Declaração de Ângelo Alves, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre a Política Externa do Governo

O Partido Comunista Português, analisando os desenvolvimentos da política externa do Governo PS no quadro da Presidência do Conselho da União Europeia, não pode deixar de alertar o povo português para o acumular de factos e declarações que evidenciam a submissão da política externa nacional às estratégias das grandes potências europeias e dos EUA e a associam à política de crescente militarização das relações internacionais.

Para o PCP, tal política colide com os interesses nacionais e com os princípios enunciados na Constituição da República Portuguesa, não contribuindo nem para o prestígio nem para a afirmação do País. Contrariando as próprias declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros proferidas antes do início da presidência portuguesa de que esta deveria servir para “promover os nossos interesses económicos e culturais”, a actuação do governo PS tem-se caracterizado essencialmente pelo obediente cumprimento da agenda e dos objectivos previamente definidos pela presidência alemã, não tendo suscitado qualquer questão relevante para a defesa dos interesses nacionais nem avançado qualquer contribuição para contrariar o actual rumo da União Europeia que está na génese do impasse institucional que resultou, entre outros aspectos, da recusa dos povos em aceitar a imposição do defunto Tratado Constitucional.

Associada a uma política caracterizada por uma ofensiva global contra os direitos dos trabalhadores portugueses e o próprio regime democrático, a política externa do Governo PS insiste em dar prioridade à chamada reforma dos tratados – acentuando o carácter negativo que muitas das suas disposições têm para os trabalhadores e os povos –, à militarização da UE e à chamada “política comum de relações externas”, peças centrais do processo de transformação da União Europeia num bloco político, económico e militar de cariz imperialista que, apesar de contradições reais, se concerta com os EUA para o domínio do mundo.

O PCP denuncia tais objectivos e alerta para as recentes e inaceitáveis declarações do Ministro da Defesa, Severiano Teixeira – durante a reunião informal de Ministros da Defesa – assumindo-se como paladino da militarização da União Europeia (no quadro da NATO), do desenvolvimento do complexo industrial militar europeu, do intervencionismo em várias regiões do globo e do aumento das despesas militares.

Na opinião do Ministro é preciso aprofundar e acelerar ainda mais a militarização da UE. Tal política é para o responsável da pasta da defesa um “vector vital para a integração europeia”, pois “só assim a Europa se tornará um actor internacional de corpo inteiro”. Registando a gravidade de tais declarações, o PCP lamenta profundamente que o Governo PS se associe, e se torne mesmo porta-voz das mais retrógradas e perigosas visões da situação internacional que estão a conduzir o mundo para uma cada vez mais insustentável situação de instabilidade e insegurança. Num período em que os governos francês e alemão intensificam posturas de aproximação à política de guerra da Administração norte-americana e em que os EUA aprofundam a política de militarização das relações internacionais e de corrida aos armamentos – seja no Médio Oriente, na Europa de Leste, na Ásia Central ou em África – é motivo de profunda inquietação o envolvimento activo do Governo no relançamento do chamado eixo transatlântico, de que o recente encontro de José Sócrates com George W. Bush em Washington é um episódio elucidativo. O silêncio cúmplice do Primeiro Ministro perante os agradecimentos de Bush pelo apoio nas guerras do Iraque e do Afeganistão envergonha todos aqueles que manifestaram em 2003 o seu repúdio pela Cimeira da guerra dos Açores e pelo o que ela significou – entre eles militantes e eleitores do PS - e todos aqueles que prosseguem no nosso país a luta pelo fim da participação portuguesa nestas guerras de ocupação.

As posições de José Sócrates são tão mais indignas e inquietantes quando surgem no quadro de outras declarações suas, como as proferidas recentemente em torno da questão iraniana, alinhando objectivamente com os propósitos de agressão militar formulados por Sarkozy e Bush, ou ainda, quando em Março deste ano, em Montevideu, afirmou não encontrar melhor exemplo em matéria de visão humanista e de respeito pelos direitos humanos, que os EUA e a sua política externa.

Na opinião do PCP e como o demonstram as novas revelações nos EUA acerca da utilização da tortura como método de interrogatório e do papel das prisões secretas da CIA no âmbito da chamada “luta contra o terrorismo”, o que é hoje imperativo na política externa portuguesa é o distanciamento e a crítica relativamente à política criminosa do imperialismo norte-americano e não o estender de mão a uma Administração que, atolada no Iraque e no Afeganistão, enfrenta hoje uma contestação cada vez mais generalizada por parte do próprio povo norte-americano e dos povos do mundo.

Quando o momento aconselha à rejeição da corrida aos armamentos, à persistência para a resolução política dos conflitos, à reflexão sobre as reais causas da crise económica e financeira mundial e à adopção de novas políticas de relacionamento internacional viradas para a cooperação e o desenvolvimento, a presidência portuguesa, pelo contrário, aposta no fortalecimento da componente militar da União Europeia e lança-se na preparação de uma Cimeira UE/África que, independentemente das incertezas que a rodeiam, está já ferida por propósitos e tendências neocolonialistas.

Pela sua História e pelos laços que unem o nosso país a várias nações africanas, Portugal teria condições para contribuir para uma real mudança nas relações UE/África baseadas no respeito pela soberania e pelo direito ao desenvolvimento dos países e povos africanos.

Suscita assim grande preocupação que o Governo português esteja a apadrinhar e a servir de intermediário a projectos neocolonialistas e intervencionistas de grandes potências que, sob pretextos diversos – como o discurso dos “novos perigos de terrorismo islâmico”, a visão securitária da imigração, o falso combate ao narcotráfico ou a infame teorização em torno dos chamados “estados pária” – visam intensificar a política de rapina dos recursos e riquezas do continente africano, nomeadamente do petróleo, causa primeira do sofrimento de centenas de milhões de seres humanos naquele continente. O PCP condena as múltiplas manobras neocolonialistas e intervencionistas em curso em África – como a instalação do comando militar específico norte-americano para esse continente, os acordos e parcerias estratégicas com a NATO ou a multiplicação de missões militares estrangeiras em vários países africanos – e denuncia a política de hipocrisia da União Europeia e particularmente de Portugal em relação à questão Saharaui, como o demonstraram as inaceitáveis declarações de José Sócrates apoiando o projecto marroquino chamado “de autonomia para o Sahara Ocidental”.

O PCP manifesta a sua oposição ao envio de uma missão militar para o Chade e República Centro-Africana. Numa atitude irresponsável e de quem quer “mostrar serviço” o governo anunciou – durante a reunião informal de ministros da defesa da União Europeia – a participação portuguesa nesta missão, sem sequer ter iniciado o normal e obrigatório processo de diálogo e consultas, como foi aliás reconhecido pelo próprio Ministro da Defesa.

Tal atitude constitui um profundo acto de desrespeito pelos mais elementares preceitos de funcionamento democrático dos órgãos de soberania. Merecerá por isso, por parte do PCP, a resposta política e institucional adequada, nomeadamente na Assembleia da República.

A poucos dias da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da UE e face à recente conclusão do processo de redacção jurídica dos textos de um pretenso “novo” Tratado para a União Europeia que, como afirmou o insuspeito Giscard d’Estaing, contém “o essencial da constituição europeia” e “é uma nova redacção do texto original”, o PCP reafirma a sua oposição a este projecto de Tratado e ao processo anti-democrático que o procura impor.

Chama ainda a atenção para o conjunto de manobras que neste período possam entretanto surgir com o objectivo de transformar em desígnio nacional a aprovação e ratificação de um Tratado que é altamente lesivo dos interesses nacionais e dos direitos dos trabalhadores e dos povos da União Europeia. Contrariando e dando combate às intenções declaradas pelo Governo e pelo Presidente da República – aos quais se juntou agora o novo Presidente do PSD – de negar ao povo português o direito de se pronunciar em referendo sobre um Tratado que a ser aprovado teria grandes consequências para o futuro do País, o PCP reafirma a sua intenção de não abdicar dessa exigência e desse imperativo democrático.

No quadro de um necessário e indispensável debate nacional, o PCP lutará pela rejeição de um Tratado que significando um sério atentado à independência e soberania nacionais visa essencialmente um novo salto qualitativo na integração capitalista na Europa, aprofunda o carácter neoliberal, federalista e militarista da União Europeia e é desenhado à medida dos interesses das grandes potências europeias e das multinacionais.

Chamando a atenção para a perigosa deriva do Governo PS em matéria de política externa e de defesa nacional, o PCP sublinha uma vez mais que a defesa da soberania e a luta por uma politica externa de paz, cooperação e amizade com todos os povos é um imperativo da alternativa política de que o país precisa. No plano nacional e das suas relações internacionais, na sua intervenção de massas como no plano institucional, o PCP prosseguirá, incansavelmente, a luta por estes objectivos.

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