Intervenção de

Situação social, desemprego e pobreza - Intervenção de António Filipe na AR

Interpelação ao Governo n.º 25/X sobre a situação social, desemprego e pobreza

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Chegamos ao fim desta interpelação com a convicção de que este Governo é absolutamente incapaz de enfrentar a grave crise com que o país se debate.

Em cada dia que passa, sucedem-se as notícias de empresas que fecham, de trabalhadores que são despedidos, de patrões que se aproveitam da crise para encerrar empresas e para fazer despedimentos selvagens.

Em cada dia que passa, todos sentimos que a crise se agrava vertiginosamente, que o desemprego e a pobreza alastram, que se avizinha a mais grave crise social que o nosso país alguma vez conheceu nos últimos 35 anos.

O PCP trouxe hoje a esta Assembleia a realidade com que o País se confronta. O retrato real do país que somos não é o que transparece da despudorada propaganda do Governo ou do discurso oficial desta maioria em que já ninguém acredita. O que hoje marca o quotidiano do nosso país é o desemprego e o trabalho precário e sem direitos, são os trabalhadores dispensados da função pública, são as empresas a encerrar ou a suspender a actividade, são os salários em atraso, são os despedimentos a pretexto da crise.

Só no passado mês de Janeiro, a falência de 80 empresas lançou 11 000 trabalhadores no desemprego, 354 novos desempregados por dia.

E o Sr. Ministro não se coibiu de vir aqui dizer que o desemprego está a diminuir, o que é bem revelador da irresponsabilidade com que o Governo encara os problemas do País e as dificuldades que os portugueses enfrentam.

Os trabalhadores, os reformados, os jovens sem perspectivas de emprego digno, as camadas sociais mais desfavorecidas sofrem as consequências de mais de 30 anos das mesmas políticas, que não resolvem os problemas do País, que agravam as desigualdades sociais e que degradam as condições de trabalho e de vida da grande maioria dos portugueses.

Ao longo destes anos, governos PS, governos PSD, governos PS/PSD, governos PS/CDS e governos PSD/CDS mais não fizeram do que aplicar no nosso país a cartilha neoliberal, do endeusamento do mercado livre, da suposta superioridade da gestão privada sobre a gestão pública, das privatizações de empresas e serviços públicos, de sucessivos pacotes de leis laborais à medida dos interesses do patronato e de destruição sistemática dos direitos dos trabalhadores, de liquidação sistemática das conquistas e dos valores da revolução de Abril, sempre em nome da modernidade, sempre em nome da suposta inevitabilidade de um modelo económico e social que entrou em colapso e cuja falência ameaça deixar atrás de si um rasto terrível de desemprego e de miséria.

A diferença entre os partidos que têm governado o País nos últimos 35 anos é a de que se «uns dizem mata, os outros dizem esfola».

Particularmente nos últimos anos, os trabalhadores portugueses têm sido asfixiados pela obsessão do défice.

Os salários reais reduzem-se, sistematicamente, há oito anos consecutivos; destroem-se os direitos dos trabalhadores; degradam-se as condições de reforma e de aposentação; degradam-se, encarecem e encerram os serviços de saúde; degradam-se as condições de assistência dos trabalhadores na doença e na sinistralidade laboral; descaracteriza-se a escola pública; encarece e torna-se impossível, para muitos, o acesso à justiça. E, no fim de tudo, voltamos à estaca zero e nem sequer se reduziu o défice.

Depois de ter sido solenemente prometida a criação de 150 000 postos de trabalho, o saneamento das contas públicas e o melhoramento das condições de vida, os portugueses continuam confrontados com uma política que falhou, clamorosamente, e com um Governo que dá, hoje, de si, a imagem de uma total desorientação e de uma total incapacidade para resolver os problemas do povo e do País.

A recente afirmação do Sr. Ministro das Finanças de que «não há GPS que nos valha, que a única solução é tentar ver estrelas, e que nem isso é possível com um céu tão nublado» é a confissão absoluta de que o País está ser conduzido por quem não é capaz de «ver um palmo à frente do nariz».

A resposta do Governo e da maioria, perante as preocupações que aqui expressámos e que são as preocupações que, hoje, assaltam os portugueses, é bem a demonstração da arrogância e do desespero.

Trata-se de um Governo e uma maioria de quem os portugueses já nada esperam, limitam-se, hoje, a ostentar a arrogância de ainda serem maioria e não sabem fazer mais que criticar a oposição.

O Governo e a maioria limitam-se a oferecer ao País mais do mesmo; insistem na bondade das políticas que afundaram o País na crise; recusam, sistematicamente, as propostas do PCP que representariam uma real ruptura com essas políticas e ainda se permitem acusar a oposição de não ter propostas e de não ser alternativa ao actual Governo.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A crise global por que o sistema capitalista está a passar não «caiu do céu» nem é um fenómeno inevitável da natureza. Esta crise é o resultado - esse, sim, inevitável e previsível - de um sistema económico que sacrifica tudo à ânsia do lucro, que impõe a acumulação da riqueza à custa da exploração e da miséria e que transformou as últimas décadas numa orgia de especulação e de verdadeiro banditismo económico e financeiro, cujos resultados começam agora a estar tragicamente à vista.

O Estado, que não tinha dinheiro para aumentar salários e pensões, que não tinha dinheiro para investir na saúde, na educação, na segurança social e no bem-estar das pessoas, tem, agora, todo o dinheiro do mundo para salvar os bancos da falência.

Num momento em que a crise se agudiza, a economia entra em grave recessão e os trabalhadores perdem os empregos, a preocupação dos governos - Governo português incluído - não é a de criar condições para que as pequenas e médias empresas sobrevivam, apoiar os sectores produtivos, ou aumentar o apoio social aos desempregados, mas, antes, usar o dinheiro dos contribuintes para comprar aos bancos o «lixo tóxico» que os próprios produziram e que vale, hoje, rigorosamente nada!

As empresas e as famílias que, ao longo destes anos, têm sido obrigadas a engordar os lucros fabulosos do sector financeiro, à custa dos juros altos e do garrote do endividamento, são agora obrigadas a entrar com o dinheiro com que os governos pretendem salvar os seus espoliadores da falência.

A dita nacionalização do Banco Português de Negócios, destinada exclusivamente a usar a banca pública para «tapar um buraco» que já se estima em 1800 milhões de euros, é um insulto a todos os portugueses que vivem do seu trabalho ou que vivem com as magras reformas que auferem ao fim de uma vida inteira de trabalho.

Os governos demonstram, assim, que continuam a estar do lado de quem sempre estiveram. As supostas medidas de combate à crise não visam ajudar as empresas e as famílias a superar as dificuldades com que vão sendo cada vez mais confrontadas, porque o seu objectivo fundamental não é o de combater a crise económica, mas o de salvar os lucros da banca e os privilégios dos banqueiros à custa dos mesmos de sempre: à custa de quem trabalha, à custa dos que menos têm e menos podem e que não têm qualquer responsabilidade na falência dos bancos.

O PCP, ao fazer esta interpelação ao Governo e ao avançar com um conjunto de propostas, que visam, de facto, combater a profunda crise que o País atravessa, pretende deixar uma mensagem muito clara a todos os portugueses: a de que este partido não se resigna com as injustiças; não aceita que o desemprego e a pobreza que crescem neste país sejam uma fatalidade; e não vira a cara à luta, por maiores que sejam as dificuldades!

Os portugueses sabem, nos momentos difíceis, quem são aqueles com quem podem realmente contar!.

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