Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Sobre a situação da banca

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Num País onde o pensamento dominante de cariz neoliberal insiste na tese de que o problema mais grave que enfrenta é o do défice orçamental, a lembrar os tempos anteriores à Revolução de Abril que nos levaram ao atraso e à miséria, para assim justificarem as medidas que estão a ser tomadas: os despedimentos, os cortes salariais, o roubo dos subsídios, a redução de direito, entre outras malfeitorias, todo o apoio vai para o sector financeiro. Sector financeiro que continua maioritariamente na mão do grande capital nacional e internacional e é responsável por uma parte substancial da massa monetária que circula no sector, sendo depois envolvida na especulação, nomeadamente bolsista, e transferida para fora do País, em vez de contribuir para a dinamização da economia nacional.

Dizem ao povo que a banca está no centro da actividade económica e, por isso, deve ser estabilizada através da sua recapitalização, para assim poder injectar dinheiro na economia. A mesma banca que, ao longo dos anos e com particular destaque desde 2007, obteve lucros fabulosos – entre 2007 e 2010, quatro anos de crise profunda, os lucros da banca somaram mais de 10.000 milhões de euros – como nunca tinha conseguido. Lucros obtidos à custa de taxas de juro e spreads bancárias muito acima do valor da taxa de juro cobrada à banca no processo de financiamento junto da banca internacional e do BCE, mas também do aumento sistemático dos níveis de exploração dos trabalhadores bancários

Neste mesmo período o que se verificou foi um abrandamento do crédito concedido e um aumento de transferências para a esfera especulativa. É o capital financeiro a dominar a economia. É esta mesma banca, que desde meados da década de 80 tem tido o apoio da parte dos sucessivos governos do bloco central para preservar o acesso ao lucro fácil e que há alguns meses dizia não estar em condições de ajudar o Estado na aquisição de dívida pública, que agora grita por justiça e exige ao Estado que este injecte dinheiro nos bancos, mas sem que isso lhe permita qualquer intervenção na vida dos bancos.

Nos últimos dias, a propósito das condições de acesso ao Fundo de Recapitalização da Banca no valor de 12.000 milhões de euros, os banqueiros insubordinaram-se contra os seus representantes políticos no governo, queixando-se à Troika e ameaçando não recorrer ao fundo, como se tivessem obrigados afazê-lo. Dizem-se injustiçados porque terão realizado um significativo esforço na compra de dívida pública e de concessão de crédito às empresas públicas, quando o País precisou deles e que por isso o Estado tem obrigação de os apoiar nesta hora difícil.

O alvo das suas reclamações situa-se, apesar das declarações reiteradas do Primeiro- Ministro, de que o Estado seria um accionista passivo, na possibilidade do Estado intervir na gestão dos bancos que entrarem em incumprimento do acordo e essa intervenção transformar-se numa nacionalização desses bancos. Chegam mesmo a comparar os objectivos da proposta de lei do governo com a nacionalização da banca e dos seguros, em 1975. Nada mais falso. Em 1975 a banca foi colocada ao serviço do povo e do país. Agora o que se pretende é pôr o povo e o país ao serviço da banca.

Não há na proposta de lei qualquer norma que vá nesse sentido, como não será expectável que - a não ser para salvar os banqueiros falidos nacionalizando os prejuízos para mais tarde voltar a entregar aos privados, como aconteceu com o BPN - este governo capturado pelos interesses do capital financeiro, tome qualquer iniciativa no sentido da nacionalização de um qualquer banco.

Todo este ruído de fundo causado pelos banqueiros, contra os executores da política de direita que ao longo dos anos desenvolveram uma política de apoio incondicional ao capital financeiro e que conduziu a uma colossal especulação, proporcionando rendimentos especulativos colossais nos offshores e na bolsa, tem dois objectivos muito claros: por um lado criar condições para que, num momento em que começa a crescer a consciência entre amplos sectores da sociedade portuguesa de que os bancos têm fortes responsabilidades na actual crise e são incapazes de responder a questões fundamentais, como o financiamento da economia real, o governo e as instâncias supranacionais que comandam a política portuguesa possam ir mais longe nas cedências aos interesses dos banqueiros; por outro, pressionar o governo para que, quando este decidir sobre o valor das acções a adquirir pelo Estado, se decida pelo valor contabilístico dos seus activos e não pelo valor de mercado dos bancos.

A aceitação destas exigências significaria que o Estado, tomando como exemplo os três maiores bancos privados, entrando no capital com o dinheiro necessário para atingirem o rácio de 9%, passaria a controlar não um terço do capital das três instituições, mas entre 10 e 64%. Vale a pena recordar que o conjunto dos três maiores bancos privados com sede em Portugal valiam em bolsa, a semana passada, 1943 milhões de euros, menos de metade do que precisam para se recapitalizarem até ao final do ano, de acordo com as imposições do conselho Europeu e da Troika.

Tal como qualquer outro cidadão, os banqueiros e os accionistas das sociedades que detêm os bancos devem assumir integralmente as suas responsabilidades, sendo por isso inaceitável que, depois de anos e anos a obterem lucros chorudos, venham agora exigir do Estado a disponibilização de dinheiros públicos – com custos substanciais para os contribuintes portugueses –, para o reforço da liquidez desses bancos. Como diz o povo, os banqueiros querem ao mesmo tempo “uma no saco e outra no papo”.

Ainda na passada segunda-feira ouvimos o presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), em entrevista televisiva, relevar o facto dos accionistas terem participado, na última década, num esforço adicional de 11.000 milhões de euros para o aumento de capital dos bancos, e assim justificar a exigência dos banqueiros. Vai mais longe ao afirmar que o Estado tem fortes responsabilidades na situação actual dos bancos.

Na mesma entrevista, o presidente da APB, perante a possibilidade do Estado entrar na gestão dos bancos, afirmou que isso levará à fuga dos investidores estrangeiros e prejudicará o acesso dos bancos aos mercados.

Então perguntamos e lançamos um desafio ao Governo: se existe tanta relutância por parte dos banqueiros à entrada do Estado no capital social dos bancos e se esta possibilidade vai trazer dificuldades acrescidas no futuro no acesso aos mercados internacionais, porque razão o Governo não decide negociar com a Troika a possibilidade de injectar os 12 000 milhões de euros na economia real, através do reforço de capital da Caixa Geral de Depósitos e deixar o processo de recapitalização dos bancos privados à responsabilidade dos seus accionistas?

Chega a ser comovente ouvir falar das dificuldades dos banqueiros e das malfeitorias que dizem ter sido vítimas por parte dos sucessivos governos. Os mesmos que ao longo das últimas duas décadas não têm feito outra coisa senão criar condições para preservar a actividade especulativa e a obtenção do lucro máximo, nomeadamente através da redução da taxa de imposto sobre os lucros dos bancos.

Há mesmo entre os comentadores de serviço, referindo-se aos resultados dos três grandes bancos privados com sede em Portugal, quem tenha falado em prejuízos para comentar a descida de 4 milhões de euros/dia de lucros em 2010, para 2 milhões de euros/dia em 2011. Os tais que, num quadro da distribuição do Rendimento Nacional em que o capital arrecada mais de 60%, insistem na tese de que os portugueses vivem acima das possibilidades e que por isso é necessário empobrecer o povo português para garantir o desenvolvimento económico do País. Mas, perguntamos nós: quem são os portugueses que vivem acima das suas possibilidades, os que integram cerca de 50% dos agregados familiares que em Portugal vivem com um rendimento bruto mensal até 849 euros ou aqueles, como os banqueiros, que recebem compensações faraónicas?

O que o presidente da APB não disse é que na mesma década em que os accionistas assumiram o aumento do capital social dos bancos em 11.000 milhões de euros, não fazendo mais que a sua obrigação, os bancos distribuíram pelos accionistas, em dividendos, mais de 6.000 milhões de euros de um lucro global de cerca de 24.000 milhões de euros.

Um dado que importa realçar é o facto de, entre 1994 e 2005, terem pago ao Estado menos cerca de 3000 milhões de euros por redução da taxa de imposto.

O PCP recusa qualquer solução que não passe por serem os próprios accionistas dos bancos a assumirem os custos do aumento de capital e não aceitamos que, mais uma vez, sejam as próprias vítimas de uma gestão agiota que tem caracterizado a gestão dos bancos privados a suportarem os custos desta operação.

Mas o apoio do Estado aos banqueiros não fica por aqui. Está em fase final de decisão o processo de integração dos fundos de pensões da banca na Segurança Social. Como afirmou ontem o Ministro das Finanças, esta transferência é o último recurso à disposição do Governo para resolver o buraco das contas públicas e atingir o défice de 5,9%.

Estamos perante mais uma forma de refinanciamento dos bancos, desta vez indirecta, que assim se libertam de um conjunto de compromissos com os trabalhadores bancários, nomeadamente os reformados e, como tudo indica, vão ser premiados com uma contabilização dos activos líquidos que integram os fundos, que não correspondem ao seu valor real.

A operação em curso, de transferência de uma parte dos fundos de pensões para o regime geral de Segurança Social, realizada nas condições políticas actuais e tendo como motivação principal por parte do Governo garantir o défice de 5,9% nas contas públicas no final do ano, apenas serve os interesses dos banqueiros e será realizada com perda de direitos por parte dos trabalhadores bancários e dos reformados da banca e vai por em causa a sustentabilidade financeira da Segurança Social.

Há muito que é conhecido o interesse dos banqueiros de transferirem para a Segurança Social os fundos de pensões, não por qualquer preocupação com o futuro dos trabalhadores, particularmente com os reformados, mas porque, sobretudo a partir de 2007, os activos dos fundos sofreram uma significativa desvalorização, deixando de ter interesse para os bancos a gestão destes activos. Estamos a falar de uma verba superior a 14.000 milhões de euros, uma parte dos quais investidos na especulação bolsista do mercado de acções, em fundos de investimento e nos fundos imobiliários, que terão desvalorizado cerca de 15%. Mas, tal como no processo de acesso aos Fundos de Recapitalização, os banqueiros também aqui querem mais, sempre mais, e aí estão mais uma vez a impor soluções que, a serem aceites representarão, um forte revés para os trabalhadores e para o Estado português.

É ou não verdade que os fundos estão desvalorizados e o valor dos seus activos não corresponde aos compromissos assumidos com os trabalhadores, nomeadamente os cerca de 40.000 reformados? É ou não verdade que os banqueiros estão a exigir que o Governo aceite a transferência de activos para a Segurança Social, que não dinheiro vivo (acções e património imobiliário), e que pretendem a contabilização pelo seu valor nominal e não real?
É ou não verdade que tudo está a ser feito sem que os trabalhadores possam ter qualquer intervenção num processo em que são parte interessada?

É que os fundos de pensões da banca constituem património autónomo, exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões e resultam de um processo negocial entre bancos e sindicatos, cujos regulamentos foram incluídos nos vários instrumentos de contratação colectiva existentes, pelo que qualquer decisão que não respeite a vontade dos trabalhadores é ilegal.

Não está em causa a posição de princípio do PCP, há muito defendida, de que os trabalhadores por conta de outrem devem estar inseridos no regime geral de Segurança Social. Mas, nas actuais condições políticas, com um Governo capturado pelo interesses do capital financeiro, realizar esta transferência sem nenhumas garantias de manutenção de direitos e de salvaguarda dos interesses da Segurança Social apenas beneficia os banqueiros, pelo que tem a nossa oposição.

O País atravessa uma profunda crise que é o resultado conjugado da crise geral do capitalismo, em que se evidencia cada vez mais a contradição entre o carácter social da produção e a forma capitalista privada de apropriação, e de 35 anos de política de direita que levaram à concentração da riqueza nas mãos de meia dúzia de famílias sempre com a mesma lengalenga do “menos Estado”.

Uma política que nos foi vendida ao longo dos anos como a única possível, sem alternativa, centrada num modelo de desenvolvimento económico em que pontificam os baixos salários e a substituição da produção nacional por importação de produtos estrangeiros. Tal como o PCP há muito vinha alertando, a destruição do aparelho produtivo e a transferência das mais valias do sector produtivo para actividade especulativa, cuja responsabilidade é transversal a todos os governos do bloco central, teve como principais consequências o desemprego a a subida galopante da dívida externa do País.

Hoje, nas mãos do Fundo Monetário Internacional e dos interesses dos países mais ricos da União Europeia e das empresas de notação, sem instrumentos de política monetária, o País caminha rapidamente para uma situação de depressão profunda com consequências imprevisíveis, de que só sairá num quadro de ruptura com a política de direita e a adopção de uma política patriótica e de esquerda.
Esta semana vieram cá os fiscais da Troika dizer o que o Governo queria que dissessem. Almofadas e folgas só para a banca. Nada de investimento para o crescimento económico. Mais cortes nos salários, mais sacrifícios, menos direitos para os trabalhadores e reformados. Estão bem uns para os outros. E, como cereja no cimo do bolo, trouxeram o PS ao carreiro do Pacto de Agressão estragando-lhe a manobra da proposta do mal o menos no Orçamento para 2012.

Para a saída da crise, o PCP defende uma política que, entre outras medidas, inclui: a rejeição do Pacto de Agressão; a renegociação da dívida nos juros, nos prazos e nos montantes; a adopção de uma política que valorize os salários e as reformas, aposte no desenvolvimento do aparelho produtivo e na produção nacional e coloque nas mãos do Estado, sob o controle público, os sectores estratégicos da economia. Política assente em instrumentos de apoio à economia real, que passa por uma política de cedência de crédito, não especulativa, mas de apoio verdadeiro, particularmente aos sectores produtivos.

Objectivo que só será atingido se existir uma verdadeira política de crédito de apoio à actividade das micro, pequenas e médias empresas, desiderato que a banca privada não está em condições de garantir, já que pela sua natureza está mais interessada em retirar mais valias da esfera produtiva e aplicar na especulação financeira.

O resultado da actividade da banca privada, e a sua natureza predadora, está hoje amplamente confirmado no número de famílias e empresários em nome individual que entraram em incumprimento com os bancos. Mais de 600.000, sendo que a grande maioria são famílias, que empurradas para o crédito fácil, porque era preciso vender, alargando desta forma a procura mesmo que de forma artificial, não têm hoje condições de pagar os empréstimos ao banco.

O PCP defende que o combate ao défice e a redução da dívida externa deve privilegiar o crescimento económico e o investimento produtivo, colocando sobre controle público alavancas decisivas para a economia portuguesa, nomeadamente a banca comercial e os seguros.

O aumento do Estado na economia permite uma maior vigilância e um maior controle democrática, uma gestão ao serviço do País e do povo, não utilizando o sector empresarial do Estado, como aconteceu com a Caixa Geral de Depósitos no caso do BPN, para a nacionalização de prejuízos e privatização dos lucros. Um controle público que permita à economia aceder a um sistema público de crédito que contrarie a lógica da busca do lucro máximo ao serviço dos banqueiros e dos accionistas dos bancos, e seja colocado ao serviço do desenvolvimento económico.

No contexto actual de profunda crise nacional e internacional, cujas dimensão e profundidade são imprevisíveis, fica mais evidente a importância deste sector estratégico ser predominantemente público. Neste sentido o PCP reafirma a necessidade da nacionalização definitiva de todo o sector da banca comercial e também dos seguros, ao mesmo tempo que considera um atentado contra os interesses nacionais a privatização de toda actividade seguradora da Caixa Geral de Depósitos, mais de 30% da actividade seguradora em Portugal.

Os trabalhadores bancários sabem que não vão passar incólumes nesta ofensiva. Vivemos um tempo em que só a unidade na acção e na luta pode travar e impedir que o Pacto de Agressão e as medidas que comporta se concretizem. A Greve Geral de 24 de Novembro é a arma que os trabalhadores dispõem neste momento para colocar a luta num patamar mais elevado.

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