A agudização da crise económica, social e política que atinge o país, em si mesma, expressão da crise do capitalismo, tornou mais evidentes muitos dos alertas e denúncias que o PCP fez ao longo dos últimos anos. E mais cedo do que seguramente alguns esperariam, a vida veio confirmar a justeza das posições do PCP em diversos domínios, designadamente em relação ao processo de integração capitalista na União Europeia e na posição assumimos contra a entrada de Portugal na moeda única há 12 anos atrás.
Com o euro, o país entrou numa década de estagnação que desembocou numa grande recessão económica que perdura há 3 anos, o endividamento externo disparou (e a sua componente pública já ultrapassou 129% do PIB), as produções industrial e agrícola globalmente paralisaram ou retrocederam, acentuou-se a condição de país dependente, deficitário e periférico face às grandes potências da UE. O desemprego estoirou para mais de um milhão e quatrocentos mil trabalhadores, a precariedade alastrou, os salários regrediram, num rumo de agravamento da exploração e empobrecimento da população. Agravaram-se as desigualdades sociais e regionais. Cresceu a divergência de Portugal face à União Europeia.
Em nome do euro, o país foi não só expropriado da sua soberania monetária, tornando-se inteiramente refém dos “mercados financeiros”, como foi fortemente condicionado nas suas políticas económicas e orçamentais, numa atitude de sistemática abdicação dos interesses nacionais levada à prática, pelos sucessivos governos do PS, PSD, com ou sem CDS, face ao conjunto de imposições da UE que se revestiram cada vez mais de traços colonialistas.
De facto, o PCP foi a única grande força política que alertou para as consequências e combateu a adesão. Desenvolveu uma campanha de esclarecimento “Não à moeda única”, reclamou um referendo sobre a adesão, mobilizou os trabalhadores e as populações contra esse objectivo e manteve uma permanente e coerente intervenção ao longo destes anos denunciando e combatendo a política do Euro forte e sobrevalorizado, o papel do BCE, o espartilho imposto pelo Programa de Estabilidade e Crescimento, pelo Pacto Euro Mais ou pelo mais recente Tratado Orçamental.
O PCP foi ainda o primeiro, e até hoje o único, partido a colocar como objectivo político, a luta pelo fim da União Económica e Monetária.
A verdade é que nenhuma outra força política alertou e combateu este processo como fez o PCP. E a vida deu-lhe razão: em vez da convergência com o “pelotão da frente”, tivemos a divergência no plano económico e social que nos arrasta para a cauda da Europa; em vez da protecção contra a especulação financeira, Portugal tornou-se numa presa fácil dos “mercados”; em vez do aumento da competitividade da nossa economia, assistimos à degradação e abandono do aparelho produtivo; em vez do acesso ao tal mercado dos mais 500 milhões de consumidores, o que se verificou foi a inundação das nossas prateleiras de produção estrangeira; em vez do apoio solidário da “Europa”, o que se verificou e verifica é a extorsão por via dos juros dos nossos recursos e a permanente a chantagem e pressão externa. O Euro foi, tal como dissemos, a “panela de barro”, contra a panela de ferro.
Importa sublinhar que o acerto do ao longo destes anos quanto às consequências da moeda única não decorreu de um qualquer dom de adivinhação, nem de nenhum cepticismo crónico de que o nosso Partido pudesse enfermar. Na verdade, e ao contrário de outros, na avaliação, no estudo e na assumpção das nossas posições políticas estiverem sempre presentes, não os interesses da banca e dos grupos económicos, não os interesses das grandes potencias da União Europeia, não a aspiração a comer umas migalhas do banquete dos mais ricos, mas a defesa intransigente dos interesses nacionais e das condições de vida dos trabalhadores e do nosso povo.
Na verdade o euro é, sempre foi, um projeto do grande capital europeu, das transnacionais europeias e do directório de potências comandado pela Alemanha e um instrumento central da concorrência e rivalidade interimperialistas. Foi aliás, também em nome da defesa deste instrumento que PS, PSD e CDS impuseram o Pacto de Agressão e que se preparam agora novos sacrifícios para os trabalhadores e para o povo, muito para lá da troika.
Mas a crise entretanto instalou-se e não está ultrapassada, como alguns apressadamente procuram afirmar, na medida em que as razões de fundo que lhe estiveram na origem não só se mantém, como estão a ser aprofundadas. Entre elas está a sujeição a uma mesma política monetária e cambial de países com profundas disparidades nos níveis de desenvolvimento económico e social e que, por isso mesmo, tinham e têm necessidades diferenciadas, situação essa que agrava todas as desigualdades e desequilíbrios pré-existentes e que se tem expressado de forma mais contundente no aprofundamento dos défices externos e na cada vez mais evidente insustentabilidade das dívidas de países periféricos como o nosso. Tal situação, como o nosso Partido tem vindo a afirmar é, não só insustentável, como levará a inevitáveis rupturas no seio da zona Euro e na própria União Europeia.
Coloca-se então a questão como em tantos outros momentos: o que fazer?
O PCP não tem qualquer dúvida sobre a incompatibilidade radical entre a permanência no Euro forte e na UEM, e uma política alternativa que definimos e propusemos aos portugueses como patriótica e de esquerda.
A entrada de Portugal na moeda única condicionou e fragilizou economicamente o país, que estaria em posição mais vantajosa se não tivesse aderido. O país perdeu muito com a entrada para o euro e pode perder mais, seja com a permanência, seja numa eventual crise aguda da zona euro, que a estilhace e empurre para a saída de forma caótica os países mais fragilizados e sem que sejam salvaguardados os interesses dos trabalhadores e do povo português.
Há que ter ainda em conta que doze anos depois da entrada na moeda única e do conjunto de laços institucionais, financeiros e económicos entretanto tecidos, criou-se uma realidade económica objectiva que não pode ser “desfeita”, pura e simplesmente, por decisão política. Em curto, sair do Euro, sem mais, não é voltar ao ponto em que o país estava quando entrou e havia Escudo e não havia Euro.
E se é certo que o prosseguimento do actual rumo é absolutamente insustentável, defender de forma estrita e simplista “a saída do Euro” como objectivo isolado, como se de uma varinha mágica se tratasse, sem o quadro de políticas e linhas de ruptura que devem acompanhar e enquadrar tal decisão é, na nossa opinião, uma abordagem redutora e ilusória, na medida em que, dentro ou fora do Euro, ninguém tem dúvidas quais os interesses que seriam defendidos se perdurasse entretanto a política de direita e de defesa dos interesses do grande capital que tem estado em vigor.
Na batalha eleitoral que vamos travar seremos confrontados, quer com opiniões catastrofistas sobre uma eventual saída do euro difundidas sobretudo por aqueles que querem continuar a atrelar o país aos interesses do grande capital, quer com opiniões aventureiristas que fingem ignorar que uma coisa é a uma saída do Euro conduzida por um governo com uma política patriótica e de esquerda, outra, diferente, é uma saída do Euro – que não pode aliás ser excluída – conduzida pela mesma política de direita e pelo grande capital que nos trouxe à actual situação e que, seguramente, não deixaria de fazer recair sobre os trabalhadores e o povo, os custos de tal decisão. Há que recusar e combater ambas concepções.
Para o PCP a saída do Euro – seja por decisão soberana do Estado Português ou por agudização das contradições no seio da zona Euro, ou mesmo a sua dissolução, sendo sempre uma condição necessária, embora não suficiente, exige na sua concretização assegurar condições e medidas que preparem tal mudança.
É então tarefa de um governo patriótico e de esquerda que propomos ao povo português, preparar o país face a uma saída da zona euro. Um processo que deverá ter como principal preocupação a defesa dos direitos, do emprego e dos rendimentos dos trabalhadores e das restantes camadas da população e a afirmação do primado dos interesses nacionais face a quaisquer condicionalismos que nos queiram impor. Processo que se articula com outras linhas fundamentais da política patriótica e de esquerda a começar pela urgente renegociação da dívida, nos seus prazos, juros e montantes, mas também com a recuperação do controlo público dos sectores estratégicos da economia a começar pela banca, com a defesa e desenvolvimento da produção nacional, com a efectiva tributação do grande capital, com a defesa e valorização dos serviços públicos. Um processo que é ainda inseparável de um outro objectivo mais largo, que é o da luta pela dissolução da União Económica e Monetária, matéria que reclama a articulação entre os Estado português e outros países que estão também a ser atingidos pela actual crise. Um processo que se integra ainda na luta que travamos pela necessária ruptura com o processo de integração capitalista da União Europeia e por uma outra Europa de paz e cooperação entre os povos.