Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre alteração à Lei da Nacionalidade

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,

Estamos a discutir dois projetos de lei que estão nas antípodas um do outro.

Começaremos, então, de acordo com a ordem de entrada na Mesa, pelo projeto de lei do PSD. Já tivemos ocasião, na Legislatura anterior, de manifestar a nossa oposição a este tipo de solução. Estamos a falar de quê?

Estamos a falar de cidadãos portugueses que emigraram para outros países, que tiveram os seus filhos nos outros países e que não lhes atribuíram a nacionalidade portuguesa quando o podiam ter feito.

Portanto, os filhos desses cidadãos que, segundo a lei portuguesa, seriam portugueses de origem, não o foram, pela simples razão de que os seus pais preferiram atribuir-lhes outra nacionalidade.

Bom, agora que têm netos e que Portugal é um País da União Europeia veio-lhes todo o patriotismo ao de cima e querem dar aos seus netos, per saltum, aquilo que não quiseram dar aos seus filhos. Então, é caso para perguntar onde é que estava o portuguesismo quando não quiseram atribuir a nacionalidade portuguesa aos seus filhos e podiam tê-lo feito!

Mas o que há de mais absurdo nesta solução é que se procura dar uma nacionalidade originária a algo que não é originário. Ou seja, uma nacionalidade originária é a de origem, não pode haver uma nacionalidade originária com efeito retroativo. Para isso é que existe a naturalização!

Mas os senhores não querem a solução da naturalização pela simples razão de que querem abranger pessoas que não têm qualquer ligação à comunidade nacional. Por isso é que, na Legislatura anterior, o Partido Socialista deu ao PSD a benevolência de aprovar legislação neste sentido, dizendo que era necessário haver alguma ligação à comunidade nacional.

É isso que os senhores agora querem eliminar, ou seja, querem atribuir nacionalidade portuguesa a quem não tem condições para a requerer por naturalização. Como não têm condições para o menos, os senhores querem dar-lhes o mais!

Srs. Deputados, é uma distorção às regras de atribuição da nacionalidade portuguesa, à qual, pensamos, não se deve incorrer. Não devemos transformar a aquisição da nacionalidade portuguesa numa espécie de nacionalidade de conveniência, ou seja, «porque dá jeito queremos ser portugueses»! Não contarão connosco para essa solução.

O projeto de lei do Bloco de Esquerda tem um princípio generoso. Podemos dizer que compartilhamos o princípio de que deve haver um alargamento do princípio do jus soli na legislação relativa à nacionalidade portuguesa.

Consideramos, no entanto, que os termos usados no projeto de lei do Bloco de Esquerda vão longe demais quanto a isso. Quer parecer-nos que, de facto, se deve alargar o princípio do jus soli e que se deve ajudar a resolver um outro problema, que é do passado.

Trata-se de pessoas que nasceram em Portugal e que não adquiriram a nacionalidade portuguesa, não lhes foi atribuída originariamente nos termos da lei e que não a obtiveram por naturalização, por via de entraves burocráticos.

Pensamos que isso deve ser resolvido efetivamente, porque achamos que pessoas que nasceram e foram criadas em Portugal, que têm Portugal como o seu País, devem poder ser portugueses. Isso deve ser resolvido.

Mas daí a considerar que qualquer cidadão que nasça em Portugal, mesmo que acidentalmente, adquira a nacionalidade portuguesa originária, parece-nos que é ir longe demais e que deve haver algum critério melhor pensado relativamente a essa matéria.

Ou seja, para um alargamento do jus soli contarão connosco, mas um alargamento irrestrito desse princípio quer parecer-nos que é uma solução que não é muito ponderada e que deveria ser melhor equacionada do ponto de vista, sublinho, da necessidade de alargar a sua aplicação.

Do nosso ponto de vista, o princípio do jus soli ainda é excessivamente restrito.

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