particularmente relevante a não concretização do projecto de petroquímica de olefinas em Sines, face à dimensão das infra-estruturas construídas e da necessi-dade da sua optimização.

Acrescem os perigos e ameaças que, de há vários anos a esta parte, pendem quanto ao futuro da refinaria de Matosinhos.

Metalúrgica de metais básicos

Sendo Portugal um país que possui importantes reservas de minérios de alguns metais básicos – cobre, zinco, tungsténio, estanho, chumbo, etc., etc., a valorização tão elevada quanto possível de tais minérios e das indústrias metalúrgica e transformadora a jusante, deveria constituir um imperativo do desenvolvimento nacional.

Contudo, os interesses do grande capital, particularmente o estrangeiro, a que a política de privatizações entregou a concessão das principais minas nacionais, impediram tais objectivos.

O caso mais grave é o da não concretização da metalúrgica do cobre – onde se inclui a destruição da Companhia Portuguesa do Cobre –, cujo projecto em fase já muito adiantada foi parado no início da década de 80. Esta decisão é tanto mais gravosa quanto praticamente todos os países com reservas de cobre possuem metalurgias, e vários países europeus sem cobre também as possuem.

Uma política que tem como consequência a destruição das pequenas metalúrgicas de metais básicos e nobres (que a destruição da Quimigal acelerou), e que estavam associadas à valorização dos co-produtos resultantes da utilização de pirites na indústria química.

Fabricação de vidro plano

A privatização e desnacionalização do importante sector de produção de vidro plano especial (que não vidraça), sobretudo na perspectiva do abastecimento da indústria automóvel, conduziram ao encerramento da ex-Covina, onde os interesses do capital estrangeiro, colidiram com os interesses nacionais.

Sistema público de I&D/Laboratórios do Estado

No domínio do papel das infra-estruturas públicas e privadas de suporte à investigação e desenvolvimento, designadamente a investigação aplicada – à agricultura, às pescas, à indústria, à energia, etc., etc. – a destruição lenta, mas persistente, dos laboratórios do Estado, até ao arrepio de propostas constantes de estudos internacionais encomendados pelo próprio governo, constituiu mais um importante crime contra o desenvolvimento.

Pescas

Pelas suas condições naturais, pela sua História e cultura, Portugal tem condições excepcionais para a captura e a utilização de pescado e marisco a um alto nível.

A política de reconstituição monopolista, em conjugação com os ditames da Política Comum de Pescas da União Europeia e a subserviên-cia dos governos portugueses, destruíram parte muito relevante da nossa capacidade pesqueira, reduzindo dramaticamente o nível de soberania alimentar.

Gráficos painel 10a

Agricultura

É indiscutível a autêntica catástrofe ocorrida no sector agrícola português: encerramento de milhares de pequenas e médias explora-ções, abandono da produção de alimentos no nosso país, êxodo rural, desertificação humana e económica de vastas zonas do interior.

Portugal e os portugueses necessitam cada vez mais de recorrer ao exterior para se alimentarem, situação que se tem agravado desde a entrada na União Europeia, em 1986.

Evolução do número de Explorações

Nos últimos 30 anos, o número de explorações agrícolas baixou 67%, desapareceram quase 550 mil empresas agrícolas, cerca de 50 explo-rações por dia.

O abandono ocorreu principalmente nas explorações de menor dimensão, nomeada-mente quando nos referimos às explorações com menos de 5 hectares de Superfície Agrícola Utilizada (SAU)

No extremo oposto, a classe de explorações com mais de 50 hectares registou, nos últimos 30 anos, um aumento de 85%.

Evolução da Superfície Agrícola Utilizada (SAU)

A superfície agrícola utilizada decresceu, nos últimos 20 anos, 8%, sendo que a área ocupada pelas pequenas e muito pequenas explorações diminuiu 36%, enquanto que a área ocupada pelas grandes explorações aumentou 22%. Ou seja, um modelo agrícola baseado na concen-tração da terra nos grandes proprietários e na agro-indústria.

Idade dos produtores agrícolas

Está em curso o envelhecimento galopante da população agrícola. Nos últimos anos a percen-tagem de agricultores com mais de 65 anos passou de 29% para 47%, enquanto que abaixo dos 35 anos, passou de 7% para 2%.

Número de Explorações animais

O sector pecuário também não foi excepção. Na generalidade houve decréscimos no número de explorações e no número de cabeças. Os exem-plos mais significativos prendem-se com as pequenas explorações de ovinos e caprinos, em que as explorações com menos de 9 cabeças diminuíram mais de 60%.

Uma acrescida dependência do exterior

Hoje, grande parte daquilo que comemos é importado.

O exemplo da batata é bem representativo do que se passa com a nossa agricultura e com a nossa alimentação. Passámos de uma situação em que produzíamos mais do que consumía-mos para, a partir da década de 90, deixarmos de suprir as nossas necessidades.

Gráficos painel 11
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