Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política do PCP, em Conferência de Imprensa do PCP

Sobre a gestão de recursos humanos na Saúde

 

A evolução do estado da saúde em Portugal, com destaque para as alterações que resultam de uma estratégia de privatização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), é hoje marcada pelo facto de 60% dos gastos do Estado com a saúde serem realizados no sector privado que já gere cerca de 50% dos serviços de saúde, números que vão subir rapidamente com a reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), o alargamento das convenções, a implementação das Parcerias Público Privado e dos muitos licenciamentos de grandes unidades hospitalares concedidos aos grupos privados de saúde.

Nesta ofensiva para debilitar o SNS e retirar ao Estado a sua função de prestador de cuidados de saúde, atribuindo-lhe apenas uma função de financiador, tem sido evidente uma estratégia que começou por criar uma linha de divisão entre os trabalhadores da saúde e os outros trabalhadores e os utentes, responsabilizando estes profissionais, particularmente os médicos e os enfermeiros, pelos atrasos dos serviços na prestação de cuidados e pela falta de qualidade de algumas respostas, campanha desenvolvida em torno dos ditos privilégios ao nível dos horários e das remunerações e que se desenvolveu ao longo dos últimos anos com a retirada de direitos, facilitando desta forma a fuga de profissionais para o sector privado e bloqueando o funcionamento de alguns serviços do SNS.

Estamos pois perante uma campanha ignóbil para desacreditar os profissionais de saúde e o próprio SNS, desenvolvida por aqueles que sabem que uma gestão ruinosa dos recursos humanos é o caminho mais eficaz para acabar com o SNS.

A falta de motivação dos profissionais, a não existência de uma política de recursos humanos que garanta uma carreira pública e a valorização profissional e salarial dos profissionais de saúde será, a muito curto prazo, uma contribuição decisiva para a fuga de muitos mais profissionais para o sector privado, mesmo sabendo que não é aí que vão encontrar as condições laborais que respondam aos seus anseios, e para o estrangeiro, gorando as expectativas de muitos jovens trabalhadores e desperdiçando mão-de-obra altamente qualificada em que o Estado também investe na sua formação.

Com o apoio parlamentar da maioria PS, o anterior Governo desenvolveu um pacote legislativo que assenta em quatro vectores fundamentais:

- Facilitar o despedimento e a saída dos trabalhadores da vida activa;

- Reduzir e eliminar direitos dos trabalhadores da Administração Pública, muitos deles consagrados na Constituição da República e reconhecidos a todos os trabalhadores portugueses;

- Agravar as condições de trabalho, aumentar a carga horária e desregulamentar as carreiras;

- Atacar e desacreditar os sindicatos – a força organizada dos trabalhadores – procurando reduzir a sua capacidade de organização e mobilização para a luta e fragilizar ainda mais o direito de negociação colectiva, com a negociação individual dos salários.

A lei 12-A/2008 que visa destruir as carreiras e reduzir vínculos e remunerações; a Lei da Mobilidade/Disponíveis, o SIADAP – Sistema de Avaliação repressivo, perverso e subjectivo que condiciona o direito à progressão e promoção nas carreiras pela imposição das quotas, o congelamento de salários e das progressões nas carreiras, incluindo a contagem do tempo de serviço, bem como o Estatuto Disciplinar, a fusão de carreiras, o regime Jurídico de Contrato de Trabalho para Funções Públicas e o novo regime de protecção social, são algumas das medidas incluídas no pacote legislativo que alteraram praticamente toda a legislação laboral.

O actual governo não só mantém todas as alterações introduzidas na anterior legislatura, como avançou com um conjunto de medidas, nomeadamente a regra - só entra 1 novo trabalhador com a saída de 3 - que vai funcionar como um garrote que vai asfixiando os serviços até estes paralisarem, bem como a antecipação de 2015 para 2010 da penalização de 6% nas reformas por cada ano a menos, que levou a que nos dois primeiros meses do ano, 300 médicos tenham pedido a passagem à reforma e muitos outros tenham entregue o pedido, reforçando assim o contingente que abandona o serviço público, particularmente em áreas como os cuidados primários nos Centro de Saúde e nos cuidados diferenciados nos Hospitais, sectores onde o privado tem mostrado uma grande agressividade na contratação de médicos.

A falta de médicos no SNS vai desta forma atingir pontos de ruptura, como acontece na área dos Cuidados Primários em que se prevê que em 2016 cerca de 80% dos médicos de medicina geral e familiar tenham mais de 55 anos.

Também os enfermeiros estão hoje confrontados, tal como estão todos os outros trabalhadores do sector da saúde com uma ofensiva sem precedentes e que visa a retirada e ou a redução de direitos conquistados. O crescente número de enfermeiros desempregados, a precarização dos vínculos e a desvalorização salarial não tendo em conta o actual patamar de formação mantendo uma situação de injustiça e discriminação dos enfermeiros face aos técnicos superiores da Administração Pública, são algumas das consequências mais evidentes da ofensiva a que têm estado sujeitos os enfermeiros portugueses.

Ainda ontem, num simulacro de negociação com o SEP, o governo manteve o carácter discriminatório da proposta remuneratória, ao propor que os enfermeiros continuem a auferir vencimentos bastante inferiores face a outros trabalhadores com igual habilitação académica e detentores de carreiras especiais; ao propor que até 2013 os enfermeiros que iniciem funções continuem a auferir vencimentos de bacharéis; não considerando nenhuma valorização económica na transição para a nova carreira – fazendo tábua rasa da aquisição de competências e qualificações mais elevadas que os enfermeiros adquiriram com a licenciatura ; e ao propor uma categoria de enfermeiro com 11 posições remuneratórias o que impedirá que qualquer enfermeiro possa chegar ao topo da carreira em tempo útil pois precisaria de 50 anos e um dia de trabalho efectivo.

Queremos desde já manifestar a nossa solidariedade para com os Enfermeiros portugueses e apoiar as formas de luta anunciadas por estes para o final do mês.
Um outro grupo de pessoal igualmente numeroso e também essencial para o funcionamento dos serviços, é o grupo de pessoal dos serviços de apoio. Também nestas áreas a carência de profissionais é enorme e a precariedade cada vez maior. O número de trabalhadores com vínculos precários e com contrato individual de trabalho não pára de aumentar, sendo que as condições e trabalho destes últimos continuam sem estar definidas.

A agravar ainda mais a situação o facto da negociação do Acordo Colectivo de Trabalho para os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho nos Hospitais EPE, iniciada no final de 2003, ainda estes eram SA, esteve parada dois anos e somente foi retomada em Janeiro deste ano, depois do Governo a ter interrompido unilateralmente no início de 2009.

No quadro da sua intervenção política geral e institucional ao longo dos anos, o PCP esteve sempre na linha da frente da luta pela defesa do que é prioritário neste momento – um Serviço Nacional de Saúde como serviço público, única forma de garantir a universalidade e o acesso de todos os portugueses a todos os cuidados de saúde, independentemente da sua situação social e económica.

É fundamental promover a sustentabilidade, reorganização e financiamento adequado do SNS que promova o desenvolvimento pleno das suas potencialidades, o total aproveitamento da capacidade instalada, o reforço dos recursos técnicos e humanos para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde acessíveis a todos os cidadãos. Para tal o PCP defende o aumento do número de profissionais de saúde e as admissões para as instituições prestadoras de cuidados de saúde, garantindo elevados níveis da qualidade dos cuidados; a valorização do espírito de missão conforme à prestação de um serviço público de saúde e o restabelecimento de salário igual para trabalho e condições de trabalho iguais, tornado atractiva a prestação de serviço no SNS.