Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Sobre o Mercado Social de Arrendamento

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A Constituição da República Portuguesa determina que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Entende o PCP que o Estado deve assumir integralmente a responsabilidade, através de políticas adequadas, de garantir este direito fundamental a todos os portugueses.
Poder-se-á perguntar se Portugal dispõe, no momento atual, de condições materiais para cumprir este desígnio constitucional. A resposta é inequívoca e é dada pelos Censos de 2011: existem atualmente em Portugal 4 milhões de agregados familiares e cerca de 6 milhões de alojamentos disponíveis. Mesmo excluindo os alojamentos degradados, continua a haver em Portugal mais alojamentos do que agregados familiares, pelo que seria perfeitamente possível, com as políticas adequadas, garantir que todas as famílias dispusessem de uma habitação condigna.
Contudo, como muito bem sabemos, isso não acontece.
Em Portugal, muitas famílias, essencialmente as mais carenciadas economicamente, vivem em condições indignas. Tal situação não se deve a uma fatalidade ou azar do destino; deve-se, sim, ao facto de sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS terem ignorado o direito constitucional à habitação, não promovendo as políticas necessárias para que este direito se tornasse efetivo para todos os portugueses.
O atual Governo do PSD/CDS quer ir ainda mais longe: pretende transformar a habitação numa mera mercadoria, sujeita às leis dos sacrossantos mercados.
Na sua recente proposta de lei sobre arrendamento urbano — justamente conhecida como lei dos despejos —, assume isto mesmo, ao declarar, no preâmbulo, que a sua intenção é a de criar «um verdadeiro mercado de arrendamento».
Sabemos bem o que isto significa: negação do direito à habitação, despejo sumário de milhares de inquilinos, principalmente dos mais idosos, com contratos de arrendamento anteriores a 1990.
Como se isso por si só não constituísse um duro golpe no direito à habitação, o Governo meteu na gaveta a revisão do regime de renda apoiada.
Lembramos aqui que, há exatamente um ano, o PCP apresentou um projeto de lei que corrigia as manifestas injustiças do atual regime de renda apoiada, propondo critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda das habitações sociais.
Embora reconhecendo os problemas do regime em vigor, o PSD e o CDS optaram por propor, em alternativa ao projeto de lei do PCP, projetos de resolução que recomendavam ao Governo a revisão do regime de renda apoiada.
Desde o primeiro momento, o PCP denunciou que esta atitude dos partidos que suportam o Governo não passava de uma manobra dilatória destinada a adiar, por tempo indeterminado, a revisão, com critérios socialmente mais justos, do regime de renda apoiada.
O Governo e o Ministério de Assunção Cristas esqueceram-se, convenientemente, de aplicar a resolução da Assembleia da República, numa atitude extremamente penalizadora para os habitantes dos bairros sociais.
Vem agora o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana anunciar que as rendas sociais das habitações do Estado vão aumentar 150% nos próximos dois anos, afetando cerca de 12 500 famílias. Tal anúncio é a prova de que as alegadas preocupações do Governo com os mais carenciados não passam de pura propaganda.
Depois de impor uma iníqua lei de arrendamento urbano e de anunciar o aumento brutal das rendas sociais, pela mão da Ministra Assunção Cristas, aparece o Governo, pela mão de outro governante do CDS, o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, a tentar mais uma manobra de diversão: o mercado social de arrendamento, destinado, nas palavras do Governo, «a permitir a criação de um mercado intermédio entre o mercado de arrendamento livre e o mercado de arrendamento social».
Alegadamente, este mercado social de arrendamento disponibilizaria algumas centenas de habitações com rendas cerca de 30% inferiores às rendas praticadas no mercado. Contudo, tal afirmação já foi contrariada por agentes imobiliários, uma vez que os valores praticados no âmbito deste programa do Governo são, na maioria dos casos, idênticos aos do mercado normal de arrendamento.
Aliás, uma simples pesquisa dos imóveis oferecidos, no sítio da Internet disponibilizado para o efeito, permite comprovar este facto. Por exemplo, para um T2 em Silves é proposta uma renda de 370 € mensais, idêntica às rendas praticadas nessa cidade algarvia para uma habitação dessa tipologia.
Anunciou o Governo, pela voz do Secretário de Estado da Segurança Social, que «os jovens serão um grupo etário especialmente visado por este programa». Não deixa de surpreender tamanho cinismo de um Governo que se empenhou em reduzir drasticamente os apoios ao arrendamento por jovens.
Este programa governamental, mesmo que venha a conseguir arrendar algumas centenas de casas por preços um pouco mais baixos do que aqueles praticados no mercado normal de arrendamento, não será uma panaceia para os graves constrangimentos no acesso a uma habitação condigna que muitas famílias portuguesas enfrentam. Não será uma panaceia para os problemas existentes atualmente, nem para aqueles que surgirão com a aplicação da lei dos despejos.
O País não precisa destes programas de pacotilha. Do que o País precisa é de uma intervenção sistemática do Estado no setor da habitação, que garanta a todas as famílias portuguesas um alojamento condigno. O que o País precisa é de uma política que combata o desemprego, a precariedade e os baixos salários, que combata o empobrecimento dos portugueses em geral e dos trabalhadores em particular. Do que o País precisa é de uma política que sirva os interesses de Portugal e dos portugueses, uma política patriótica e de esquerda.

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