Intervenção de

Supervisão de Instituições de Crédito - Intervenção de Honório Novo na AR

Quadro Sancionatório para o crime económico e financeiro e  Supervisão de Instituições de Crédito

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

No quadro do regime geral das instituições de crédito, a proposta do Governo (proposta de lei n.º 227/X) só sanciona com pena de prisão o exercício não autorizado da actividade bancária, que passa de 3 para 5 anos, aliás, proposta idêntica à que o próprio PCP apresenta (projecto de lei n.º 604/X).

Mas só este passo parece muito pouco, Sr. Secretário de Estado! Vou dar-lhe vários exemplos. Crimes, como, por exemplo, o da realização fraudulenta de capital, o de actos dolosos de gestão danosa ou o da informação deliberadamente fraudulenta prestada ao Banco de Portugal, continuam, na proposta do Governo, a ser penalizados apenas com coimas.

Isto parece, necessariamente, pouco.

Portanto, a primeira questão que lhe coloco é a da disponibilidade do Governo para, em sede de discussão na especialidade, passar a considerar também as penas de prisão para este tipo de crimes - não outros mas, pelo menos, os que acabo de enunciar.

A segunda questão que coloco tem a ver com o processo sumaríssimo.

Este processo já existe no Código dos Valores Mobiliários e o Governo faz a sua extensão ao regime geral das instituições de crédito e ao Código das Sociedades Comerciais. Muito bem! Em tese, nada temos a opor, mas, em nossa opinião, há que precisar o tipo de situações ou de crimes em que este processo sumaríssimo pode ser aplicável.

É que, se o deixarmos à discricionariedade da supervisão, podemos entrar por um beco sem saída. Por isso, coloco-lhe a hipótese de precisarmos, em sede de especialidade, as situações e os actos ou crimes em que o processo sumaríssimo pode ou não ser utilizado.

Finalmente, no caso das alterações ao Código dos Valores Mobiliários, o Governo propõe algum agravamento de penas, no que é acompanhado por outras iniciativas, designadamente a do PCP, mas mantém, simultaneamente, a opção pela multa. E, claramente, há crimes, como, por exemplo, o da manipulação de mercado, que merece, em determinados países, a prisão efectiva, ou seja, não há opção pela multa.

A questão que lhe coloco vai no sentido de saber se, neste tipo de crimes, não deve apenas ser prevista a prisão, sem abrir a possibilidade de optar pela multa.

Gostava que o Sr. Secretário de Estado pudesse esclarecer estas três questões.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Já em Julho deste ano, na comissão parlamentar de inquérito à supervisão bancária no âmbito do designado caso BCP, o PCP propusera a revisão da moldura penal aplicável a crimes de tipo económico, para serem agravadas as respectivas penas e para que não pudessem, em certos casos, ser remíveis a multa.

Em Setembro, no debate em Plenário das conclusões daquela comissão de inquérito, sublinhámos que nem sequer essa ideia, aparentemente consensual, tinha sido aceite pela maioria parlamentar que isoladamente tinha aprovado a absolvição incondicional das instituições de regulação e supervisão no caso BCP.

Por isso, logo aí anunciámos a iniciativa legislativa que hoje se debate em conjunto com a proposta do Governo, que também anuncia a revisão do regime sancionatório para o sector financeiro.

O crime económico e financeiro beneficia de um quadro penal perfeitamente compensador para os seus autores.

Há que passar a ter mão pesada para o chamado crime de colarinho branco cujas consequências começam agora a ser duramente compreendidas e sentidas pelos contribuintes e pelo País.

Por isso, o PCP entende que crimes deste tipo - os graves e muito graves e passíveis de penas de prisão - não devem, em princípio, ser remíveis ou substituíveis pelo pagamento de multas.  Tal como é proposto pelo Governo, também o PCP propõe que passe a ser punido com pena até cinco anos - em vez dos actuais três - quem, sem autorização, se dedique à actividade bancária. Só que nós não estamos apenas perante casos como o da «Dona Branca» e, ao contrário do Governo, que na sua proposta se fica por aqui, o PCP entende que no regime geral das instituições de crédito deve também passar a ser punível com pena de prisão - e não apenas com agravamento de multas, como diz a proposta de lei - quem seja responsável por realização fraudulenta de capital social, quem pratique actos dolosos de gestão ruinosa, quem falsifique contabilidades ou quem dolosamente preste informações falsas ou incompletas ao Banco de Portugal.

Só o enumerar destes crimes faz recordar, diria antes que faz «tresandar» àquilo que ocorreu no caso BCP e aos factos sob investigação do Banco de Portugal no caso BPN. Estas situações não podem continuar a ser objecto de meras medidas contra-ordenacionais por mais agravadas que sejam.

Para além destas alterações no regime geral das instituições de crédito, o PCP propõe também o reforço do quadro penal para crimes ocorridos no contexto do Código dos Valores Mobiliários, eliminando nas situações mais graves - ao contrário do que faz a proposta governamental - a opção pela substituição da pena por coima.

O mesmo se propõe no Código das Sociedades Comerciais, visando actualizar e reforçar penas que os próprios responsáveis da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários consideraram ridículas nos depoimentos que prestaram na comissão parlamentar de inquérito à supervisão bancária no caso BCP.

Finalmente, o PCP considera que o crime económico e financeiro não ocorre apenas na actividade seguradora, no mercado dos valores mobiliários ou no funcionamento das instituições de crédito.

Por isso, o PCP propõe igualmente que esta iniciativa legislativa seja alargada, passando a tratar de forma idêntica, em sede de Código Penal, a moldura penal da generalidade do crime económico e contra o património nos casos de burla, de burla qualificada e de administração danosa.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O PCP volta também a trazer hoje a debate iniciativas legislativas que visam reforçar o quadro normativo da supervisão (projecto de lei n.º 611/X e projecto de lei n.º 612/X).  

Em 13 de Novembro, na sequência da audição do Dr. Vítor Constâncio sobre o caso BPN, tendo em conta o novo quadro normativo que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários tinha, na altura, em debate público, o PCP apresentou várias propostas para reforçar o quadro de intervenção da supervisão na actividade financeira em Portugal.

Fê-lo em sede orçamental, como se recordam, facto que mereceu da parte do Sr. Ministro de Estado e das Finanças acordo genérico quanto ao conteúdo, não obstante considerar que a iniciativa não deveria ser feita no âmbito orçamental.

Nada melhor, portanto, do que esta a altura para tomar algumas decisões sobre a matéria.

E para este debate o PCP apresenta, sucessivamente, as propostas que passo a referir.

Em primeiro lugar, uma alteração ao Código Penal para permitir a protecção de testemunhas que declarem no âmbito de crimes económicos e financeiros, protecção extensível à fase posterior ao decurso do processo.

Em segundo lugar, a colocação de equipas permanentes de supervisão nos bancos com volume de crédito superior a 20 000 milhões de euros e em todas as instituições de crédito onde o Banco de Portugal o considere necessário.

Em terceiro lugar, a sujeição a autorização prévia do Banco de Portugal de todas as operações de crédito a conceder a filiais ou estabelecimentos em offshore.

Em quarto lugar, que todas as acções apresentadas como garantia ou com mandato de gestão passem a ser obrigatoriamente contabilizadas para o limite máximo de acções próprias previstas no Código das Sociedades Comerciais, responsabilizando os órgãos de administração pelo acompanhamento e cumprimento deste normativo.

Em quinto lugar, e por fim, a divulgação obrigatória dos negócios existentes com sociedades com as quais haja relações de domínio ou de grupo.

Como temos acentuado, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, não nos parece que as falhas de supervisão tenham ocorrido por falta de instrumentos adequados de acção e prevenção, mas consideramos que é sempre possível melhorar o quadro legal e instrumental à disposição.

As medidas propostas nesta iniciativa pelo PCP têm sido defendidas por muitos outros, incluindo os mais altos e destacados membros dos órgãos de supervisão bancária e do Mercado de Valores Mobiliários.

Consideramos, assim, que é possível, em especialidade, analisar as propostas do PCP e do Governo quanto ao reforço do quadro sancionatório do crime financeiro, tal como é possível adoptar as propostas que hoje fazemos para a supervisão bancária, incluindo a sua melhoria e o seu âmbito.

Consideramos, assim, que sobre matérias desta natureza é possível e desejável estabelecer consensos alargados.

A mesma postura responsável se espera, naturalmente, da maioria parlamentar.

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