A situação dos trabalhadores imigrantes em Portugal - Conferência de Imprensa do Grupo de Trabalho para as Questões da Imigração e das Minorias Étnicas do PCP

Alguns aspectos sobre a situação dos trabalhadores imigrantes em Portugal

As questões da imigração em Portugal constituem, de forma crescente, um aspecto de grande relevo na realidade nacional, quer pelo contributo dos imigrantes ao desenvolvimento do País, quer pelas difíceis condições de vida em que a grande maioria se encontra.

Se ao total de autorizações de residência somarmos o número dos que, ao longo do ano 2001, têm vindo a solicitar a autorização de permanência, ao abrigo do novo enquadramento legal, verifica-se que o seu número ascende a mais de 250 mil imigrantes. São números que pecarão por defeito, pois continuam a existir trabalhadores imigrantes em situação ilegal.

Seis meses após a entrada em vigor do Decreto-lei 4/2001, de 10 de Janeiro, impõe-se avaliar se este visou a legalização dos imigrantes em situação irregular, favorecendo o exercício dos seus direitos e a sua a integração - tal como afirma o Governo -, ou se a sua aplicação prática vem confirmar as razões de crítica e de oposição do PCP quando afirma que estamos perante uma solução precária, que não responde com eficácia e com justiça aos problemas da imigração em Portugal e à defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores estrangeiros que procuram Portugal para trabalhar e viver.

O elevado número de pedidos de autorização de permanência concedidos até agora (cerca de 75 mil) e de pedidos de vistos nos contratos (mais de 80 mil) veio dar razão ao PCP quando afirmava que a imigração era um problema estrutural e não excepcional e que, por isso, exigia medidas permanentes e concertadas.

A autorização de permanência, figura surgida no novo diploma, criou uma expectativa de solução para milhares de clandestinos residentes em Portugal. Contudo veio a verificar-se que este regime apenas criou os "imigrantes de segunda", a quem apenas se reconhece o direito a trabalhar temporariamente, negando-lhes outros direitos fundamentais.

Não lhes é reconhecido o direito ao reagrupamento familiar, já que o enquadramento legal permite apenas um visto de visita que não lhe dá o direito a poder trabalhar.

Desde já, a actual lei, estabelecendo um longo período para a eventual obtenção de direitos de cidadania para estes imigrantes, não consagra esta garantia com clareza.

São usados como mão-de-obra temporária, de baixo custo e facilmente descartável, e numa estratégia para aumentar os níveis de exploração e de manutenção de baixos salários e elevada precariedade, de tentativa de desregulamentação das relações laborais para o conjunto dos trabalhadores - imigrantes e portugueses.

Estão sujeitos a desumanas condições de vida e de trabalho, sem a garantia de direitos humanos básicos. Particularmente vulneráveis face às redes internacionais de trabalho ilegal - que exercem sobre eles exploração económica, coacção física e psicológica; face aos que se dedicam ao negócio de "venda de contratos"; perante as entidades patronais que retêm, indevidamente, os seus passaportes; e perante os que os obrigam ao pagamento de um ou dois salários para celebrarem o contrato de trabalho.

A aplicação do Decreto-lei 4/2001 tem gerado uma panóplia de dificuldades. Há descoordenação de diversos serviços da Administração Pública que intervêm neste processo e registam-se situações de ruptura na capacidade de resposta célere às múltiplas solicitações dos cidadãos estrangeiros em Portugal, com evidente prejuízo destes e dos trabalhadores destes serviços.

No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) têm vindo a registar-se longas filas de espera sem o mínimo de condições. O aumento dos postos de atendimento não se tem traduzido numa mais célere capacidade de resposta aos requerentes. Muitos têm sido os exemplos, ao longo dos meses, de descoordenação entre serviços quanto aos requisitos necessários para a obtenção da autorização de permanência, quanto à instabilidade na sua organização, com mudanças de locais de atendimento, etc..

A Inspecção Geral do Trabalho não tem desenvolvido uma intervenção concertada visando repor a legalidade e os direitos de muitos trabalhadores sujeitos a diversas arbitrariedades. Trabalhadores que obtiveram a autorização de permanência encontram-se com salários em atraso ou retidos para pagamento do contrato que a entidade patronal lhes fez. Verificam-se situações de retenção indevida, pelas entidades patronais, do passaporte do imigrante após a obtenção da legalização.

Ao ser condicionada a obtenção de autorização de permanência à total legalização da actividade económica do empregador, faz-se injustamente recair sobre o trabalhador as consequências de uma situação que não lhe é imputável.

Registam-se situações de retenção de contratos de trabalho, por parte do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), sem qualquer tipo de justificação e sem menção do prazo para decidir sobre a validade ou não desses contratos.

Muitas vezes não são salvaguardados os direitos, designadamente o direito à saúde, aos trabalhadores que, tendo entregue os requisitos legais necessários, aguardam a "autorização de permanência".

Em suma, a realidade é fortemente penalizadora dos milhares de imigrantes, que dão um importante contributo em vários sectores de actividade, designadamente na construção civil, incluindo as obras públicas em curso.

Sendo uma solução precária para os imigrantes, o actual enquadramento legal tem permitido ao Governo do Partido Socialista alimentar um discurso oficial de "respeito pelos direitos humanos", criando equívocos sobre o real alcance político deste decreto-lei.

O PCP, não obstante a forte crítica ao Decreto-Lei 4/2001 - em cuja elaboração procurou influir, no sentido de eliminar alguns dos aspectos mais perniciosos inicialmente propostos -, considera que os imigrantes em situação ilegal devem procurar regularizá-la, apesar de esta ser uma solução precária que não propicia uma real integração e acolhimento no nosso País. Nas instâncias onde participa, o PCP continuará a exigir ao Governo a adopção de medidas adequadas que permitam criar as melhores condições para:

  • abrir novos postos do SEF onde são necessários e melhorar as condições de resposta e de humanização destes serviços;
  • garantir uma melhor coordenação, no plano nacional, entre as diversas entidades envolvidas no processo de obtenção da autorização de permanência;
  • garantir que a Inspecção Geral do Trabalho fiscalize, combata e penalize as empresas que usam o trabalho clandestino;
  • que esta entidade assegure também o cumprimento dos direitos dos trabalhadores, imigrantes e portugueses, a quem são violados direitos fundamentais;
  • clarificar, na lei, os requisitos necessários para passar de autorização de permanência para uma autorização de residência;
  • disponibilizar recursos que visem promover o apoio na aprendizagem da língua, como uma das vertentes que podem contribuir para a integração na sociedade de acolhimento.

5. O PCP não deixará, entretanto, de continuar a agir com vista a uma lei que salvaguarde:

  • a concessão de autorização de residência aos cidadãos estrangeiros que vivem e trabalhem em Portugal;
  • a limitação dos poderes discricionários do SEF, em particular em matéria de expulsão de cidadãos estrangeiros, reforçando as garantias quanto à possibilidade de recorrer, em tempo útil, das decisões administrativas que afectem os seus direitos;
  • a adopção de um regime de obtenção de vistos de trabalho mais aberto e menos policial;
  • o combate à exploração ilegal do trabalho de estrangeiros, através de um regime sancionatório dissuasor;
  • a extensão e a garantia efectiva do direito ao reagrupamento familiar.

Constitui motivo de preocupação para o PCP a situação legal dos cidadãos totalmente indocumentados. São, essencialmente, pessoas que fugiram de conflitos armados ou de situações de perseguição política e que, pela forma como fugiram, não conseguiram trazer consigo os seus documentos de identificação pessoal. São, na maior parte, requerentes de asilo, a quem o mesmo foi negado por falta de provas documentais da sua nacionalidade e identidade. Muitos deles são injustamente expulsos para os países de origem. Outros, porém, vivem entre nós, trabalham clandestinamente, sujeitos a todo o tipo de exploração.

O PCP irá, na próxima sessão legislativa, retomar a iniciativa parlamentar no sentido de garantir que os pedidos de asilo, que sejam apresentados em Portugal, sejam efectivamente apreciados e não fiquem sujeitos a indeferimento liminar, por parte do SEF, como tem acontecido na esmagadora maioria dos casos.

É também com enorme preocupação que o PCP constata, por notícias vindas recentemente a público, a paralisia em que se encontra a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e que é responsável pela impunidade de práticas discriminatórias, punidas por lei, designadamente em matéria de recusa de prestação de serviços por motivos raciais. O PCP considera inaceitável que a lei contra a discriminação racial, aprovada por sua iniciativa, em 1999, não seja aplicada por incúria do Governo e exige que os mecanismos legais destinados a prevenir e punir práticas discriminatórias sejam imediatamente accionados.

O PCP reafirma que a situação em que vive e trabalha a maioria dos imigrantes em Portugal reflecte o agravamento das desigualdades e injustiças sociais que afectam a grande maioria dos trabalhadores, estrangeiros e nacionais. Realidades que decorrem das opções políticas dos governos de António Guterres e que impõem uma acção e luta comum por emprego com direitos, por melhores salários e por melhores condições de vida.

O PCP considera ainda que a garantia dos direitos dos trabalhadores imigrantes se concretiza através de políticas não discriminatórias que garantam os seus direitos em igualdade com os demais cidadãos (designadamente o direito à educação, à aprendizagem da língua portuguesa, à saúde e segurança social, cultura, desporto e habitação), tal como o apoio às suas organizações associativas e que se integrem numa concepção política baseada no exercício de direitos e de justiça social para todos.

É este o caminho que permitirá o combate às desigualdades, às exclusões sociais e à pobreza, prevenindo na raiz o surgimento de fenómenos racistas e xenófobos.

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