Sobre as políticas de combate à toxicodependência e ao tráfico de droga

 

 

Crescem as preocupações sobre as políticas de combate à toxicodependência e ao tráfico de droga
Nota do Grupo de trabalho do PCP para as questões do combate à droga e à toxicodependência

No dia em que se assinala a luta contra o abuso e o tráfico ilícito de droga, o PCP reafirma a necessidade de uma política transversal de combate ao tráfico de droga e à toxicodependência que dê resposta às complexas e exigentes questões que este problema levanta na sociedade portuguesa e no mundo.

Apesar de, nos últimos anos, a visibilidade social deste problema ter regredido – muito à custa das medidas desenvolvidas no combate ao consumo da heroína – a verdade é que assistimos hoje a uma diversificação do tráfico, do consumo e dos consumidores de droga.
A expressão do fenómeno da toxicodependência continua a ser uma realidade em todo o território nacional, deixando atrás de si um rasto de destruição e desintegração humana e social que, afectando sobretudo as camadas mais jovens da população, tem registado, por via da perpetuação dos consumos, um número crescente de consumidores mais velhos.

O PCP chama a atenção para os efeitos que a política anti-social e anti-popular desenvolvida pelo Governo PS que criam um “caldo de cultura” favorável ao desenvolvimento do consumo de drogas e da toxicodependência: o aumento do desemprego, com cerca de 600.000 desempregados (em sentido lato), dos quais metade de longa duração (em situação de desemprego superior a um ano) e mais de 100.000 são jovens; o aumento da precariedade laboral, com mais de um milhão de trabalhadores precários; o aumento das desigualdades sociais e o empobrecimento de vastas camadas da população; a destruição da escola pública e do serviço nacional de saúde; as crescentes dificuldades no acesso à habitação; as crescentes limitações à livre criação e fruição cultural e nas condições para a prática desportiva; a desresponsabilização do Estado no apoio ao movimento juvenil e ao movimento associativo popular.    

Apesar de avanços na política do combate à droga e à toxicodependência que se registaram no país, muito por força da luta das populações e da acção e intervenção do PCP – de onde se destacam a criação de uma rede pública de atendimento e tratamento de toxicodependentes, os programas de redução de danos e a aprovação de legislação que trata e considera o toxicodependente, não como um criminoso que deve ser preso e julgado, mas como um doente que deve ser tratado, a intervenção pioneira no Casal Ventoso – a verdade é que há novas realidades e motivos acrescidos para inquietantes preocupações sobre a actuação do Governo PS nesta matéria.

O Instituto da Droga e da Toxicodependência, que viu recentemente publicada uma nova Lei Orgânica, encontra-se manietado pela política de destruição dos serviços públicos e de ataque aos direitos dos trabalhadores do Estado, neste caso cerca de 1700. Com a nova Lei Orgânica: mantém-se a ausência de autonomia financeira (V. nº1 do Art.º 2.º do DL 221/2007); integrou-se o combate à alcoologia – incluindo os três centros de alcoologia existentes (Lisboa, Porto, Coimbra) – sem que se conheça a existência da respectiva dotação financeira; por via da aplicação do PRACE é imposto o contracto individual de trabalho e alastra a precariedade e instabilidade no seio dos trabalhadores; introduz-se a possibilidade de cobrança de receitas mútuas entre o SNS e o IDT, que à semelhança de outras experiências conduz à externalização de serviços a ao benefício dos interesses privados; pesam dúvidas quanto aos objectivos da integração das diferentes estruturas (CAT´s; Unidades de prevenção, etc.) nos chamados “Centros de Resposta Integrada”.

A intervenção do Governo nesta matéria tem conduzido a uma crescente desresponsabilização do Estado, sendo disso exemplo o conjunto de estruturas de natureza privada (com ou sem fins lucrativos) que operam no terreno, num quadro em que florescem interesses meramente lucrativos nas áreas da prevenção, tratamento e reinserção. Refira-se que a maioria destas empresas e instituições funcionam quase integralmente com dinheiros públicos, que são desviados do cumprimento das responsabilidades do Estado, mantendo num ambiente de precariedade e instabilidade laboral centenas de técnicos qualificados e que, pela sua natureza, estão longe de garantir o nível de intervenção e de satisfação de necessidades que o Estado garantiria se assumisse essas mesmas obrigações.
O Governo PS, apesar de uma Lei que descriminaliza o consumo, parece apostado na desactivação das chamadas Comissões de Dissuasão de Toxicodependentes – CDT´s, encontrando-se actualmente 5 CDT´s sem a nomeação de responsáveis e num cenário de profunda desmobilização de técnicos e dirigentes.

Em muitas zonas urbanas aumentam situações de degradação social que proporcionam o ambiente propício ao consumo e tráfico de drogas, ao passo que no interior do país, sobretudo em zonas raianas assistimos ao desenvolvimento de novas realidades de consumo e tráfico que exigem outro acompanhamento. Na cidade de Lisboa, após a bem sucedida intervenção no Casal Ventoso – que esteve também associada à presença do PCP na CML – a situação começa a ser novamente preocupante. No Porto a degradação da situação nos Bairros do Aleixo, de São João de Deus e do Cerco exige um plano integrado de respostas que está muito para além da introdução das chamadas salas de consumo assistido que, sendo um dos instrumentos nas medidas de redução de danos, por si só, é insuficiente.

As alterações nos padrões de consumo, nomeadamente com um peso crescente no consumo de cocaína., haxixe e drogas sintéticas, exigem uma nova abordagem não só na prevenção, mas também no tratamento e dissuasão do consumo. A estrutura pública existente no terreno, sobretudo vocacionada para a abordagem do consumo da heroína, deve ser alvo de medidas que tenham em conta esta realidade.

A população prisional, onde muitos dos indivíduos são toxicodependentes, continua afastada do Serviço Nacional de Saúde e, recorrentemente, tem sido privada, por falta de verbas, de medicamentos essenciais para o cumprimento de programas de abstinência, como aconteceu recentemente no Estabelecimento Prisional de Silves com a escandalosa suspensão do fornecimento de metadona.
As crescentes apreensões de droga no nosso país confirmam, sem menosprezo do empenhamento e da eficiência das forças de segurança, o facto de Portugal continuar a ser uma importante porta de entrada de droga na Europa. Esta realidade exige da parte do Governo, não o abandono e o desincentivo das forças de segurança, mas o reforço dos seus meios, das suas condições de trabalho e um outro nível de articulação com outras forças de segurança no plano internacional.

O tráfico de droga em grande escala, com um fluxo financeiro que segundo a ONU se encontra entre os três maiores negócios do mundo, continua a beneficiar de todos os instrumentos e processos que lhe permitem o contínuo branqueamento de capitais oriundos do mundo do crime e que requerem por parte dos Estados e também das autoridades bancárias medidas mais eficazes. O governo português não pode continuar a ignorar este problema. Para o PCP, parte importante da resposta ao fenómeno da droga e da toxicodependência passa por uma política que combata de forma decidida, efectiva e urgente o enriquecimento ilícito, o branqueamento de capitais e o crime organizado.

No seguimento deste diagnóstico, o PCP irá desenvolver nos próximos meses um conjunto de acções – visitas, encontros, debates – que, a par de uma rigorosa fiscalização da intervenção do Governo, terão desenvolvimentos no plano da iniciativa política na Assembleia da República.
Da parte do PCP, continuaremos a intervir e a trabalhar para fazer convergir opiniões e vontades, para travar o agravamento da situação e para conter e fazer regredir os problemas da toxicodependência no nosso país.