Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Travar a desastrosa política energética em curso desde há 30 anos

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Declaração política a propósito da demissão do Secretário de Estado da Energia insurgindo-se contra as políticas energéticas seguidas pelos sucessivos governos
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O Secretário de Estado da Energia foi anteontem «atropelado mortalmente», como membro do Governo PSD/CDS-PP, pelos mais de 1000 milhões de euros de lucros anuais que a EDP arrecada desde 2005. Parece que tinha descoberto que havia «rendas excessivas», lucros excessivos na EDP e outras eletroprodutoras. Ouçam bem, Srs. Deputados do PSD, do CDS-PP e do PS: «rendas excessivas»! O Sr. Secretário de Estado, suportado por estudo de empresas de consulta económica, descobriu que há uma renda excessiva de 49 € em cada ano, paga por cada família portuguesa ao sistema eletroprodutor! Só para a EDP, 27 €, por ano, por família! O Governo — permitam-me este aviso — devia calcular os retroativos que foram cobrados indevidamente aos consumidores nas últimas décadas!
Percebemos agora melhor por que razão a Autoridade da Concorrência e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos consideraram, quando questionadas pelo PCP, nos últimos anos, que não era sua missão ou objeto analisar os lucros excessivos da EDP, da Galp e de outros monopólios, perante a passividade dos Deputados do PSD, do CDS e do PS!
Percebemos agora melhor a «indisposição» de alguns comentadores — recordo um subdiretor de um importante jornal diário — e a oposição destes partidos à chamada dos presidentes executivos dessas empresas à Comissão de Economia para serem ouvidos sobre as razões e origens dos seus «lucros excessivos»!
Mas não há novidade nenhuma na descoberta do Sr. Secretário de Estado, apenas a comprovação e consolidação da denúncia que o PCP há muito vem fazendo sobre a inequívoca ligação entre essas «rendas excessivas» e as tarifas excessivas da eletricidade, do gás natural e dos preços excessivos dos combustíveis, para maior prejuízo do bolso das famílias portuguesas e da tão proclamada competitividade da economia nacional, mas para maior glória dos acionistas privados, nacionais e estrangeiros, de um importante conjunto de empresas estratégicas produtoras de bens e serviços essenciais.
Escrevemos, e afirmámos há um ano, precisamente a 17 de março, no projeto de resolução sobre energia debatido na Assembleia da República: «Os fabulosos lucros apresentados ao longo dos últimos anos pelas principais empresas mostram que há nos resultados obtidos uma desproporção evidente face aos valores médios dos rendimentos do capital em Portugal.
Quer pela exploração das posições monopolistas/oligopolistas com que intervêm no mercado nacional, quer no caso de preços regulados, pelos mecanismos de fixação dos preços e custos do uso das redes de transporte pela entidade reguladora (ERSE), são-lhes proporcionados/garantidos preços que asseguram elevados sobrelucros.»
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Ontem, nos postos de combustíveis de uma dada marca, o gasóleo subiu 2 cêntimos e a gasolina 3 cêntimos, atingindo novamente valores recorde neste início do ano!
Nos últimos 12 meses o litro do gasóleo subiu 5,2%, enquanto a gasolina 95 subiu 7%. Também aqui há «rendas excessivas» resultantes da posição monopolista e colusão tácita de operadores. E também aqui toda a verve inflamada, fortemente inflamada, dos Deputados do PSD e do CDS, na oposição, com declarações políticas, projetos de resolução e chamadas dos ex-Ministros Manuel Pinho e Vieira da Silva à Comissão de Economia, e justamente, «foi chão que deu uvas»! Nem pio! E, no entanto, estamos perante preços de combustíveis a ultrapassar, de longe, os máximos de 2008!
Srs. Deputados do PS, do PSD e do CDS, não era contra os lucros das empresas portuguesas que o PCP se posicionava, era contra os seus «superlucros», como, então, se disse e redisse, agora postos a nu — ironia do destino! — por um ex-Secretário de Estado do vosso Governo. Os «superlucros», as tais rendas excessivas, que engordaram um valor equivalente a 15% do PIB (24 000 milhões de euros), transferidas, segundo Vítor Bento, em duas décadas, do setor de bens transacionáveis para o setor de bens não transacionáveis.
O extraordinário é que um Governo tão rápido, tão urgente e emergente na tomada de medidas para subir o IVA na eletricidade e no gás natural, tão pronto a sacar o subsídio de Natal e o subsídio de férias aos portugueses, a subir as taxas moderadoras, não tenha, em sete meses de funções, conseguido eliminar uma só dessas «rendas excessivas».
Srs. Deputados, a demissão do Secretário de Estado da Energia é o culminar da «impotência» de um Governo, capaz de massacrar, espremer os portugueses até ao último cêntimo, mas incapaz de tirar um só cêntimo aos acionistas da EDP, Iberdrola, Endesa, REN, Galp, PT, Jerónimo Martins, Sonae e setor financeiro.
A demissão do Secretário de Estado deve ser esclarecida pelo Governo, mas mais importante no atual quadro de profunda crise económica e social a que a política de direita levou o País e que o pacto de agressão das troicas, nacional e estrangeira, agravaram e continuam a agravar brutalmente é que sejam assegurados aos portugueses e à economia nacional, nomeadamente às micro, pequenas e médias empresas e aos setores produtivos, preços de energia compatíveis com o seu poder de compra e a defesa da competitividade da economia nacional. Isto só se consegue travando a desastrosa política energética em curso desde há 30 anos e avançando com medidas como as que o PCP apresentou nesta Assembleia, concretamente a fixação dos preços máximos na eletricidade, gás natural e combustíveis, a diversificação do uso de matérias-primas energéticas, nomeadamente a utilização do gás natural comprimido e do gás natural liquefeito, a concretização de uma rede de low cost, a calendarização da eliminação dos custos de interesse económico geral (CIEG), as taxas reduzidas de IVA, nomeadamente para o gás dos pobres — o gás propano e butano —, e a questão-chave, que é a recuperação, pelo Estado, do comando estratégico das principais empresas de energia.
(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
julgo que é uma evidência muito, muito clara que a demissão do Sr. Secretário de Estado tem a ver, inevitavelmente, com a afronta aos interesses dos grandes operadores do setor da energia e, concretamente, dos sistemas eletroprodutores, por tudo aquilo que é conhecido, por tudo aquilo que veio a público, por aquilo que o Governo não esclareceu. E era bom que o Governo esclarecesse, de facto, as razões dessa demissão, porque, por exemplo, tivemos oportunidade de ouvir ontem, durante a manhã, a voz avalizada e autorizada de Luís Filipe Menezes a dizer que foi por fortíssimas divergências com o Governo em matéria de política de energia, mas, depois, à tarde, o Sr. Ministro da Economia, tranquilamente, afirmou a continuidade da política anterior. Isto é, de facto, absolutamente extraordinário!
Não há quaisquer dúvidas de que os grandes operadores, os monopólios do setor da energia — são bastante conhecidos e não são apenas da eletricidade, mas também do gás natural e dos combustíveis — tudo fizeram para que nenhuma das medidas que foram sendo indiciadas pudesse ir para a frente. Lembremo-nos, por exemplo, da chamada «taxa sobre o sistema eletroprodutor», sobre as empresas eletroprodutoras, que, anunciada em agosto, hibernou em pleno agosto e, ainda hoje, apesar do calor deste inverno quente, não tornou a ressuscitar.
(…)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Catarina Martins,
Antes de mais, agradeço as questões que colocou.
Em primeiro lugar, é uma evidência que estes documentos deveriam ser conhecidos da Assembleia, mesmo que não tragam muito de novo a muitos estudos, a muitos pronunciamentos de estudiosos dos problemas da energia em Portugal, que há muito denunciam os lucros excessivos, ou até, diria, a muitas das críticas que os Deputados do PSD e do CDS foram fazendo, ao longo de seis anos, nesta Assembleia da República.
Não estão, certamente, esquecidos dessas intervenções inflamadas, insisto, contra os altos custos da energia, responsáveis por problemas na competitividade da nossa economia?!
Mas percebemos o silêncio do PSD e do CDS nesta matéria.
Primeiro, porque, em matéria de combustíveis, viriam aqui dizer-nos, certamente, aquilo que o Governo tem dito em relação aos problemas que se colocam com os preços dos combustíveis: exatamente as mesmas medidas que, durante anos, os governos do PS anunciaram, ou seja, tabuletas nas autoestradas, mais postos na grande distribuição, etc., constatando até o facto de a subida dos preços da energia e dos combustíveis ser brutal, desproporcionada, relativamente às alterações que os condicionam.
Mais: viriam também aqui repetir-nos, certamente, em relação ao setor elétrico, a extraordinária afirmação de ontem do Secretário de Estado Carlos Moedas, que remeteu as medidas para negociações bilaterais com os operadores, e não unilaterais, porque as unilaterais são as que tomam contra os trabalhadores portugueses, contra os reformados portugueses, contra os utentes do Serviço Nacional de Saúde, pondo em causa contratos há muito fixados pelo Estado português e pondo em causa esse contrato básico de qualquer Estado de direito, que é a própria Constituição da República.
(…)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Hortense Martins,
Julgo que a preocupação com a demissão do Sr. Secretário de Estado da Energia deve ser, sobretudo, uma preocupação com a política que foi sendo desenvolvida ao longo dos últimos anos em matéria de energia e com a política que estaria em desenvolvimento, a qual não conhecemos, apesar de o Sr. Secretário de Estado ter sido suficientemente questionado sobre ela numa audição aqui realizada em dezembro, aliás, por proposta do PCP. Falou-nos que, mais tarde, nos informaria sobre um possível plano energético para o País, mas nada disso veio a lume.
A Sr.ª Deputada lembrou, e muito bem, que o PS subscreveu o Memorando da troica e também as medidas para a energia.
Sr.ª Deputada, a primeira questão que gostaria de referir diz respeito às vossas preocupações com as privatizações da EDP, da REN e da Galp, que ainda acontecerão certamente. Gostaria de lembrar que o grande problema dessas privatizações é precisamente a própria privatização e não tanto as medidas cautelares relativamente à defesa dos interesses estratégicos do País, embora esses interesses sejam defendidos não privatizando. E vocês não só subscreveram um Memorando que prevê a privatização dessas empresas, como já tinham proposto essas privatizações nos anteriores Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, acho muito interessante que o PS descubra agora que havia sobrecustos nos preços da energia, nas tarifas da energia.
Descobriram, e até assinaram no Memorando da troica a confirmação da sua existência.
Mas, Sr.ª Deputada, muitos desses sobrecustos foram invenção de alguns senhores que hoje se sentam na sua bancada!
Por exemplo, a garantia de potência — uma invenção do ex-Secretário de Estado Carlos Zorrinho —, que custa aos consumidores de energia elétrica entre 60 a 70 milhões de euros/ano, foi uma invenção do governo do PS.
E há outras, nomeadamente, a forma como passou a ser feita a atualização dos terrenos das barragens e os incentivos excessivos relativamente às renováveis…
Portanto, é justo, é adequado, que os senhores agora «batam com a mão no peito» penalizando-se por aquilo que vocês próprios fizeram enquanto estiveram no governo, pois são responsáveis, juntamente com o PSD e o CDS, pelos preços excessivos. E, quando digo preços excessivos, não me refiro só aos que estamos a pagar agora, mas os que pagamos há mais de 30 anos neste País pela energia elétrica e pelos combustíveis.
(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Filipe Matias,
Obrigado pelas suas questões.
Poderia retorquir com uma pergunta: o Sr. Secretário de Estado da Energia não estava interessado em governar? Todo o conjunto de medidas sobre as quais ele foi dando indícios não fazia parte de medidas do Governo? É uma questão à qual era preciso que os senhores respondessem.
De facto, precisam de nos esclarecer sobre o seguinte: se há uma continuidade dessa política, por que razão é que uma voz — não é uma voz qualquer, como o senhor sabe, quem o disse, repito, foi Luís Filipe Menezes — disse, ontem, que havia «divergências fortíssimas» entre o Secretário de Estado e os membros do Governo responsáveis pela política de energia?
Sr. Deputado, os «fantasmas» do PCP, hoje, são fáceis de constatar. Hoje, é fácil demonstrar que, de facto, não são «fantasmas», como não eram «fantasmas» as denúncias que fizemos ao longo de anos sobre os lucros excessivos, os superlucros, os lucros do monopólio e oligopólio deste conjunto de operadores do sector da energia!
Não é por acaso que é o Sr. Deputado a questionar-me, depois da declaração política que fiz (penso que o Sr. Deputado não esteve neste Parlamento nas últimas legislaturas). Podiam tê-lo feito os Deputados do PSD ou do CDS que tantas vezes nos acusaram de não querermos que essas empresas tivessem lucros, de que o que gostaríamos era de ver a EDP e a Galp falidas. Esses é que eram os «fantasmas» do PCP!
Hoje, comprova-se que ao longo de anos, particularmente depois dos processos de privatização e de liberalização dos operadores do setor de energia, os portugueses, a economia portuguesa, os setores produtivos e os setores exportadores pagaram tarifas de eletricidade, tarifas de gás natural e preços de combustíveis completamente exagerados, brutais!
Por acaso, o Sr. Deputado sabe qual foi a evolução dos lucros líquidos da Galp, depois de o governo do PSD/CDS, de Durão Barroso e Paulo Portas, ter liberalizado os preços dos combustíveis, em 2004?! Sr. Deputado, desde essa data, os lucros da Galp mais do que quintuplicaram!
Estes é que são os «fantasmas» do PCP! Mas vocês é que deveriam tomar as medidas para pôr fim a este escândalo que tão gravemente penaliza a economia nacional!

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