Intervenção de

Situação no Iraque<br />Intervenção de António Filipe

Senhor Presidente, Senhores Deputados,O Diário de Notícias informa hoje em primeira página que, em face da escalada de violência no Iraque, o Governo português pondera a substituição do contingente da GNR que em má hora foi enviado para esse país, por uma força do Exército.Esta notícia, que ainda não foi desmentida, constitui uma prova cabal da completa desorientação em que o Governo Português se encontra depois de ter embarcado na aventura da ocupação militar do Iraque e que já havia sido ontem demonstrada pela falta de resposta do Ministro da Administração Interna às perplexidades que os portugueses obviamente manifestam quanto ao futuro da presença de um contingente português num teatro de guerra em que a situação de agrava de dia para dia.O Ministro da Administração Interna compareceu ontem nesta Assembleia para nos falar da situação no Iraque e a única coisa que nos disse, para além dos slogans do costume, foi que não sabe quando será o regresso da GNR. O mandato é de seis meses, prorrogável. Será prorrogado. Até quando? O Governo não sabe.Em 21 de Maio de 2003, dois ministros deste Governo vieram a esta Assembleia justificar o envio de um contingente da GNR para o Iraque. O Então Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro da Administração Interna que permanece em funções. Da intervenção feita pelo primeiro destes membros do Governo, merece hoje a pena reter o seguinte:“Terminado o conflito iraquiano, que para embaraço de alguns pessimistas durou menos de 4 semanas e não teve as consequências catastróficas que outros (ou os mesmos) pessimistas vaticinavam e anunciavam, a comunidade internacional tem agora pela frente um desafio onde podemos identificar quatro processos: A estabilização do Iraque; a assistência humanitária às suas populações; a reabilitação e a reconstrução; o desenho e a criação de um futuro democrático.”Ou seja, segundo o Governo, Portugal não ia participar na guerra mas na reconstrução do pós-guerra, a GNR não teria missões tipicamente militares mas antes policiais, o cenário que a GNR iria encontrar não seria de hostilização mas de aceitação, quando não de acolhimento triunfal, por parte das populações.Ora é hoje mais que evidente que este cenário idílico está rotundamente desmentido e que em vez da pacificação, da estabilização, da reconstrução e da democratização, aquilo a que todo o mundo assiste é ao agravamento da insegurança e à rápida evolução para uma situação de guerra aberta contra as tropas ocupantes, entre as quais o contingente português obviamente se integra.É hoje uma evidência que os pressupostos em que o Governo Português baseou o envio da GNR para o Iraque falharam completamente. A situação é de guerra, como todos sabemos. A ocupação não é bem vinda pelos iraquianos, como já todos percebemos. Os riscos da missão da GNR cresceram enormemente. Vive-se uma crise gravíssima, de novos contornos, com o sequestro e mesmo a horrível liquidação de civis. A coligação militar de ocupação fragiliza-se de dia para dia com sucessivos governos a anunciarem a reconsideração da sua posição, incluindo países da NATO como a Espanha ou a Polónia.E no meio de tudo isto como reage o Governo Português? O Ministro da Administração Interna limita-se a considerar prorrogada a missão da GNR sem termo certo. O Primeiro-ministro limita-se a mandar regressar os civis, não podendo dar garantias quanto à sua segurança. E entretanto, equaciona-se o envio de um contingente militar em face do agravamento da situação. Perante a degradação da situação no Iraque e a completa derrocada das suas irrealistas previsões, o Governo exibe a mais completa desorientação.Os poucos defensores da guerra que ainda não se remeteram a um prudente silêncio, recorrem agora amais incrível dos argumentos: Não podemos retirar do Iraque, porque se o fizéssemos, a situação poderia ser ainda pior. Aliás, ainda há poucos dias ouvimos o eurodeputado do PSD José Pacheco Pereira nas suas vestes de analista, afirmar que a guerra no Iraque terá valido a pena porque não sabemos se, não tendo havido guerra, a situação não estaria pior.Estes argumentos dos defensores da guerra e da permanência da ocupação militar do Iraque, as tais pessoas sensatas de que fala o Ministro Figueiredo Lopes, continuam a fazer assentar as suas opções na base das meras suposições, mesmo depois de todas as suposições anteriores se terem revelado completamente infundadas.Os Estados Unidos, e os seus parceiros de coligação, invadiram o Iraque porque diziam supor que houvesse lá armas de destruição em massa. Suposição falsa.Supunham que atacando e ocupando o Iraque iriam reduzir a ameaça terrorista. Como tragicamente se vê, suposição falsa.Supunham que os invasores iriam ser recebidos como libertadores. Suposição falsa.Supunham que iriam pacificar e estabilizar o Iraque. Suposição falsa.Supunham, ou diziam supor, que iriam implantar a democracia no Iraque. Suposição falsa, porque como muito bem se sabe, a democracia não se impõe à bomba nem à custa do massacre das populações.Supunham que a guerra do Iraque iria ter repercussões positivas na resolução do conflito israelo-palestiniano. Suposição falsa, como se viu ainda ontem, quando Bush e Sharon rasgaram publicamente o roteiro para a paz. Mas apesar de falhadas todas as suposições, o Governo quer que Portugal mantenha a sua presença militar no Iraque, supondo que se assim não fosse, as coisas poderiam ficar pior. E em que baseia essa suposição? Obviamente, em nada.Senhor Presidente, Senhores Deputados,Basta ler a imprensa americana e as insistentes comparações que vão sendo feitas entre a guerra do Iraque e a do Vietname; basta dar um pouco de atenção ao que pensam os cidadãos comuns, a opinião pública, dos países beligerantes; basta olhar para a realidade sem ideias pré-fabricadas, para ter de reconhecer que a guerra do Iraque foi e é um gigantesco atoleiro para todos os que quiseram deixar-se atolar.Ninguém sabe como tudo isto vai acabar. E o Governo português que, ao contrário de alguns dos seus parceiros europeus que não embarcaram nesta aventura e que só têm de se congratular com isso, se deixou envolver no atoleiro do Iraque, em vez de fazer uma reflexão serena sobre todo o processo, de reconhecer os seus erros, e de arrepiar caminho, continua a seguir de forma acéfala as posições irresponsáveis das autoridades norte-americanas, e de ensaiar novas fugas para a frente na base de slogans mais que desacreditados.No mesmo dia em que é reafirmada em Espanha, pelo futuro Primeiro-ministro, a retirada das suas tropas em 30 de Junho, anuncia-se em Portugal o possível envio de tropas a partir dessa data, se a situação se agravar.

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