Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

A soberania reside no povo português

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Sr.ª Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Faço um reparo prévio: pode o Governo definir a sua grelha de intervenção nos debates quinzenais mas não pode impô-la aos grupos parlamentares, definindo o que podem dizer e o que podem perguntar.

Portanto, creio que isto é importante para clarificar uma doutrina futura. Nesse sentido, damos razão à intervenção do Sr. Deputado António José Seguro, e dizemo-lo tanto mais à vontade quando queremos falar do Conselho Europeu que se realizará amanhã.

Sr. Primeiro-Ministro, em relação a esse Conselho Europeu, descontadas a propaganda e as declarações gerais que estão impregnadas nesse documento, comecemos pela política económica.

Perante a gravidade do desemprego, nomeadamente entre os jovens, e a diminuição efetiva das condições de vida, a União Europeia nada mais tem a apresentar do que a continuação das suas políticas que estão na raiz da atual situação.

Saberá o Sr. Primeiro-Ministro que as suas políticas neoliberais já estão definidas e inscritas na Estratégia de Lisboa e, agora, na denominada Estratégia Europa 2020.

Mesmo as tímidas medidas que se esboçam para o proclamado crescimento são, no fundamental, dirigidas aos grandes grupos económicos e financeiros e a países como a França e a Alemanha.

Nesse sentido, é caso para dizer que «a montanha pariu um rato». Pelo que se vê, até aqueles que falavam muito no chamado protocolo sobre o crescimento e o emprego adicional ao Tratado Orçamental «meteram a viola no saco»: nem soluções mínimas de Estado, acabando com o jogo usurário de a banca emprestar 6% e depois descontar o papel a 1%, se admitem considerar. Aliás, nem a panaceia dos eurobonds, pois a Sr.ª Merkel já estabeleceu o prazo de vida que tem, dizendo «nem pensem, até que eu morra».

Por isso, pensamos que a quadratura do círculo se mantém. Como é que resolve a contradição, Sr. Primeiro-Ministro, de a austeridade não jogar com o crescimento e com o emprego? Como assegura o crescimento com a manutenção de medidas e de políticas que estão na origem do aumento do desemprego e da recessão económica e que, no nosso caso, estão inscritas no chamado Memorando de Entendimento, nesse pacto de agressão contra o nosso País?

Va lá, na parte final da sua intervenção teve uma recaída e baixou as expetativas em relação a este Conselho. Mas não acha que é insanável esta contradição de persistir na mesma política e dizer que se vão resolver problemas como o desemprego e a recessão?

(…)

Sr.ª Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Fiquei profundamente preocupado com a sua disponibilidade para considerar propostas que põem outros a decidir por nós, o nosso Orçamento do Estado, a nossa política económica, a nossa política fiscal, a nossa emissão de dívida.

Será que vai dizer «sim» à continuação do esvaziamento das competências da Assembleia da República e dos órgãos de soberania nacionais, transformando-os numa caixa de ressonância da União Europeia sob a batuta da Alemanha?

Será que vai dizer «sim», sendo o País reduzido a uma região de um superestado dirigido e controlado pelas grandes potências da União Europeia e pelos grandes interesses financeiros e económicos?

Será que vai dizer «sim» a mais um inaceitável ataque à soberania nacional, à democracia e a esse direito inalienável de o povo português decidir o seu presente e o seu futuro?

(…)

Sr.ª Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Lamento que não tenha tempo para responder mas, de qualquer forma, queria lembrar-lhe que a soberania reside no povo — não sou eu que o digo, é a Constituição da República — e, porque referiu os tratados, designadamente o Tratado de Maastricht, lembro-lhe que o povo português não foi consultado.

Essa soberania, que reside no povo, foi, de facto, esbulhada e não foi exercitada nesse momento de discussão e aprovação do Tratado de Maastricht.

É pena já não dispor de tempo para responder, Sr. Primeiro-Ministro, mas há um aspeto da ordem de trabalhos do conselho que se inicia amanhã que quero referir e que tem a ver com o orçamento comunitário e com o quadro financeiro de 2014-2020.

A realidade tem vindo a expor o esvaziamento sistemático do conteúdo daquele princípio tantas vezes proclamado da coesão económica e social. O orçamento comunitário reduziu-o, como sabe, e devia ser um instrumento de justa redistribuição dos meios financeiros mas a verdade é que está cada vez mais ao serviço das grandes potências. A dita política de coesão é cada vez mais reduzida, mais subalternizada e condicionada na utilização dos seus meios financeiros.

Uma vez mais, as grandes potências da União Europeia ditam as regras do jogo, os que mais ganham com a integração capitalista europeia já nem se preocupam com o minimizar dos enormes custos do mercado único e da União Económica e Monetária para os países economicamente menos desenvolvidos. Face a tais intenções de redução do quadro financeiro para 2014-2020, aquilo que deveria fazer, Sr. Primeiro-Ministro — não lhe pergunto porque não tem tempo para responder —, era rejeitar esta farsa de solidariedade que existe neste momento em relação à União Europeia.

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