Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Sucessivos governos fogem às responsabilidades das causas dos incêndios em Portugal

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O PCP entendeu trazer à discussão a problemática dos incêndios florestais e das responsabilidades políticas. Aqui, como na Comissão de Agricultura, o PCP estimula esta discussão quando se prepara o início de uma nova sessão legislativa e no decorrer de um verão dramático, em área ardida, mas especialmente dramático em perda de vidas humanas, às quais prestamos a nossa homenagem.

Foi ontem aprovada a proposta do PCP para constituição de um grupo de trabalho para acompanhamento da problemática e das suas consequências na época que ainda decorre.

Foi a iniciativa política do PCP, que incluiu uma deslocação à serra do Caramulo, que forçou o ministério da agricultura (durante o mês de agosto afastado da temática dos incêndios) a vir para o terreno. O secretário de estado das florestas acompanhado do secretário de estado da administração local apareceu na serra do Caramulo, precisamente no dia e hora a que o PCP havia anunciado uma reunião e uma visita.

O ministério da agricultura manteve não só o silêncio, como foi cirurgicamente afastado dos momentos políticos. A 23 de agosto não esteve representado numa reunião onde estiveram, com outras entidades, o ministro da administração interna e a ministra da justiça.

Como a 28 de agosto não esteve presente no briefing a que o Primeiro-Ministro assistiu.

Este afastamento não é esquecimento, ou sequer é inocente. Enquanto se anunciam grandiosas acções de detenção de incendiários, o ministério com competências na definição e implementação de uma política florestal e responsável político pelas ocorrências, vai fugindo a responsabilidades.

A responsabilidade está na falta de planeamento e ordenamento florestal e esta verdade é assumida unanimemente aqui na Assembleia da República. As matérias florestais têm sido, até agora, das mais consensuais. Este consenso, agora quebrado com a legislação da florestação e reflorestação (e o Governo prepara-se para a quebrar novamente com a proposta de alteração da lei do Baldios) permitiu a criação de instrumentos legislativos, que por si só, sem acção no terreno, pouco podem fazer pela floresta, pelas populações e pela economia nacional.

Responsabilidades que se repartem entre PS, PSD e CDS, uma vez que, no seguimento dos anos trágicos de 2003 e 2005, se procedeu a um profundo debate e se decidiram e anunciaram medidas, entretanto nunca concretizadas.

Este governo PSD/CDS tornou mais difícil a implementação de uma verdadeira política florestal. A reformulação do PRODER retirou cerca de 150 milhões de euros às políticas florestais e as alterações aplicadasao Fundo Florestal Permanente permitiram camuflar uma redução destefundo, de 20%, entre 2011 e 2013. Estes são instrumentos fundamentais em matéria de ordenamento e de prevenção.

Mas fundam-se nas políticas liberais de submissão ao poder económico e de destruição do estado, promovidas por este e anteriores governos, o interesse na inexistência de ordenamento e as maiores dificuldades no combate ao incêndio.

O desmantelamento dos serviços do ministério da agricultura abdicou de um conjunto de técnicos que, ao andarem no terreno, que conheciam como a palma das mãos, faziam prevenção e vigilância.

O encerramento de serviços públicos acentuou as razões para o êxodo do interior, provocado pela ausência de perspectivas de emprego e de futuro.

A ocupação do território é fundamental na protecção da floresta. São os moradores que protegem as aldeias através dos campos de cultivos. É a floresta autóctone, nomeadamente de carvalhos, que melhor resiste aos incêndios se comparada com a monocultura do pinheiro ou do eucalipto.

Ao longo de décadas de incêndios, as estatísticas são claras quanto à redução das áreas de pinheiro ou azinheira e ao aumento da área de eucalipto. Isto num país em que o negócio da madeira é praticamente um monopólio e em que, por exemplo, as celuloses, na ansia de maiores lucros, esmagam o preço da madeira tirando rentabilidade às explorações florestais.

As dificuldades no terreno são agravadas por políticas que põem interesses privados à frente dos interesses das populações. No Caramulo, passaram-se linhas eléctricas por cima de reservatórios de água inviabilizando a sua utilização por meios aéreos. Os novos modelos de gestão das águas, como forma de garantir clientes, foram eliminando fontes que eram fundamentais para abastecer os reservatórios, agora abastecidos por camiões cisterna durante a noite para que de dia os meios aéreos possam actuar. Isto numa serra conhecida também pelas suas nascentes.

As responsabilidades políticas destes e de anteriores governos são enormes, não implementando as políticas necessárias, cortando no investimento público, permitindo o despovoamento. Responsabilidades que se estendem à fiscalização. No Caramulo, vimos, enquanto a serra ainda ardia, a realização de acções de limpeza de bermas em pleno período crítico, actividade que terá sido a ignição de um dos incêndios.

Como também vimos novas plantações de eucalipto contiguas a uma zona industrial sem respeito por qualquer faixa de protecção. Alguém as autorizou!

Esperamos e tudo faremos, para que as visitas dos secretários de estado,resultem em apoios concretos para as populações afectadas, como são exemplo aqueles que ficaram sem alimento para os seus animais ou os jovens apicultores que ficaram sem flora para iniciar os seus projectos.

É já hora de parar com os lamentos que ano após ano vão permitindo que o país arda de fio a pavio, e de implementar as medidas que sirvam o interesse nacional e promovam o desenvolvimento. O PCP não deixará de lembrar que essas medidas são a única forma de superar este flagelo recorrente.

Disse.

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