Intervenção de

Taxas moderadoras - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política condenando o novo aumento e o alargamento das taxas moderadoras anunciados pelo Ministro da Saúde

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Já não havia dúvidas, mas o recente anúncio do Ministro da Saúde, de um novo aumento das taxas moderadoras e da sua extensão a novos tipos de cuidados de saúde, comprova o carácter anti-social da política deste Governo.

É mais um passo no sentido de prosseguir os dois objectivos essenciais da política de saúde do Governo do PS: degradar e desqualificar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e diminuir a despesa pública em saúde, transferindo para os utentes parcelas cada vez maiores desta despesa.

Na verdade, a medida que agora é anunciada, em relação ao alargamento (e a novo aumento) das taxas moderadoras, confirma o que desde sempre temos vindo a dizer: as taxas só são moderadoras de nome, pois destinam-se, na prática, a implantar o princípio do co-pagamento das despesas de saúde que, não é preciso ser bruxo para adivinhar, será provavelmente uma das «milagrosas» soluções apontadas pelo estudo encomendado pelo Governo sobre o financiamento do SNS. E tudo isto a juntar ao acréscimo dos gastos com medicamentos e ao recurso à prestação privada, a que, por falta de resposta pública, muitos cidadãos têm de sujeitar-se.

Já é assim agora e mais assim será com a medida agora anunciada de alargamento das taxas moderadoras aos internamentos e cirurgias de ambulatório. Se não fosse tão grave, até poderíamos qualificá-la de ridícula. É porque a dita moderação das taxas passaria agora a incidir sobre matérias que não dependem de forma alguma do cidadão - a não ser que o Governo tenha registado situações de utentes do SNS que se apresentam para internamento ou para cirurgias desnecessárias nos hospitais públicos...!?

Ou então, dado que as decisões em relação à necessidade daqueles cuidados são tomadas pelos profissionais de saúde, talvez a ideia do Governo seja aplicar as taxas aos médicos que decidam da necessidade dos internamentos e das cirurgias. Desta vez, nem os malabarismos demagógicos do Ministro da Saúde conseguirão disfarçar o absurdo da medida!

A questão, contudo, vai mais fundo. É que esta medida, bem como os anteriores aumentos e alargamentos de aplicação, aprofunda a inconstitucionalidade das taxas moderadoras, para além de agravar a sua injustiça. Não há forma de compatibilizar mais um aumento das taxas moderadoras e a sua extensão a novos actos com o carácter tendencialmente gratuito que a Constituição atribui ao Serviço Nacional de Saúde.

De resto, nunca se viu qualquer estudo que comprovasse o efeito de moderação destas taxas - e nunca se viu porque não existe!! Desafiamos, aliás, publicamente e aqui, o Sr. Ministro da Saúde a trazer para a reunião da próxima semana na Comissão Parlamentar de Saúde os estudos que fundamentem esta medida e comprovem a eficácia das taxas moderadoras na tão propalada moderação dos consumos excessivos de cuidados de saúde.

Não há qualquer função moderadora destas taxas mas, sim, uma função de financiamento directo pelas populações. E esse é que é obviamente o objectivo do Governo e do Ministro da Saúde. Do que precisávamos era de uma taxa moderadora aplicada às medidas da política de direita na saúde. Uma tal taxa, aplicada ao Ministro da Saúde, traria fortes receitas para o Orçamento do Estado, embora não seja garantido que em qualquer caso ele moderasse a sua veia neoliberal e privatizadora.

Pela nossa parte, reapresentaremos, em breve, o projecto de lei que propõe a revogação das taxas moderadoras, que de moderadoras nada têm, cumprindo assim o preceito constitucional.

Este Ministro e este Governo dão passos rápidos para a degradação do SNS. Veja-se o que está a acontecer com o encerramento galopante de urgências de centros de saúde, de maternidades e, agora, também nas urgências hospitalares. Segundo os novos critérios apontados pelo Governo, teremos, desde já, o encerramento de 14 urgências hospitalares. Mas a realidade é que o Governo está a dar passos para encerrar ainda mais urgências.

É o caso do Hospital de Torres Vedras, que tem a maternidade em risco de encerrar e que aparentemente estaria fora dos critérios de encerramento da urgência, mas que viu entretanto retirado da sua área de influência todo o concelho de Mafra, o que o coloca fora dos critérios definidos para a manutenção em funcionamento de urgências.

O que isto significa é que o Governo está a preparar o encerramento total de vários hospitais públicos, retirando-lhes gradualmente vários serviços e valências, até os tornar inviáveis. É uma política de redução de unidades que, a continuar, transformará o Serviço Nacional de Saúde num «servicinho nacional de saúde», sem meios e perdendo cada vez mais qualidade.

Claro que esta política corresponde à submissão do inalienável direito à saúde aos critérios economicistas do défice. Mas ela corresponde também às necessidades do sector privado, que tem em construção, ou planeadas, dezenas de hospitais e outras unidades de saúde por todo o País que naturalmente ocuparão o lugar dos serviços públicos e que com certeza aspiram a ser suportados pelo Orçamento do Estado. Em Torres Vedras, é bem conhecida a intenção de instalação de um hospital do Grupo Mello, que certamente não quer ter uma unidade pública com plenas capacidades a funcionar e a limitar-lhe o mercado.

A política do Governo está, de forma cada vez mais descarada, ao serviço da estratégia dos interesses privados - isso nem toda a prosápia demagógica do Ministro da Saúde consegue disfarçar!!

É uma política de que podemos dizer, utilizando velhos jargões do capitalismo neoliberal, que não assegura qualquer liberdade de escolha, uma vez que impede cada vez mais os utentes de recorrerem aos serviços públicos, obrigando a que aqueles que podem tenham de ir aos serviços privados para consultas de especialidade, como pediatria e tantas outras, para muitas análises e para tantos outros serviços de saúde a que o serviço público não dá resposta. Esta política também não garante outro pressuposto que o jargão neoliberal sempre apresenta e que é o da concorrência leal, pois o que está a acontecer é que os interesses do sector privado estão, na prática, a ser assegurados por aquele que devia ser o tutor e o protector dos interesses do sector público.

É uma política que merece uma resposta de protesto geral das populações e dos profissionais de saúde.

É uma política de profunda regressão social, que progressivamente, pela mão do Governo do PS, vai aplicando o velho lema da direita «quem quer saúde, paga-a».

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Zita Seabra,

A primeira alusão que quero fazer é à ideia que apresentou de que o PSD concorda com as taxas moderadoras «porque há utentes que abusam dos serviços de saúde». Não posso deixar de lembrar-lhe que aquilo que, para muitos, é considerado, em termos técnicos, uma falsa urgência é, para o próprio cidadão, uma verdadeira urgência, porque se ele tem o centro de saúde fechado (e cada vez mais tem, porque o Governo os vai encerrando paulatinamente), porque se não tem resposta no seu centro de saúde, só pode ir bater à única porta que está aberta, que é a urgência hospitalar.

E quando a Sr.ª Deputada diz que o PSD concorda com as taxas moderadoras porque elas se destinam a fazer essa tal moderação, também tem de provar onde é que estão os estudos que justificaram essas taxas e onde é que está essa moderação. É porque a verdade é que ela não existe! Em qualquer medida, as taxas moderadoras não moderam, apenas penalizam a população, obrigando-a a financiar directamente a saúde.

O PSD diz agora que também está em desacordo com estas medidas anunciadas. Bom, nós já estamos habituados às «cambalhotas» políticas a que vamos assistindo na vida política nacional, dizendo-se, umas vezes, uma coisa e, passados alguns anos, outra - é o que aplica, neste caso, ao PSD.

O PSD, que, quando estava no governo, aplicou um aumento, entre 30% e 40%, nas taxas moderadoras e alargou para quase o dobro o número dos actos sujeitos a taxas moderadoras (e isto com o apoio do CDS, que não fica de fora), vem agora dizer que está contra este aumento - é de um grande oportunismo político!

Se calhar, o que também era preciso era uma taxa que moderasse o vosso oportunismo político, porque, na realidade, quando chega a hora da verdade, quando estão no governo ou quando têm de discutir a revogação das taxas moderadoras, os senhores estão sempre do mesmo lado: a favor das taxas, a favor do pagamento por parte da população, a favor, afinal, da política que agora o Partido Socialista está a aplicar.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Vasco Franco,

O Sr. Deputado começou por dizer que estava de acordo comigo nas críticas feitas ao PSD. Bom, mas o Sr. Deputado, tal como o PSD, está de acordo com as taxas moderadoras. Isto é, o Sr. Deputado está de acordo com o PSD, tanto como o PSD está de acordo com o seu Governo e com o Sr. Deputado.

Talvez tenha havido aí uma certa confusão sobre com quem é que o Sr. Deputado e a sua bancada estão de acordo em matéria de política de saúde, talvez seja com o PSD e com o CDS, certamente não é com a política que temos vindo a defender.

Queria dizer-lhe que o Sr. Deputado não apresentou qualquer fundamento para a existência de taxas moderadoras. Não apresentou qualquer estudo, qualquer investigação que nos permita concluir sobre o tal efeito moderador que todos os governos que aplicam estas taxas e que as aumentam no consumo de cuidados de saúde dizem existir. Onde é que isso está comprovado, Sr. Deputado?

O Sr. Deputado não sabe que aquilo que os senhores qualificam como abuso de consumo, nessas situações em que, muitas vezes por razões sociais, há a utilização dos serviços de saúde está precisamente na faixa da população que está isenta de taxas moderadoras? E que, portanto, o aumento das taxas moderadoras não tem qualquer efeito nesse estrato social que por vezes utiliza os serviços de saúde quando deveria ter resposta noutro tipo de serviços? E que, portanto, essas taxas são inúteis desse ponto de vista?

Depois, o Sr. Deputado disse, ainda, que é preciso que haja taxas porque a situação financeira da saúde era catastrófica, mas o próprio Sr. Deputado Vasco Franco disse, reafirmou e relembrou que só traz de receita 1% das receitas do Serviço Nacional de Saúde. Então em que é que ficamos? É importante para a saúde financeira do SNS ou é irrisório para a saúde financeira do SNS?

Ó Sr. Deputado Vasco Franco, não tratem os portugueses como estúpidos! Os portugueses sabem muito bem que a saúde custa, sabem-no muito bem porque são eles que com os seus impostos a financiam através do Orçamento do Estado e sabem muito bem porque em Portugal temos um país em que a maior fatia dos cuidados de saúde é directamente paga pelas famílias e pelas populações, mais de 30%!! Portanto, os portugueses sabem muito bem quanto custa a saúde e sabem-no nos medicamentos que o seu Governo tornou mais caros por diminuir a comparticipação para os utentes e sabem-no quando precisam de uma consulta de oftalmologia, de pediatria ou de outra das especialidades carenciadas e têm de ir ao sector privado porque as listas de espera no sector público continuam a aumentar! Sabem-no muito bem os portugueses, não precisam de pedagogia demagógica da parte do Governo do PS, sabem que a saúde custa e que lhes custa muito ao seu bolso e ao seu orçamento.

Registo, finalmente, que o Sr. Deputado não quis falar, porque evidentemente não tinha nenhuma explicação para dar, sobre a questão de como é que as taxas moderadoras se aplicam ao internamento e às cirurgias de ambulatório que manifestamente em nada dependem da decisão do utente que tem direito a estes serviços, mas que dependem, isso sim, da decisão dos técnicos de saúde que determinam que eles devem acontecer. Qual é o objectivo então do Governo? É que as pessoas se recusem a ser operadas e a ser internadas, porque não têm dinheiro para pagar essa taxa moderadora?

Provavelmente, é esse o «efeito moderador» que o Governo do PS pretende com esta medida.

 

 

  • Saúde
  • Assembleia da República
  • Intervenções