Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre a nomeação de Silva Carvalho para a Presidência do Conselho de Ministros

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Depois de uns tempos afastado da ribalta, eis que voltou a ser notícia pelas piores razões. Refiro-me, evidentemente, a Jorge Silva Carvalho.

E voltou pela mão de quem não se esperaria: do Primeiro-Ministro Passos Coelho e do Ministro Vítor Gaspar.

Um despacho publicado no Diário da República de 26 de Março, assinado pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Finanças, determinou a criação de um posto de trabalho no mapa de pessoal da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, na carreira e categoria de técnico superior, em posição remuneratória automaticamente criada de montante pecuniário correspondente à remuneração base da carreira e categoria de origem, e com efeitos reportados à data da cessação de funções, ou seja, a 1 de Dezembro de 2010.

Ou seja: Jorge Silva Carvalho foi exonerado de funções, a seu pedido, em 23 de Novembro de 2010, para ir trabalhar para uma empresa privada: a Ongoing.

Conforme se veio a apurar, Jorge Silva Carvalho violou os seus deveres funcionais de diretor do SIED, ao usar o seu acesso a informação classificada em benefício dessa empresa, tendo sido processado criminalmente, juntamente com um dos seus colaboradores diretos no SIED e com um administrador da Ongoing, para quem trabalhava.

Todo esse nebuloso processo foi sempre rodeado de notícias, nunca cabalmente esclarecidas, que davam conta de ligações de Jorge Silva Carvalho ao PSD, nomeadamente na elaboração do respetivo programa eleitoral, da troca de mensagens com o Ministro Miguel Relvas, e de convites para o cargo de Secretário-Geral do SIRP.

Importa lembrar que, quando na Assembleia de República pretendemos obter elementos necessários para esclarecer as ilegalidades cometidas por Jorge Silva Carvalho enquanto diretor do SIED, que viriam a estar na base do processo criminal que lhe foi movido pelo Ministério Público, o Primeiro-Ministro recusou o acesso a esses elementos, com a invocação do segredo de Estado, e recusou-se a prestar pessoalmente quaisquer esclarecimentos em sede de comissão parlamentar.

Mais: mesmo no âmbito do processo criminal, o Primeiro-Ministro recusou um requerimento do próprio Silva Carvalho para revelar, não à opinião pública, mas ao poder judicial, factos a coberto do segredo de Estado.

Agora, o mesmo Primeiro-Ministro, em despacho conjunto com o austero Ministro das Finanças, integra Jorge Silva Carvalho, com efeitos retroativos, numa prateleira criada na Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros e invocou, para esse efeito, o estrito cumprimento da lei.

Não é verdade.

A lei, que foi aprovada com os votos do chamado arco da governação (PS, PSD e CDS), e que teve os votos contra do PCP, permite, de facto, que quem adquirir o vínculo definitivo ao Estado pelo facto de exercer funções durante seis anos nos serviços de informações, e for afastado a qualquer momento por mera conveniência de serviço, ou pretender cessar funções, seja integrado no quadro de pessoal da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, em categoria equivalente à que possuir no serviço e no escalão em que se encontrar posicionado.

Será este regime aplicável ao caso de Jorge Silva Carvalho? Certamente que não. Silva Carvalho não foi afastado por mera conveniência de serviço e não pretendeu cessar funções para ingressar na PCM. Pretendeu cessar funções para ingressar na Ongoing, depois de ter traído a confiança que o Estado lhe depositou enquanto diretor do SIED e depois de ter praticado atos no exercício dessas funções que lhe valeram um processo criminal.

Mas a avaliar pelo Despacho do Primeiro-Ministro e do seu Ministro das Finanças, há crimes que compensam, e que, em tempos de desemprego e baixos salários, valem uma prateleira dourada, bem paga, e com efeitos retroativos a 2010, no regaço acolhedor da Presidência do Conselho de Ministros. Não admira pois que o próprio Silva Carvalho, em declarações à comunicação social, tenha afirmado não ter qualquer desconforto em ir trabalhar na Presidência do Conselho de Ministros. No seu lugar, quem se sentiria desconfortável?

Desconfortáveis, sentir-se-ão os portugueses que não são acusados de qualquer crime e que foram brindados por este Governo com despedimentos, aumentos enormes de impostos, cortes de salários, de pensões e de apoios sociais, e que veem o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças premiar escandalosamente com um bom emprego no Estado alguém que é acusado da prática de crimes contra o próprio Estado.

Perante o efeito público deste escândalo, veio ontem o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, dizer, insolitamente, que o assunto de Silva Carvalho não está fechado. Não está fechado? Então, se o despacho está publicado no Diário da República com as assinaturas do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, o que lhe falta para estar fechado?

Mas o mesmo Secretário de Estado veio dizer também que o Governo não tenciona pagar retroativos a Silva Carvalho. Registamos essa declaração, mas se o Governo não tencionava pagar retroativos, porque será que consta expressamente do Despacho que os respetivos efeitos se reportam a 1 de Dezembro de 2010?

Senhora Presidente,
Senhores Deputados.

Este caso tem tais contornos de imoralidade e de falta de vergonha que o Governo só tem uma solução. Revogar este despacho antes de se demitir, ou seja, de imediato, antes que o próprio Silva Carvalho, instalado na Presidência do Conselho de Ministros, assista da sua poltrona, ao despedimento sumário daqueles que o lá colocaram.

Disse.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções