Nota do Gabinete de Imprensa do PCP

Sobre o acordo do Governo do PS com o PSD celebrado entre Rui Rio e António Costa em matéria de transferência de competências para as Autarquias Locais e de Quadro Financeiro Plurianual da UE

1. O acordo hoje subscrito ao mais alto nível entre o PS e o PSD quanto à transferência de competências para as autarquias e sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia “Portugal 2030” reveste-se de um inegável significado político. Significado não só expresso na relevância política das matérias em causa mas pela ostensiva visibilidade e notoriedade que se lhe decidiu atribuir.

Não se está perante matérias marginais, de dimensão técnica ou apresentáveis em nome de genérico “interesse nacional”, mas sim de opções em áreas cruciais para o País que ao longo de décadas têm sido determinadas pela política de direita e feito convergir PS, PSD e CDS.

2. O Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia assume como elementos estratégicos todas as orientações de aprofundamento da integração capitalista, responsável pelo desenvolvimento desigual, injusto e assimétrico entre os diferentes países na União Europeia e que tem acentuado a divergência de Portugal neste quadro.

Não se estranha, por isso, que um Documento integrado na reforma da Zona Euro e no aprofundamento de outros mecanismos de natureza neoliberal e federalista possa unir PS e PSD. As linhas essenciais do próximo Quadro Financeiro Plurianual agora chancelado pelo Governo e o PSD é contrário aos interesses do País, assume prioridades alinhadas com objectivos supranacionais determinados pelas transnacionais e o directório das grandes potências, reduz o montante global de fundos disponíveis, particularmente para a agricultura e para as políticas de coesão, aprofunda a transferência dos fundos comunitários para os grupos económicos, adopta uma maior financeirização e centralização da aplicação dos fundos.

3. O acordo hoje subscrito sobre a transferência de competências para as autarquias locais traduz a convergência de quatro décadas entre PS e PSD no percurso de desresponsabilização do Estado por funções que lhe competem e de transferência de encargos para as autarquias, sacudindo para cima do Poder Local a justa insatisfação da população pela ausência de resposta que, em nome do défice e da dívida, tem negado o investimento e financiamento devido em áreas essenciais.

Durante quatro décadas foi pela mão destes partidos que se privilegiou a desconcentração enquanto instrumento de fuga à regionalização – sempre adiada por PS e PSD -, e que se agravaram as condições de financiamento das autarquias com a revisão dos regimes legais e o seu posterior incumprimento.

Os pressupostos em que assenta o processo não deixam margem para dúvidas: a explícita afirmação de que, deste processo, não pode resultar aumento de despesa pública; o crónico subfinanciamento patente em todos os domínios a transferir; a intenção de situar a quantificação de meios (já por si subavaliados) na perspectiva da manutenção/conservação ignorando o estado actual de partida do património e demais recursos associados.

4. Denominar de descentralização o processo de transferência de competências para as autarquias locais é uma falácia. Para o PCP, descentralizar é bem mais que isso: envolve a regionalização sem a qual não haverá uma delimitação coerente de competências entre os vários níveis de administração; exige a reposição das freguesias com o que isso representa de proximidade e participação democrática; inclui a transferência de poderes para planear, programar e executar as infraestruturas e equipamentos necessários; impõe a afirmação plena da autonomia administrativa e financeira que constitucionalmente o Poder Local tem consagrado. Condições essenciais a um processo sério de descentralização que uma vez mais PS e PSD adiam a pretexto de novos e infindáveis estudos.

5. A transferência de encargos para as autarquias e a desresponsabilização do Estado são parte de uma orientação estratégica de desestruturação de funções sociais constitucionalmente consagradas.

Para o PCP é inaceitável que direitos fundamentais como os direitos à segurança social, à saúde, à educação e à cultura fiquem dependentes e condicionados pelas possibilidades financeiras de cada autarquia pondo em causa a sua efectiva garantia.

O acordo hoje firmado representa um passo na reconfiguração do Estado ao arrepio da Constituição (inscrita em parte no Guião para a Reforma do Estado do governo PSD/CDS aprovada em Conselho de Ministros em 2014), contrária aos interesses da população e atentatória da assumpção pelo Estado de funções cuja dimensão universal e pública só este pode garantir a partir de políticas nacionais e que, pela sua natureza, não podem encontrar resposta séria no emparcelamento territorial que da concretização deste acordo resultaria.

6. O PCP sublinha que foi a convergência de PS, PSD e CDS, expressa na política imposta por sucessivos governos que conduziu o País a uma grave situação no plano económico e social. Uma convergência em torno de uma política que agravou a dependência externa, degradou o aparelho produtivo, fragilizou os direitos dos trabalhadores, privatizou empresas e recursos estratégicos, endividou o País, concentrou riqueza e poder nas mãos do grande capital. Uma convergência que trouxe problemas em vez de soluções para o País.

Com o acordo agora subscrito, é essa convergência - em sim mesma contrária a muitas das medidas positivas que foram possíveis de adoptar nos últimos anos - que fica uma vez mais exposta e que constitui uma ameaça ao desenvolvimento, ao progresso e à soberania nacional.

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