Declaração de Vasco Cardoso, Comissão Política do CC do PCP, Conferência de Imprensa

Sobre a Política de Transportes

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1- Não fosse a gravidade dos objectivos anunciados pelo Ministro da Economia para o sector dos transportes e o dia de ontem ficaria apenas marcado por uma ridícula e despudorada acção de propaganda do governo, na campanha que tem realizado visando a justificação da privatização das empresas públicas de transportes, o ataque aos direitos dos trabalhadores, o agravamento dos preços aos utentes e a implosão do já de si fragilizado sistema de transportes nacional.

Afinal, o tão proclamado Plano Estratégico de Transportes, anunciado há mais de um mês pelo Governo PSD/CDS, não passa ainda de um conjunto mal amanhado de “linhas orientadoras”, cuja fragilidade só pode ser compreendida pela pressa em entregar o transporte público às mãos do grande capital, designadamente estrangeiro indo assim ao encontro dos objectivos contidos no pacto de agressão que está em curso. Refira-se que a indignação do PS na Audição do Ministro da Economia não pretendeu pôr em causa qualquer das orientações estratégicas anunciadas, quer por que elas decorrem do Pacto que também assinaram, quer das medidas que o seu Governo/Sócrates tinha em curso.

Uma apresentação atabalhoada, não sustentada, mentirosa, mas nem por isso menos perigosa para os interesses dos trabalhadores, dos utentes e do país. Para o PCP a ausência de um Plano Estratégico de Transportes que ontem se verificou, não significa que não estejamos perante uma estratégia do governo ao serviço dos interesses dos grupos monopolistas.

2 – Confirmou-se que o principal objectivo é o de proceder à privatização das empresas públicas de transportes. A demagogia em torno da dívida dessas empresas aparece como único argumento para proceder à sua entrega ao capital e quer esconder: que na origem dessa dívida está a política de sucessivos governos do PS, PSD e CDS de desorçamentação dessas mesmas empresas empurrando-as para o endividamento junto da banca; que empresas como a TAP e a ANA não recebem um cêntimo do orçamento do Estado – ou do “dinheiro dos contribuintes” como gostam de dizer – há mais de dez anos; que dos 4,1 mil milhões de Euros de Investimentos Ferroviário realizado em Portugal no século XXI, o Governo e quem na AR votou os sucessivos OE (PS, PSD e CDS) apenas orçamentaram 7% desse valor (289,5 Milhões), impondo à CP o recurso sucessivo ao crédito, usando o mesmo modelo no Metro de Lisboa e Porto, respectivamente (1); que em nenhuma parte da Europa as empresas que prestam serviço de transportes em áreas metropolitanas, como a Carris ou o Metro de Lisboa, conseguem equilibrar as suas contas apenas com receitas de bilheteira, mas com justas e atempadas indemnizações compensatórias; e que a privatização dessas mesmas empresas implicará que as dívidas e o esforço do investimento fique a cargo do Estado, como já acontece com a Fertagus e a Metro do Porto, e os lucros da operação ficarão para os bolsos dos grupos económicos.


Periodo

Investimento ILD

Contribuição PIDDAC

%

Contribuição UE

%

Crescimento da Dívida no Período

% desse crescimento que é fruto do recurso ao crédito para pagar o investimento e do pagamento de juros

Refer

2001 2010

4135 M€

289,5 M€

7,0%

1006 M€

21,7%

2840 M€

83%

Metro Lisboa

2003 2010

845,2 M€

85,1

10,0%

159,9 M€

18,9%

1444 M€

84%

Metro Porto

1994 2010

2527 M€

151,8 M€

6,0%

424,9 M€

16,8%

2450 M€

94%

O anúncio da fusão do Metro com a Carris, da Transtejo com a Soflusa, dos STCP com o Metro do Porto, que o governo apresenta como uma racionalização de custos, destina-se a dar dimensão a essas empresas e liquidar sectores das mesmas visando a sua privatização, suprimir serviços e atacar direitos dos trabalhadores. Bastaria ir lendo nos jornais aquilo que alguns dos principais responsáveis dos grupos Barraqueiro/Arriva/DB e Transdev reclamaram, para antecipar aquilo que o governo acabaria por anunciar. O anúncio da transferência dos sectores de Infraestruturas do Metro de Lisboa e Porto para a Refer tem o claro objectivo de limpar as empresas a privatizar da dívida criada pelos investimentos em infraestruturas, das responsabilidades pelo seu desenvolvimento e manutenção, mantendo a Refer como empresa pública exactamente para poder absorver todos os passivos e responsabilidades futuras, deixando ao grande capital a carne e ao Estado os ossos.

3- Em linha com as propostas adiantadas de alteração à legislação laboral, o governo exibiu sem complexos a sua política de agravamento da exploração e o seu ódio de classe a todos trabalhadores. Mentindo quando repetiu que os trabalhadores da Carris têm 30 dias de férias, afirmando tratar-se de um previlégio, quando todos os trabalhadores têm direito a 30 dias de férias, apresentados como 22 dias úteis nos sectores que laboram de 2ª a 6ª, manipulando quando se referiu adireitos que decorrem das especificidades dos trabalhadores das empresas de transportes públicos, o próprio governo afirmou que a oferta de transportes é sempre excedentária quando tentava justificar os cortes, pelo que o direito destes trabalhadores de utilizarem os transportes não representa qualquer custo real para as empresas, é por isso que na generalidade dos países do mundo esses direitos existem no quadro da negociação colectiva, e escondendo que algumas das formas de retribuição previstas nos AE's como os prémios de assiduidade que agora tanto criticam resultaram de propostas dos próprios governos em substituição de aumentos salariais que recusavam, o governo veio fazer foi defender uma redução dos salários e remunerações, o alargamento dos horários de trabalho, a generalização da precariedade. O governo ofendeu a dignidade de cerca de 10 mil trabalhadores dos transportes públicos que, ao contrário de sucessivos governos do PS, do PSD/CDS e das sucessivas administrações por estes nomeados, têm sido não apenas os responsáveis por garantir o conjunto de serviços, mas a defesa das próprias empresas públicas.

Tentando fazer um paralelo com o ataque aos direitos dos trabalhadores, o Governo tenta fazer passar a mensagem de que vai também reduzir os privilégios das Administrações destas empresas. Conversa fiada que todos os governos têm utilizado para enganar o povo português. A recente publicação das contas do Metro de Lisboa, onde a Administração registou um aumento salarial de 13% enquanto os trabalhadores viam os seus salários diminuir é bem o exemplo do que valem estas sucessivas declarações.

4- Motivos para se revoltarem e lutar têm também os utentes de transportes públicos. Depois da imposição do mais brutal aumento dos preços que há memória durante o mês de Agosto, o governo prepara-se para proceder a um novo aumento escandaloso no preço dos transportes no início do ano de 2012.

Tratam-se de medidas que agravarão e muito as condições de vida dos utentes e das populações que estão a ser diariamente roubadas nos seus rendimentos. No caso dos bilhetes e passes sociais dos transportes públicos, cujos utilizadores são, no essencial, trabalhadores, reformados, estudantes, um novo aumento no preço - sendo inseparável da estratégia de privatização de cada uma dessas empresas - representará mais dificuldades, mais injustiças, mais pobreza.

A preocupação do Governo com a oferta excedentária de transportes, revelando uma completa falta de preparação técnica ou um total despudor na manipulação de números, expõe o objectivo de brutais cortes no serviço. É que, por exemplo, para se atingir um nível de ocupação plena, seria necessário que em Lisboa, fora da hora de ponta, o Metro e a CP funcionassem com circulações espaçadas entre si mais de uma hora, na impossibilidade de fazer circular meias carruagens. E para as zonas do interior desertificado significaria a pura e simples eliminação do transporte. Esta maximização, que em Portugal existe já em muitas zonas servidas exclusivamente pelo serviço rodoviário dos grupos privados, só serve o lucro dos capitalistas dessas empresas, mas é um desastre não só para os utentes como sobretudo para o país, desertificando e impondo a opção do transporte individual com forte impacto nas importações.

Motivos para se revoltarem e lutar têm também os utentes das auto-estradas, onde o governo se prepara para introduzir, até ao final do mês de Outubro, portagens nas chamadas SCUTS. No caso das portagens, aquilo a que estamos a assistir é a um verdadeiro assalto aos utentes para continuar a garantir os lucros das empresas a quem os anteriores governos (do PS, mas também do PSD/CDS) concessionaram as auto-estradas. Portagens que, como o próprio governo reconhece, não terão qualquer impacto no curto prazo. Mas que, em contrapartida, contribuirão para acentuar os profundos desequilíbrios regionais existentes e deprimir ainda mais a situação económica do país.

5 – Para o PCP ficou também claro qual a visão do actual governo quanto à necessária manutenção e modernização das infra-estruturas de transportes e a sua articulação com um projecto de desenvolvimento do país e da produção nacional, e que, caso esta política não seja derrotada, conduzirá a uma degradação acelerada do conjunto das infraestruturas, a uma quebra histórica no investimento, ao comprometedor adiamento da necessária modernização e desenvolvimento do país.

O abandono da rede ferroviária convencional com o encerramento de centenas de Kms, a ausência de verbas para a manutenção da rede rodoviária nacional nos próximos anos, o cancelamento da construção e modernização de dezenas de estradas nacionais, a venda de património das empresas públicas e a sua entrega à especulação imobiliária, são alguns dos exemplos que ilustram o rumo de afundamento a que esta política está a conduzir o país.

Mesmo no Sector Portuário e Marítimo, onde o Governo anunciou um investimento de 2,5 mil milhões, tratam-se de propostas avulsas, construídas à medida de interesses casuísticos de alguns grupos económicos, mantendo-se a lógica das parcerias público-privadas que criou a situação financeira que tanto criticou noutros sectores, sem equacionar sequer a mais estruturante das questões do sector – a ausência de uma Marinha Mercante nacional.

Será no entanto necessário sublinhar que não faltarão milhares de milhões de euros para continuar a suportar juros obscenos à banca e contratos ruinosos com o grande capital, cujos interesses o governo não põe em causa.

6 – Com esta política o Governo prossegue o caminho abdicação da soberania nacional. Desde logo: ao reafirmar a intenção de privatizar a TAP, apesar de reconhecer como estratégico o seu papel ímpar na economia nacional, mas escondendo que este não se defende com declarações de intenção mas com a sua propriedade pública, e que a privatização da TAP coloca em causa os 1,7 mil milhões de euros de exportações que a transformaram no maior exportador nacional; ao reafirmar a intenção de privatizar a CP Carga, que será absorvida pela multinacional alemã que está tomar o sector na Europa; pela inevitável consequência da crescente exportação de lucros com a entrega de empresas estratégicas como o Metro, a Carris, os STCP e o Metro do Porto à exploração das multinacionais; ao apontar um caminho para o Sector Marítimo onde as belas declarações patrioteiras marcham ao lado da submissão estratégica aos interesses das multinacionais.

Para o PCP, o país precisa de um Plano Nacional de Transportes, não para destruir as empresas públicas, promover o desemprego e comprometer o desenvolvimento do país, mas para dinamizar a economia, combater os défices estruturais do país – incluindo o energético -, promover a produção nacional, criar emprego com direitos, defender o ambiente e a qualidade de vida das populações, afirmar a soberania nacional.

Um sistema de transportes constituído por empresas públicas, única forma de garantir a efectiva prioridade ao serviço público e o apoio à actividade produtiva, com transportes coordenados e frequentes, seguros, de qualidade e a preços sociais, garantidos pelo direito das empresas a justas e atempadas “indemnizações compensatórias”.

Os trabalhadores e o povo português não podem aceitar este rumo de desastre nacional que está em curso. A luta em defesa dos transportes públicos é parte integrante da luta central dos dias de hoje – a rejeição do pacto de agressão que PS/PSD e CDS assumiram com a UE e o FMI.

O PCP, ao mesmo tempo que apela à intensificação da luta dos trabalhadores e do povo português, reafirma a necessidade de uma ruptura com a política de direita que está em curso e a concretização de uma política patriótica e de esquerda ao serviço do desenvolvimento do país e das condições de vida do nosso povo.

 

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