Intervenção de

Sistema financeiro - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

 

 

Estabelecimento da possibilidade de concessão extraordinária de garantias pessoais pelo Estado, no âmbito do sistema financeiro
Intervenção de Honório Novo na AR

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Que sistema financeiro é este a que o Governo acorre ou socorre, em última instância, com os recursos do Estado, isto é, o dinheiro dos contribuintes, para «assegurar o cumprimento das obrigações das instituições de crédito com sede em Portugal»?

Paradoxalmente, ou talvez não, é o sector financeiro «construído» no processo de desmembramento e privatização do sector financeiro público, conquista de Abril, e de que hoje resta apenas a Caixa Geral de Depósitos (CGD).

É o sector financeiro «construído» em nome da eficiência e da excelência da gestão privada, do risco empresarial privado, que agora precisa do Estado.

É o sector coração dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar estratégico do capital transnacional, funcionando como centro de acumulação, por via da «predação» dos sectores produtivos, das pequenas empresas e das famílias.

É o sector responsável por uma sufocante política de crédito altamente penalizadora da economia nacional.

Recorda-se que o endividamento das famílias atingiu 129% do rendimento disponível e que as empresas não financeiras atingiram um endividamento record correspondente a 107% do PIB, em 2007.

Uma política de crédito que nunca se orientou pelas necessidades de desenvolvimento do País mas, fundamentalmente, pelo objectivo do máximo lucro e mínimo risco, excepto nas operações especulativas.

Um recente relatório do Banco de Portugal mostra que alguns sectores produtivos fundamentais do País receberam 14,7% de todo o crédito - a agricultura 1,6%, as pescas 0,4% e a indústria 12,7% - enquanto que as actividades imobiliárias tiveram 20% de todo o crédito.

Esta é uma política com um elevadíssimo grau de concentração do crédito nas grandes e muito grandes empresas, podendo afirmar-se que a maioria das micro, pequenas e médias empresas, a esmagadora maioria do tecido produtivo, estão excluídas!

É o sector da economia portuguesa que viu, entre 2004 e 2007, os seus lucros subirem cerca de 155%, enquanto o PIB do País evoluía ao ritmo médio anual de 1,3%.

Enquanto assim acumulavam lucros e a generalidade das empresas não financeiras pagava uma taxa efectiva de IRC próxima da taxa nominal, a banca pagava como taxa efectiva de IRC 13%, 13,5%, 17,9% e 15,9%.

É para este sector financeiro, centro em Portugal da especulação bolsista e «financeirização» da economia nacional, campeões da fuga legal ao fisco, utilizadores ou intermediários privilegiados dos paraísos fiscais - em 2006, as seguradoras tinham colocado 9,5 mil milhões de euros e a banca 4,1 mil milhões de euros -, é para este sector financeiro, dizia eu, que o Governo vem propor à Assembleia da República (proposta de lei n.º 225/X) que passe um «cheque em branco» de 20 mil milhões de euros!

O PCP considera de relevante interesse nacional a solidez do sistema financeiro nacional, mas não está disponível para «assinar um cheque em branco» porque o Governo nega à Assembleia da República o conhecimento das regras que vão enquadrar e regular esse aval.

É um «cheque em branco» porque esse aval do Estado não deveria cobrir toda e qualquer operação de crédito e deveria ficar definido o quadro de potenciais destinatários das operações de crédito.

Também recusamos assinar esse «cheque em branco» porque outros caminhos seriam possíveis se o Governo não estivesse, pura e simplesmente, preocupado com a salvação dos interesses dos banqueiros e do capital financeiro.

Srs. Deputados, é o Governo que abraça esta estranha operação na União Europeia de potencial transformação da dívida privada em dívida pública o mesmo que recusou que, em tempo oportuno, se tomassem as medidas necessárias e que no actual quadro persistissem políticas e orientações que estão na origem da crise.

É o Governo que, falando de mais e melhor regulação, não responde sequer quando interrogado sobre os paraísos da desregulação, da fuga ao fisco e da lavagem de dinheiro.

É o Governo que não foi capaz, em voz alta ou baixa, de intervir na União Europeia contra a política monetária neoliberal do BCE e a subida das taxas de juro e de um euro revalorizado.

É o Governo da obsessão neoliberal do cumprimento do PEC.

É o Governo que, mesmo no actual contexto de crise profunda, apresenta um Orçamento do Estado para 2009 manifestamente insuficiente e impotente para responder aos problemas das famílias e pequenas empresas portuguesas.

É o Governo que, agora louvando o papel regulador Caixa Geral de Depósitos, prossegue uma escandalosa política de privatizações.

É o mesmo Governo que, fazendo agora intervir a Caixa Geral de Depósitos no socorro de 200 milhões de euros ao BPN, recusou, até hoje, as propostas do PCP para que a mesma instituição tivesse um papel moderador na política de crédito para as pequenas empresas e particularmente na contenção da prestação mensal das famílias.

É o Governo que hoje estende esta rede de segurança para a banca privada o mesmo que recusa as propostas feitas para uma intervenção pública no mercado da energia.

Pelo contrário, para escândalo do País, assistimos ontem ao anúncio pela ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) de subidas de preço de energia eléctrica, em 2009, entre 4,3% e 5,9%, bem acima da taxa de inflação que o Governo prevê.

É risível, mas é verdade: a propagandeada baixa do IRC para as pequenas empresas, que poderá acontecer em 2010, não compensará o aumento da factura da electricidade que muitas empresas, fundamentalmente as do sector produtivo, pagarão já em 2009!!

É por isso que a iniciativa do Governo, certamente de grande importância para salvar os banqueiros e o capital financeiro privado, serve mal os interesses dos portugueses, da economia e do Estado e pode mesmo vir a custar muito caro ao País

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