Intervenção de

Terminal de contentores nas instalações portuárias de Alcântara Sul - Intervenção de Bernardino Soares na AR

 

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, que altera as bases da concessão do direito de exploração, em regime de serviço público, do terminal de contentores nas instalações portuárias de Alcântara Sul, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 287/84, de 23 de Agosto

Sr. Presidente,

Quanto aos projectos de resolução, também tenho um para entregar (projecto de resolução n.º 408/X).

Aliás, o que o Regimento diz é que são entregues durante o debate e, portanto, é isso o que farei. Quanto ao projecto de lei do PSD, ele foi de facto agendado em Conferência de Líderes e, portanto, deve estar em debate em paralelo com as apreciações parlamentares do PSD e do PCP. Não vejo porque não, foi isso o que ficou agendado na Conferência de Líderes. Pelo menos, é essa a memória que tenho desse assunto. Aliás, ficou também agendada a petição relativa a esta matéria, apresentada por um conjunto de cidadãos. Não tenho qualquer notícia sobre isso mas não a vejo na ordem de trabalhos, pelo que pergunto também à Mesa o que é feito dela.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O debate que, hoje, estamos aqui a fazer, a propósito das apreciações parlamentares requeridas pelo PCP (apreciação parlamentar n.º 97/X) e pelo PSD, é mais um exemplo da subordinação do interesse público ao interesse privado, que, tantas vezes, sobretudo por estes dias, e ainda hoje, temos discutido neste Parlamento.

Neste caso, trata-se tão-só de prolongar uma concessão, sem concurso público, por mais 27 anos além do prazo que tinha até agora, ou seja, até 2042.

Esta concessão foi feita no tempo do governo do Bloco Central e iria terminar daqui a uns anos, podendo voltar para a gestão do Estado, como desejaríamos, ou ser posta a concurso, para se seleccionar outro concessionário ou o mesmo, caso viesse a ganhar.

O Governo decidiu que não havia concurso para ninguém e que, onde se lia 2014, passaria a ler-se 2042, como se esta fosse uma decisão que pudesse ser tomada deste modo.

É inaceitável que um Governo tome esta decisão que, pura e simplesmente, tem como único efeito o benefício do interesse privado da concessionária.

Esta situação é tão caricata que até o resgate da concessão, pelo Estado, em caso de interesse público, fica proibido até 2025, isto é, se, por ponderosas razões de interesse público, houver necessidade de cessar a concessão e de esta infra-estrutura voltar para o Estado, há uma proibição de o fazer até 2025.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

O Decreto-Lei que, hoje, estamos a apreciar vem determinar um conjunto de alterações muito significativo ao contrato de concessão - agora prorrogado sem concurso - e, ainda por cima, em termos vagos e genéricos, sem concretizar ou definir muitos dos aspectos que são alterados e remetendo para o novo contrato uma série de questões que deviam estar expressas no próprio Decreto-Lei.

A justificação para esta manobra de favorecimento do interesse privado, porque é disto que estamos a falar, é absolutamente caricata e cai pela base, quando olhamos com atenção para ela. É que o Ministério das Obras Públicas justificou esta decisão com a «saturação iminente» daquele Terminal e com a urgência em aumentar a capacidade de resposta do País à crescente procura do transporte marítimo.

Porém, no mesmo parágrafo do comunicado, o Governo afirma que, e cito, «Já após o anúncio das obras de alargamento, o Porto de Lisboa e a empresa concessionária conseguiram captar para Lisboa, em detrimento dos portos espanhóis, a nova linha regular de contentores (...)». Então, afinal, em que é que ficamos?

Estamos perante uma necessidade urgente de aumentar a capacidade de resposta, perante uma «saturação iminente», mas, depois, afinal, o Governo vangloria-se de se ter conseguido atrair uma nova linha de contentores?!

Em função disto, só há três hipóteses: ou o Terminal não estava, de facto, em «saturação iminente» e podia captar novas linhas, como, aparentemente, aconteceu, ou a nova linha, agora anunciada, é só para entrar em funcionamento em 2014, ou, então, a «saturação iminente» a que o Governo se referia resolveu-se apenas com o anúncio das obras e nem foi preciso fazê-las. Aquela fundamentação é, de facto, uma vergonha, porque demonstra que não havia qualquer saturação, que havia tempo, até 2014, para ponderar em que termos e como seguiria a gestão desta infra-estrutura e que a tal «saturação» foi apenas um pretexto para entregar a concessão, por mais 27 anos, à mesma empresa, sem concurso público, num claro caso de favorecimento do interesse privado, que é o que estamos aqui a discutir.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Somos favoráveis à existência, com boas condições, da actividade económica na cidade de Lisboa; somos favoráveis ao desenvolvimento da actividade portuária em Lisboa, que é muito importante para a economia regional e nacional. Consideramos, porém, que é possível a compatibilização com outros interesses urbanísticos e da cidade, os quais podem conciliar-se com esta importante vertente de uma cidade, que é a sua actividade económica.

Sabemos que havia tempo para pensar, mas aquilo que o Governo quis foi decidir já e favorecer o interesse privado desta concessionária.

O Governo chegou ao ponto de assumir para si o ónus da maioria do investimento a fazer em toda esta reconfiguração da zona: 540 milhões de euros para fazer uma obra que envolve a questão ferroviária e uma série de outros aspectos, que todos os técnicos qualificam como extremamente difícil, senão impossível, dadas as características dos terrenos situados no final do Caneiro de Alcântara, a mais importante bacia hidrográfica da cidade de Lisboa.

Mas, pior: o Governo compromete-se com a concessionária a, caso não consiga fazer as tais obras, cujo investimento recai sobre o Estado, indemnizá-la pela não realização das mesmas, as quais, à partida, já todos sabemos que são inviáveis ou muito difíceis de fazer.

É um escândalo!

É que o Governo está a preparar-se para, além de atribuir esta concessão, pagar ainda uma indemnização daqui a uns anos, por não ter cumprido aquilo a que se comprometeu com a concessionária mas que já sabia que, muito dificilmente, se poderia concretizar.

Hoje mesmo ou nos últimos dias, foi aprovada uma moção, na Câmara Municipal de Lisboa, contra esta situação e exigindo uma avaliação ambiental.

O que queremos dizer, para terminar, sobre esta matéria, é que em todos os sentidos da palavra, estando a falar, como estamos, de actividade portuária, este Decreto-Lei é um «frete» à empresa privada, e é um «frete» que não pode passar em claro nesta Assembleia da República.

(...)

Sr. Presidente,

Sr.ª Secretária de Estado,

A sua intervenção foi muito esclarecedora.

Primeiro: quem é que se lembrou desta forma de fazer o negócio?

Se ouvíssemos só a intervenção do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quando diz que ele era muito bom, muito bom, para o Estado, pensaríamos que deveria ter sido o Estado.

Mas não!

Quem fez a proposta foi a Liscont.

Bem compreendo que tenha sido a Liscont a fazer a proposta!

Segundo: quem avaliou a legalidade?

Escritórios de advogados.

Portanto, alguém contratou escritórios de advogados e foi comprovada a legalidade. Admitamos que há legalidade na não existência de concurso público.

Terceiro: quem é que avaliou que esta proposta defende o interesse público?

Quem?! O BPI!

Em primeiro lugar, gostava de saber se a Sr.ª Secretária de Estado está em condições de nos garantir que o BPI não tem qualquer relação com a empresa e com o grupo que é concessionário deste negócio.

Gostava muito de saber se a Sr.ª Secretária de Estado está em condições de nos garantir isso até ao limite.

Portanto, quem fez a proposta foi a Liscont e quem avaliou o interesse público foi o BPI.

Perante tudo isto, pergunto: então, e o Estado?

O Estado aceitou tudo como pronto a assinar.

A Liscont propôs, porque era muito bom, o BPI avaliou que era muito bom para o interesse público e o Estado pagou.

O Estado vai pagar, até 2042, aquilo que devia ser alvo de concurso ou reverter para a gestão pública.

Mais: a Sr.ª Secretária de Estado sabe bem, sabe muito melhor do que eu, que os investimentos com que o Estado ficou, designadamente toda a reconfiguração que é falada e proposta em relação ao nó ferroviário e ao seu desnivelamento, são extremamente complexos.

A Sr.ª Secretária de Estado sabe, e sabe bem melhor do que eu, que há grandes dúvidas técnicas, mesmo no LNEC, sobre a viabilidade desta situação, sobre a viabilidade do enterramento da linha naquele sítio, que é só o final da maior bacia hidrográfica da cidade de Lisboa.

Portanto, Sr.ª Secretária de Estado, ficou muito por explicar.

A Sr.ª Secretária de Estado também tem de nos explicar qual é o governo responsável que se propõe fazer um investimento de alto risco e, depois, diz ao concessionário que, se não o conseguir fazer, lhe paga!

Explique-me qual é o interesse público desta cláusula contratual.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

No final deste debate, quero referir que o PS disse aqui que este negócio é bom para Lisboa e para o País.

Bem, é tão bom para Lisboa que foi preciso vir o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, dos Açores, defendê-lo!

E com todo o direito!... Tem todo o direito de intervir sobre essa matéria.

E é tão bom para o País que o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, como se sabe, um conhecido especialista em direitos, liberdades e garantias, fez aqui o seu esforço para defender esta matéria.

Acho que da intervenção do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues resultam duas coisas muito claras: a primeira é que o Governo e o PS nunca colocaram a opção da reversão para a gestão pública desta infra-estruturas; a segunda é que, pela lógica do Sr. Deputado, para haver obras tem de haver prorrogamento da concessão, porque não há outra maneira de as haver. Foi a explicação que nos deu aqui.

Termino, Sr. Presidente, dizendo ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues e à Sr.ª Secretária de Estado - e sabe-o muito bem - que fazer obras deste tipo no caneiro de Alcântara é como fazer um parque subterrâneo nas Furnas (talvez este exemplo seja da sua compreensão)... e, portanto, não está tecnicamente provado que isso é possível.

E registo que a Sr.ª Secretária de Estado não garantiu que o BPI não tem nenhuma relação com a empresa concessionária.

Não sabemos se a entidade a quem o Estado delegou a definição do interesse público tem ou não uma relação com a entidade concessionária que vai beneficiar deste negócio.

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