Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Sobre o Tratado Orçamental

Rejeição do tratado orçamental, proposto no Conselho Europeu e recomendação ao Governo, às instituições europeias e aos Estados-membros da União Europeia que concentrem os seus esforços na promoção do crescimento económico e na criação de emprego
(projetos de resolução n.os 205/XII/1.ª e 209/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A aprovação do pacto orçamental e fiscal, imposto pelo eixo franco-alemão em nome dos grandes interesses económicos e financeiros que representa, mostra bem a natureza e os objetivos da designada construção europeia e confirma a total submissão do Governo, ao subscrever um texto de abdicação completa dos interesses nacionais.
Este pacto orçamental não é apenas um ato feito à revelia das regras vigentes, uma fuga em frente determinada pelo Governo alemão, que, assim, quer transformar um acordo internacional num texto que, de forma mais ou menos ilegítima, se imponha a todos e se aplique em todas as instituições da União Europeia.
O pacto orçamental constitui, também e sobretudo, uma profunda ofensiva, visando uma regressão social e civilizacional, atacando direitos e princípios democráticos e desprezando o respeito inalienável pela soberania dos Estados.
Este pacto não só quer condicionar e limitar a capacidade de os portugueses optarem e decidirem sobre o seu futuro coletivo, como quer subordinar os tribunais nacionais — e o próprio Tribunal Constitucional — à tutela do Tribunal de Justiça Europeu.
Enfim, um verdadeiro golpe constitucional!
Este pacto orçamental não só dá seguimento e reforça as imposições relativas à governação económica e à introdução do designado «Semestre Europeu», negociadas e aprovadas pelo Governo do PS (e que já limitam e desprezam os direitos constitucionais deste Parlamento em matéria de políticas orçamentais), como quer reforçar também as sanções automáticas contra quem não cumpra e chega ao ponto de querer suspender, em certas circunstâncias, o direito de voto dos Estados-membros incumpridores (ao contrário, aliás, do que dizia, há pouco tempo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, em recente entrevista a um canal televisivo).
Neste contexto, uma palavra para o projeto de resolução apresentado pelo PS que, ao mesmo tempo que «lava as mãos» das suas próprias responsabilidades pelo apoio mais ou menos envergonhado ao pacto orçamental, que incorpora aliás tudo o que o seu Governo já negociara e aceitara sobre a governação económica (isto é, sobre a sobreposição de Bruxelas a esta Casa, onde estamos a debater esta questão), visa desviar as atenções e falar em crescimento e em emprego, particularmente no emprego juvenil, sem ousar explicar sequer como são compatíveis esses objetivos com as medidas recessivas do pacto da troica ou a regressão económica e social associada ao pacto orçamental. Talvez um dia o Partido Socialista possa explicar como é que pode ter, ao mesmo tempo e no mesmo local, «sol na eira e chuva no nabal».
Sobre a posição do Partido Socialista, o projeto de resolução nem sequer tira uma dúvida: se o PS se diz tão inconformado com o pacto orçamental, então como é que vai votar? Vai rejeitá-lo ou vai votá-lo favoravelmente?
Este pacto orçamental, Sr.ª Presidente, é um golpe com o qual se pretendem constitucionalizar (isto é, potencialmente eternizar) políticas de retrocesso social e de recessão económica, de empobrecimento e de desemprego, de discriminação de povos e de Estados, cavando e reforçando o fosso entre os países ricos e os mais pobres, entre os mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, entre os mais poderosos e os periféricos, isto é, entre quem manda, ou julga mandar, e quem obedece.
Este pacto é um instrumento profundamente irracional, fixando e propondo-se constitucionalizar tetos de défice e de dívida inatingíveis e incumpríveis, condenando o nosso País ao marasmo e ao permanente subdesenvolvimento económico e social e à dependência externa, querendo transformar Portugal e outros países europeus em modernos protetorados, onde nem sequer faltará a nomeação de um comissário ou de um encarregado de negócios para tratar dos respetivos assuntos internos, aliás, à imagem e semelhança do que alguns já sugeriram para a Grécia.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Mas se a natureza deste pacto mostra bem os fundamentos que determinam a designada construção europeia, a sua aprovação e a urgente tentativa de o implementar revelam igualmente alguns outros elementos e objetivos indisfarçáveis.
Desde já, e no plano imediato, pretende dar um novo passo na institucionalização e no alargamento da aplicação das políticas recessivas e de desemprego contidas nos programas de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia, que hoje são impostos e vigoram em três dos países da zona euro, incluindo Portugal.
Depois, e face ao que é a provável falência da União Económica e Monetária e o desenvolvimento das contradições internas entre os diferentes protagonistas do neoliberalismo europeu, pretende criar condições para impor mais dificuldades e mais inaceitáveis medidas de austeridade aos trabalhadores e aos povos que, por seu turno, e legitimamente, resistem de forma crescente, lutando contra essas políticas de austeridade e de regressão social.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Dando seguimento e aprofundando alguns dos mais gravosos aspetos do Tratado de Lisboa, este pacto orçamental, pelo quem contém de ofensa à nossa Constituição, pelo que pretende espezinhar da nossa soberania e dos interesses nacionais, pelo declínio e definhamento a que pretende votar Portugal e os portugueses, merece e justifica a total, clara e frontal oposição da parte do PCP.
Mais, o PCP vai opor-se ativamente, nos mais diversos planos e por todos os meios ao seu alcance, à sua ratificação e aplicação em Portugal. Vamos fazê-lo no mesmo plano e a par da nossa oposição ao desvario autoritário que querem impor ao nosso País, seja através do Memorando agressivo da troica ou através do caminho federalista, antidemocrático e violador das soberanias que a União Europeia e a Alemanha insistem em percorrer.

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