Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Apresentação do livro «Dossier TAP: Resistindo às privatizações»

A TAP não precisa que a privatizem, precisa que seja valorizada e gerida para servir os interesses do País

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O livro que hoje aqui apresentamos é, e tal como o próprio nome indica, um contributo do PCP não só para resistir à privatização da TAP, mas também uma clara denúncia da tragédia das privatizações em Portugal.
Uma tragédia sustentada em anos e anos de brutal campanha ideológica visando atingir as empresas públicas, procurando convencer os trabalhadores e o povo português de que aquilo que era seu, construído com o seu esforço e trabalho, deveria ser entregue às mãos do capital. 

Uma campanha baseada naquilo a que podemos identificar como os quatro passos da privatização: primeiro, colocar no poder as forças políticas ao serviço desta opção; segundo, degradar a sua gestão, os serviços e a sua imagem junto da população, um passo importante para levar ao seguinte; terceiro, promessas infindáveis dos espectaculares resultados para a população caso a empresa A ou B fosse privatizada, mais concorrência, sempre menores preços e melhores serviços; e por fim o quarto e último passo, a entrega, a venda ao menor preço possível, sempre a dar a entender que quem compra ainda nos está a fazer um favor.

Seguindo estes passos ou até passando por cima deles, uma a uma, grandes empresas públicas foram sendo privatizadas pela mão, lá está, de Governos do PS, do PSD e CDS. 

Empresas estratégicas e insubstituíveis, responsáveis pelo abastecimento e produção energética, pelas telecomunicações e correios, pelo sector bancário e segurador, pelas autoestradas ou aeroportos, entre tantas outras, foram sendo vendidas ou concessionadas. 

Na maioria dos casos, essas empresas são hoje detidas e controladas a partir de capital estrangeiro e para onde são transferidos os seus lucros.

O País perde as empresas, perde receita, perde centros de decisão e capacidade de responder aos seus próprios problemas. 

É neste enquadramento que se encontra a TAP.

Há mais de 30 anos que a TAP está em processo de privatização. Todo este período é marcado pela campanha mediática em  que a TAP ou é privatizada ou desaparece. Durante todo este tempo a TAP, que contribui de forma impressionante para a riqueza nacional, por duas vezes ia mesmo desaparecendo. Nas duas vezes em que foi privatizada (em 1998 e em 2015), o que salvou a TAP  foi a sua  resistência às privatizações, tal como refere o livro que hoje aqui apresentamos. 

A TAP é um dos maiores exportadores nacionais, com quase três  mil milhões de vendas ao exterior, assegura  mais de doze mil postos de trabalho directos no Grupo TAP e é ainda responsável por, pelo menos, mais dez mil postos de trabalho indirectos. Trata-se de uma empresa que faz entrar anualmente na Segurança Social mais de 100 milhões de euros só da TAP SA, e faz entrar quase outro tanto no Orçamento de Estado via IRS. A TAP garante que o País não esteja dependente de ninguém para assegurar a ligação entre o continente e as regiões autónomas, ou para ligar o País às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Milhões de turistas visitam o País transportados na TAP. A TAP é a principal companhia europeia a voar para a América do Sul e também para vários países africanos. A TAP é uma empresa portuguesa que prestigia o País, e que, além disso, é factor de soberania.

Uma das mais repetidas falcatruas que tem sido propagandeada até à exaustão é a propósito dos 3,2 mil milhões de euros do plano de reestruturação da TAP aquando da pandemia. No fundo, 3,2 mil milhões de euros dos contribuintes que ali foram metidos, supostamente para nada. 

Sabemos que a demagogia e a mentira não conhecem limites, sobretudo quando utilizadas para o assalto aos recursos nacionais. 

Mas a demagogia, tal como a mentira, mais cedo ou mais tarde são confrontadas com a realidade.

Como é hoje amplamente conhecido, todas as companhias aéreas – públicas e privadas – do mundo foram apoiadas aquando da pandemia e sem esses apoios essas companhias aéreas teriam falido. 

Muitas delas foram apoiadas sem a chantagem que a União Europeia impôs à TAP. A UE condicionou esse apoio desde que a empresa reduzisse a sua dimensão e preparasse a privatização.

É tão grave a chantagem da UE como a submissão do Governo a esse propósito, mas não só do Governo, a submissão de todos quantos se empenham neste crime económico.

Em grande medida são os mesmos a quem nunca se ouviu um pio que fosse quando mais de 16 mil milhões de euros públicos foram transformados em cimento para tapar os buracos da corrupção e da especulação na banca privada.

São os mesmos que sabem que uma parte do dinheiro colocado na TAP se destinou a repor os rombos provocados pelo negócio da manutenção no Brasil e pela privatização de 2015, acções por si apoiadas. E mais. Estamos seriamente convencidos que uma parte desse valor, dos tais 3,2 mil milhões de euros, se destina a capitalizar a empresa e facilitar a sua entrega novamente aos privados.     

O grande capital quer a TAP, lá está, não para nos fazer um favor, o grande capital quer a TAP porque ela vale muito.

Vale muito e pode valer ainda mais se for gerida e desenvolvida para servir os interesses do País. 

Com a discussão que amanhã terá lugar na Assembleia da República do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão política da TAP termina um processo que centrou atenções mediáticas e, muito mais importante, permitiu revelar informação que confirmou muitos dos alertas e denúncias que o PCP foi fazendo. 

Esta Comissão Parlamentar de Inquérito podia – e devia – ter ido mais longe, como aliás o PCP propôs desde o primeiro momento. Mas apesar de tudo valeu a pena. 

Apesar de tudo, ficou mais claro que a TAP precisa de uma gestão pública diferente, muito diferente, daquela que tem tido. 

Uma gestão que perceba que uma empresa pública é para satisfazer interesses estratégicos como a coesão territorial, a ligação à diáspora, o desenvolvimento do turismo e de outras actividades económicas, a garantia de ligações aéreas fundamentais, para criar emprego de qualidade, para dar exemplo de transparência. 

Ficou claro que se pretendiam transformar e inserir a CPI à gestão política da TAP num instrumento para a promoção da sua privatização, e até de outras empresas públicas, o tiro saiu pela culatra. 

Com a intervenção centrada no que era e é fundamental, o PCP viu as suas teses mil vezes afirmadas e sempre ignoradas ou desmentidas pelos sucessivos Governos, comprovadas perante os factos revelados. 

Ficou claro, por muito que lhes tenha custado, que os dois processos mais escrutinados na Comissão Parlamentar de Inquérito têm uma origem comum. A indemnização de meio milhão de euros atribuída a Alexandra Reis e da indemnização de 55 milhões de euros atribuída a David Neeleman foram ambas decididas entre gabinetes de advogados, aprovadas pelo Governo, e ambas carecem de qualquer base legal. 

Os responsáveis políticos foram obrigados a reconhecer que não havia base jurídica para essas indemnizações.

E isto remete-nos para um problema mais geral, o dos Tribunais Arbitrais quando uma das partes da contenda é o Estado, que funcionam exactamente assim: encontram-se os representantes das duas  partes e acordam qual o valor que nos caberá a todos pagar. 

A cada ano são centenas de milhões de euros que estão a ser desviados dos cofres do Estado, dos nossos bolsos para os grupos económicos. E isso não pode continuar assim! 

Ficou clara a falta de transparência, o fumo denso que envolveu e envolve os negócios na TAP.

Ficou claro, por muito que lhes custasse, que a TAP foi comprada por David Neeleman com dinheiro da própria TAP.

Ficou claro que tudo isto esteve escondido durante 7 anos dos deputados, do Tribunal de Contas e do povo português, mas houve e há quem o soubesse e o tentasse manter escondido.

Posto isto, é preciso tirar consequências e passar a gerir a TAP como empresa pública que é e não como empresa privada que alguns gostariam que fosse. É preciso que os contratos e as decisões tomadas na TAP sejam públicos e transparentes, em vez da opacidade onde se fazem as negociatas que são pagas pelo povo português. 

E claro, é preciso arrumar de vez com a ideia da sua privatização.

A situação económica geral do País e a própria deterioração da posição de Portugal no contexto dos países da União Europeia resulta das políticas económicas e sociais, inseridas que estão nas opções pela integração comunitária de reconstituição dos grupos económicos monopolistas e destruição do sector empresarial do Estado.  

Tal como já dissemos, se as privatizações fossem sinal de desenvolvimento, Portugal estaria no topo de todos os rankings.

Só que as privatizações, no nosso caso, são sinónimo, isso sim, de declínio e estrangulamento da economia, défices e desequilíbrios produtivos,  perda de recursos públicos e de soberania em sectores e serviços estratégicos. 

As privatizações são, isso sim, um factor de promoção da corrupção. Quanto maior for o poder do grande capital, e o seu  domínio sobre o poder político, maior é a corrupção, e se dúvidas houvesse aí está a realidade como sempre a impor-se.

A verdade é que se é possível escrutinar empresas públicas, é porque são públicas. Ao contrário dos grupos económicos privados e das multinacionais, essas entidades que funcionam num mundo à parte, um mundo de gente que se considera intocável e se julga os donos disto tudo. Não nos surpreende por isso aquilo a que estamos a assistir hoje na Altice Portugal, antiga PT. Sendo necessário esclarecer e apurar todos os eventuais crimes que tenham sido realizados, aqui reafirmamos que o crime maior foi o da privatização da PT que o País ainda hoje está a pagar.

Este caminho que, está mais que visto, não serve ao País, não serve aos trabalhadores, não serve ao povo.

É preciso, é urgente e é possível a ruptura, a ruptura  desde logo com o actual processo de privatizações – seja pela venda directa, concessões ou “parcerias público-privadas”. Um processo que tem agora novos desenvolvimentos para além da TAP, designadamente a EFACEC e outros sectores, como na saúde ou no transporte ferroviário. 

Como é sabido  já se prepara uma nova privatização da TAP. Mas o que é urgente é parar este caminho. A TAP é hoje uma empresa capitalizada, está a recuperar das quebras que teve durante a pandemia e voltou a ter lucros operacionais. A TAP não precisa que a privatizem, precisa que seja valorizada e que nela se invista.

O Estado português tem que incluir a dimensão TAP nas prioridades de investimento. O País precisa de avançar com a construção de um Novo Aeroporto de Lisboa, onde a TAP tenha o seu reduto e o seu hub, com uma Manutenção e Engenharia valorizadas, trabalhando em conjunto com as mais de mil empresas portuguesas que para ela vendem serviços, transportando – como mais nenhuma outra companhia – passageiros para Portugal e de Portugal para o mundo, e do Brasil para a Europa e a Ásia. É preciso pôr fim aos cortes salariais que ainda perduram na TAP, contratar trabalhadores em falta, valorizar salários e profissões. 

A rejeição da privatização implica em paralelo a exigência de gestão pública ao serviço do povo e do País, uma gestão com objectivos racionais, ligados à imensa riqueza que a empresa aporta ao País e sempre aportou.

Uma gestão pública que se guie pelos valores de Abril, onde o Estado não se comporta como mais um accionista privado. 

Quando defendemos uma empresa pública como a TAP  e ao serviço do desenvolvimento do País, estamos a defender uma outra política que nem o Governo PS, nem o PSD e os seus sucedâneos estão em condições de concretizar. Uma política  que promova a diversificação da nossa economia e das nossas relações económicas, que aposte na produção nacional em substituição das importações, que valorize os salários, as carreiras e profissões, o trabalho e os trabalhadores. 

Uma política que não só trave o processo de privatizações mas que se lance na recuperação do controlo público de sectores estratégicos, devolvendo ao Estado instrumentos e meios fundamentais para a definição do rumo do País. Uma política que enfrente as imposições, chantagens e pressões da UE, profundamente contrárias aos interesses e necessidades do País. Não deitamos a toalha ao chão na privatização da TAP, tal como não prescindimos de lutar por uma verdadeira alternativa para o País. E sabemos que não estamos sozinhos nessa luta. 

Apesar da brutal campanha em curso, e ao contrário da vontade dos vendedores do País, há mais gente empenhada na defesa da TAP como empresa pública. Há forças e sectores, há democratas e patriotas que convergem connosco na recusa das inevitabilidades.

Um livro é sempre uma forma de sistematizar ideias e informação, de reflectir sobre o mundo e contribuir, na medida do possível, para o transformar. Pois que este livro sobre a TAP seja mais uma ferramenta para quem queira defender não apenas a TAP, mas o direito a um Portugal com futuro.

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