Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Transpõe a Diretiva 2011/77/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro, relativa ao prazo de proteção do direito de autor e de certos direitos conexos, e altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

(proposta de lei n.º 169/XII/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:
Quero deixar duas primeiras notas sobre a presente proposta de lei. A primeira é que esta proposta de lei não ilude e muito menos apaga a política de destruição, de silenciamento e de asfixia que o Governo tem vindo a impor aos artistas, aos criadores portugueses, beneficiando o mercado do entretenimento e censurando a livre criação.
A segunda é que o Governo, apesar de não apresentar a legislação sobre direitos de autor, com que já se comprometeu várias vezes, nomeadamente a solução para o regime desajustado da cópia privada e a adaptação de regime de entidades de gestão coletiva, apresenta hoje uma proposta de lei que altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, transpondo uma Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que alarga de 50 para 70 anos o prazo de proteção dos direitos não de autor, com diz o título da proposta de lei, mas apenas os direitos conexos de artistas, intérpretes e produtores de fonogramas.
Sobre isto o PCP afirma: as retribuições baseadas na procura de mercado de uma obra serão sempre um mecanismo insuficiente de substituição da justa retribuição do artista pelo seu trabalho, sendo que estão diretamente ligados ao número de vendas em mercado e não à criatividade, à qualidade ou tão-só ao direito de livre criação. Ou seja, os mecanismos de retribuição com base na atual legislação são essencialmente substitutos da retribuição salarial que é devida pelo trabalho dos criadores.
No entanto, e tendo em conta o atual panorama, essa retribuição é efetivamente, na maior parte dos casos, a única forma de subsistência do artista, do criador ou do intérprete.
Ainda assim, o alargamento do prazo de proteção dos direitos conexos em fonogramas de 50 para 70 anos levanta inúmeras questões. A pretexto do tempo de vida do artista, a presente proposta de lei alarga também os direitos do produtor, ou seja, mesmo que o artista intérprete — e todos os grupos parlamentares falaram do tempo de vida do artista e do facto de começar a sua carreira muito novo, mas ninguém falou disto — já não possa, por morte, por exemplo, usufruir das remunerações previstas na proposta, o produtor, esse sim, continuará a deter direitos conexos na obra, impedindo que esta integre o domínio público por mais 20 anos do que atualmente a lei prevê.
Em Portugal, no domínio do fado, por exemplo (apenas no domínio do fado), soçobrariam obras que veriam adiada a sua entrada no domínio público.
Uma outra dúvida é esta: que gestão seria feita do fundo provisional que deterá 20% da receita, como prevê a proposta do Governo? Serão os produtores a gerir a retribuição dos artistas? A lei deverá também determinar o papel das entidades de gestão coletiva de direitos no que toca à gestão destes fundos, o que a Diretiva curiosamente até faz, mas a proposta de lei do Governo não.
Portanto, se, por um lado, é justo assegurar uma retribuição aos artistas intérpretes pela difusão do seu trabalho ao longo da sua vida, já não nos parece justo nem útil que as produtoras da indústria fonográfica possam alargar a titularidade de direitos conexos por mais 20 anos, impedindo que a obra caia no domínio público.
Importa, pois, buscar as soluções que assegurem a proteção do artista intérprete, sem que isso implique necessariamente o prolongamento de direitos conexos de produtores por mais duas décadas. Tal não é, de facto, o que esta proposta de lei faz.

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