Intervenção de Manuel Loff na Assembleia de República, Reunião Plenária

O trabalho noturno e por turnos deve ter um carácter excepcional

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Em 2019, 1 em cada 6 trabalhadores em PT trabalhavam por turnos: eram 835 mil trabalhadores, dos quais mais de 423 mil eram mulheres. Em 2009 esse número era de apenas eram 440 mil os trabalhadores em trabalho por turnos; em dez anos, o número quase duplicou. Por outro lado, quase 11% dos trabalhadores trabalhavam à noite. A este ritmo de crescimento, hoje o número é previsivelmente superior.

São homens e mulheres obrigados a viver em contraciclo. São mães e pais que não estão com os filhos. Que saem de casa com as crianças ainda a dormir; que chegam quando estas já estão a dormir. Que não podem assistir às festas e às atividades escolares e desportivas dos filhos; o turno não deixa. São fins de semana que não há, nem com a família, nem com os amigos. São mães, pais e filhos, namorados que não têm tempo para viver em conjunto. São crianças que crescem privadas do tempo de descanso, de lazer; famílias que se constroem nos intervalos dos turnos.

A investigação médica e da psicologia do trabalho há muito comprova o impacto altamente negativo do trabalho por turnos, e especialmente do noturno, na saúde. Entre as mulheres, o aumento substancial do risco do cancro da mama. Estudos comprovam uma incidência do cancro da mama 50% mais elevada nas mulheres ativas de 30 e os 54 anos que trabalham de noite pelo menos metade do ano, do que nas mulheres da mesma idade trabalhando durante o dia; nas mulheres que trabalharam de noite durante 6 anos, o risco sobe para 70%. O trabalho noturno exige um esforço suplementar; o sono em estado de reativação diurna é um sono mais curto (cerca de 2 ou 3 horas a menos do que o sono de noite) e de uma qualidade menor; o trabalho noturno provoca perturbações de sono, vigílias frequentes. e outras perturbações neuro-psíquicas, irritabilidade, agressividade, esgotamentos, astenia, tendências depressivas.

O princípio e a lei devem, pois, partir da afirmação da excecionalidade do trabalho noturno. Há anos que o PCP vem insistindo nesta Assembleia que é urgente limitar o trabalho noturno e por turnos às situações que sejam, técnica e socialmente justificadas, e uma vez garantidas com todo o rigor as condições de segurança, a proteção da saúde, a garantia de proteção da maternidade e paternidade, infraestruturas e serviços sociais compatíveis com este tipo de horários de trabalho, e que sejam fixados por negociação e contratação coletiva subsídios e compensações adequadas aos trabalhadores abrangidos.

É o que fazemos neste projeto. Começando por clarificar o conceito de trabalho noturno, fixado entre as 20h e as 7h do dia seguinte. Da mesma forma, nos casos de dias de descanso rotativos, importa estabelecer a periodicidade no seu gozo ao sábado e domingo, estabelecer ciclos curtos para a equipa noturna e criar para os trabalhadores noturnos mais um intervalo de descanso, além do já consagrado, no período de especial sonolência. O trabalho noturno e por turnos deve ser obrigatoriamente acompanhado pela realização de exames médicos, com periodicidade de seis meses.

Por outro lado, e considerando todas as evidências científicas sobre o impacto muito negativo do trabalho noturno na saúde e na vida afetivas dos trabalhadores, é absolutamente justo reconhecer o direito a uma antecipação da idade de reforma para o regime de trabalho por turnos. O PCP vem propor que estes trabalhadores tenham direito a uma bonificação no cálculo da pensão de reforma com um acréscimo à taxa global de formação em mais 0,2% por cada ano de trabalho em regime de turnos ou noturno.

Ao abrigo deste projeto, é reconhecido aos trabalhadores o direito a sair do regime de turnos, passando para o horário diurno, após trabalhar 20 anos neste regime, ou simplesmente uma vez atingindo os 55 anos de idade, mas em ambos os casos sem perda do subsídio que usufruiu pelo trabalho noturno à data. Num país como o nosso de salários baixos, com sucessivos governos a manter um modelo económico que esmaga salários e favorece lucros, os trabalhadores não devem ser obrigados a enfrentar o dilema entre a preservação da saúde ou do rendimento.

Ao apresentar este projeto, o PCP cumpre uma das suas missões mais importantes na história portuguesa: a de defender os interesses de quem trabalha, cuja voz tão pouco se ouve nesta Assembleia. Foi o caso da aprovação pela maioria absoluta do PS da chamada Agenda do Trabalho Digno, tão digno – ou melhor, tão pouco digno - que nela se não revogaram todos os instrumentos de desregulação dos horários de trabalho, como os bancos de horas e adaptabilidades, assim como não se limita o recurso ao trabalho por turnos e noturno nem se obriga expressamente ao pagamento e subsídio de turno nem se estabelece um regime de aposentação especifico.

Levamos 160 anos da batalha iniciada pelo movimento operário pela jornada dos 3 oitos: oito horas de trabalho diário, oito para lazer, convívio familiar e cultura, oito para dormir e descansar, base da criação de uma jornada de trabalho que constituiu o marco histórico de uma sociedade mais justa e socialmente saudável. Cá estamos de novo. Não desistimos.
 

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