Nota da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre os referendos

1. A Comissão Política do PCP analisou as consequências resultantes da aprovação na Assembleia da República pelo PS, PSD e PP das perguntas dos referendos sobre a União Europeia e sobre a regionalização, e da possibilidade de esses referendos poderem vir a ser marcados para o mesmo dia, tudo isto num contexto político inevitavelmente marcado pelo impacto da forte abstenção verificada no referendo de 28 de Junho. A Comissão Política reafirma, pela sua inteira validade e justeza, as intervenções feitas na Assembleia da República pelos deputados do PCP, que dissecaram pormenorizadamente, no momento próprio, os conteúdos e significados da aprovação de tais perguntas.

2. A Comissão Política do PCP considera que o verdadeiro clamor público da generalidade dos comentadores, analistas, constitucionalistas e personalidades políticas dos mais diversos quadrantes ideológicos e partidários, que ecoou nos principais órgãos de comunicação social do País após o conhecimento concreto das perguntas dos referendos e do contexto do referendo sobre a despenalização do aborto, questionando a forma e conteúdo das perguntas, a sua constitucionalidade, os problemas decorrentes da sua possível simultaneidade e, inclusive, a realização dos referendos por razões políticas, jurídicas ou de simples bom senso, veio fortalecer e sublinhar a justeza das posições assumidas pelo PCP ao longo deste atribulado processo.

3. A Comissão Política do PCP julga-se no inteiro direito de exigir o completo esclarecimento das responsabilidades políticas pela situação a que se chegou, elucidação que não deve deixar margem para qualquer dúvida. O PCP recorda que esteve desde muito cedo contra opiniões e decisões do PS, PSD e PP sobre esta matéria em sede das direcções partidárias, da Assembleia da República e do Governo, que acabaram por configurar um processo que agora desembocou nas perguntas que são conhecidas. As apreciações e considerações agora feitas por outros repetem várias questões para que, em tempo oportuno, o PCP alertou e previu. Assim, o PCP não aceita que, a coberto de diversos substantivos colectivos, da abstracta «classe política», dos «políticos» ou dos «dirigentes partidários», baseados no puro e simples esquecimento das diferentes posições assumidas pelo PCP, se procure meter e misturar tudo e todos no mesmo saco. Tudo e todos amalgamar numa informe (ir)responsabilidade colectiva, assim promovendo a absolvição segura dos partidos que têm pesadas culpas no cartório. O PCP não aceita que se faça tábua rasa dos acordos, negociatas, conluios, reviravoltas, cedências e cumplicidades do PS, PSD e PP que, às claras e as mais das vezes às escuras, por tacticismo, eleitoralismo ou pura e simples falta de coragem política, provocaram toda esta embrulhada. No processo de revisão constitucional. No processo da regionalização. No processo de abordagem da questão europeia. Como, aliás, no processo do referendo sobre a despenalização do aborto.

4. A Comissão Política do PCP insiste em afirmar que:

A pergunta do referendo sobre a integração europeia, além de ferida de inconstitucionalidade, é hoje uma evidente fraude reconhecida pela generalidade dos cidadãos. Tal referendo só pode ser defendido por quem tem a consciência pesada e teme o esclarecimento e a livre opção do eleitorado sobre as questões da União Europeia que, de facto, deviam ser sujeitas a referendo. As recentemente sugeridas saídas para um possível «não» no referendo europeu, só podem ser admitidas como exercício de ficção política e, a serem perfilhadas pelos responsáveis governamentais, só confirmariam uma de duas coisas: ou que a pergunta foi de facto redigida para obter um sim esmagador, ou que o referendo não serve para nada;

A possível simultaneidade dos dois referendos, para lá da duvidosa constitucionalidade, só pode ser defendida por quem, intencionalmente ou não, não quer uma efectiva mobilização e esclarecimento do eleitorado sobre as questões em causa. Basta recordar, como tem sido evidenciado por muitos face ao acontecido no referendo sobre a despenalização do aborto, o significado perturbador e confusionista de duas campanhas simultâneas, com duas séries de tempos de antena, a multiplicidade de variantes dos apelos ao voto, a que se somariam inevitáveis e complexos problemas técnicos não desprezíveis em matéria de participação eleitoral: mesas com dois cadernos eleitorais ou um caderno com duas colunas, dois boletins de voto, duas urnas, etc., etc. Pode dizer-se que a pretendida simultaneidade contribuirá para desacreditar ainda mais o referendo como instrumento da democracia portuguesa, já seriamente abalado com a experiência de 28 de Junho!

5. A Comissão Política do PCP reafirma a necessária convergência de opiniões e vontades para evitar o que deve e pode ainda ser evitado, reduzindo ao mínimo os evidentes custos políticos de algumas decisões, no mínimo pouco reflectidas. Um clamoroso erro não pode ser corrigido com um erro maior. O simples bom senso, uma lídima vontade de melhorar a participação política dos portugueses em importantes questões da sua vida colectiva, a defesa dos créditos democráticos do referendo que merece sobrepor-se a estritos e curtos interesses partidários, devem prevalecer para anular o referendo sobre a questão europeia, decisão que, no entender do PCP, o Presidente da República deve assumir para defesa do prestígio das instituições democráticas e por respeito pelo povo português.

É com este sentido democrático, cívico, e a consciência tranquila de quem não contribuiu para a confusão instalada, bem pelo contrário, que o PCP continuará a pronunciar-se e a intervir sobre estes assuntos.

Assim, o PCP vai solicitar uma audiência ao Presidente da República para, de viva voz, lhe transmitir a sua apreciação e as suas preocupações sobre a actual situação e as questões dos referendos.

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