Intervenção de

Situação do sector das pescas - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Declaração política dando  conta da situação do sector das pescas e
criticando o Governo pela ausência de medidas que permitam a sua
revitalização

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

«Dossier atrás de dossier,
quando se realiza um balanço do ano pesqueiro português, a pergunta
assume quase um tom de desafio:será possível um cenário pior da próxima
vez? E todos os anos pensamos que não, dado que a pesca portuguesa está
sempre na linha tangencial do colapso e só a férrea vontade de homens e
mulheres que mantêm de pé um sector como este evita o pior».

Este o texto de abertura de um dossier sobre
as pescas portuguesas numa revista espanhola do sector, que foi escrito
quando a crise decorrente da subida em flecha dos preços dos
combustíveis, que se acrescenta a outras «crises», não tinha ainda
assumido toda a sua actual plenitude, em que a factura do combustível
chega a atingir, em alguns segmentos do sector, 50% dos custos
operacionais.

Aparentemente, o Governo PS, aliás, na continuidade
dos governos PSD/CDS-PP, desconhece o problema, apesar das queixas de
muitas, para não dizer da totalidade, das organizações do sector
(armadores e sindicatos), que, nos últimos dois anos, viram gorar os
seus esforços junto da tutela governativa e que denunciam a ausência de
«qualquer resposta prática dos executivos que, no mínimo, demonstrasse
vontade em perceber a especificidade organizacional deste importante
sector produtivo.»

Mas o actual Governo quis marcar a sua diferença e,
então, o Ministro da tutela tentou justificar a ausência de medidas com
o facto de não ter sido questionado pela Assembleia da República sobre
o quadro de dificuldades em que a pesca está mergulhada.

Diga-se que tal nem sequer é verdade, porque, em
Novembro de 2005, o Sr. Ministro da Agricultura e o seu Secretário de
Estado que acompanha o sector foram questionados, durante o debate
orçamental, exactamente sobre se haveria dotações para responder à
subida do preço de combustível já em curso.

Recebemos um «não» como resposta.

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou uma proposta de dotação
orçamental com esse objectivo, no montante de 25 milhões de euros,
levando-a a debate na Comissão de Orçamento e Finanças, que a apreciou
e votou, tendo a mesma sido rejeitada pelos votos contra do Grupo
Parlamentar do PS, acompanhado pelo PSD, e a abstenção do CDS-PP.

Sr.as e Srs. Deputados,

Mas para
que precisava o ministro dos alertas da Assembleia da República? Não
declarou ele, em 8 de Novembro, na Gafanha da Nazaré, num «bota abaixo
festivo», estar disponível para discutir a questão do preço dos
combustíveis com o sector das pescas?!

Não considerou, então, que o Governo não podia
ignorar o forte apoio ao preço do gasóleo dado por outros países, sob
pena de condenar a frota nacional a uma «concorrência desleal que não
lhe permite sobreviver»?!

Mas não vem o Governo acompanhando os documentos que
os órgãos da União Europeia vão produzindo sobre o problema, onde se
destaca a comunicação da Comissão, com a data, na sua versão final, de
9 de Março último, mas que vinha sendo elaborada pelo Comissário para
as Pescas desde meados do ano passado?! Este documento, aliás, deveria
ter tido outra atenção do Governo, pois não é, de facto, uma resposta
minimamente suficiente para a dimensão e profundidade dos problemas.

A Comissão constata a gravidade desses problemas,
assinala correctamente o agravamento da situação, com «a rápida
escalada dos custos, devida ao aumento do preço dos combustíveis», e
acrescenta que tal situação «ameaça a viabilidade financeira de muitas
empresas de pesca» e «afecta grandemente os tripulantes cujos salários
dependem do rendimento das capturas», assinalando que a perda de
rendimento dos pescadores «pode ascender a 25%» e que «as quebras de
rentabilidade resultam num decréscimo da segurança a bordo».

O Sr. Comissário Borg constata tudo isto, mas,
depois, atira para as calendas, para planos de reestruturação da frota
de longo prazo, a solução para as dificuldades do quotidiano, como
referem - e bem - as organizações do sector, atirando igualmente para
os Estados nacionais os custos financeiros dos auxílios de emergência e
da possível criação de «sistemas de garantia» de estabilização dos
preços dos combustíveis.

Sr.as e Srs. Deputados: «Distraído» que anda, com a
preocupação primeira, e acima de todas as coisas, do défice orçamental
na obsessão pelo Pacto de Estabilidade, o Governo não tem tempo para
olhar a crise que avassala o sector das pescas e não repara no
significado para a competitividade e sobrevivência das nossas pescas
das medidas tomadas pelo Estado espanhol - falta conhecer o que fazem
as autonomias regionais -, com linhas de crédito a taxas de juro zero,
ajuda indirecta ao gasóleo marítimo de 9,5 cêntimos/litro e
disponibilização das ajudas minimis à
pesca local, ou das medidas tomadas pelo Governo francês, de criação de
um fundo de prevenção de riscos, que permite pagar gasóleo a um preço
máximo de 30 cêntimos/litro, além de isenções fiscais. Anote-se que a
média dos preços em Portugal

foi, no mesmo período, de 45 cêntimos/litro. A
«distracção» do Governo é tão grande que não enxerga mesmo a situação
diferenciada nos Açores e na Madeira.

Sr.as e Srs. Deputados:

Para um
sector já a braços com outros e graves problemas, a crise decorrente da
subida dos preços dos combustíveis poderá ser fatal para inúmeras
empresas e pequenas embarcações. Vão prosseguir as suspensões de
actividade e as imobilizações definitivas; mais desemprego dos poucos
pescadores que já temos; maior degradação de um sector produtivo;
agravamento da balança comercial, inevitável para um País com a mais
elevada capitação de consumo de peixe da União Europeia e que já hoje
importa dois terços do peixe que consome; inevitável reforço e
consolidação da presença e peso de Espanha no sector; e consequências
negativas para os estaleiros navais e para todos os sectores e postos
de trabalho em terra ligados às actividades da pesca.

Sr.as e Srs. Deputados:

 O
Governo sabe que o sector não consegue, pelas particularidades da
comercialização do seu produto, repercutir para os preços do pescado
sobrecustos da produção. E qualquer cidadão interrogar-se-á,
legitimamente, como é que uma empresa, a GALP, que teve de lucros, em
2005, 442 milhões de euros, mais 33% do que em 2004, justifica aquela
subida de preço dos combustíveis, que afunda as pescas e outros
sectores produtivos.

Mas, para lá destas reflexões, o que tem de exigir-se
é uma resposta urgente do Governo, de verdadeira emergência. Não é
possível esperar pelo próximo Orçamento do Estado, e também aqui o PCP
estará disponível para uma rectificação orçamental.

É urgente que avance rapidamente o apoio à pesca
costeira artesanal (97% dos barcos e 40% dos desembarques de pescado),
através do minimis,
que permite integrar 3000 euros em três anos por embarcação, e
encontrar os mecanismos financeiros e orçamentais para que o preço dos
combustíveis - e deve ter-se em conta que há um grande número de
embarcações a gasolina - se situe, no mínimo, a nível dos preços reais
pagos pela pesca espanhola, sendo ainda necessário antecipar pagamentos
de ajudas comunitárias.

Mas há que ir mais longe, procurando assegurar a
sustentabilidade económica e financeira e conservando os postos de
trabalho e um volume de produção, pelo menos, ao nível dos últimos
anos, o que exige medidas no crédito, na segurança social, na
fiscalidade e nas ajudas comunitárias, susceptíveis de assegurar a
sobrevivência, pelo menos, às pescas portuguesas.

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