Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Sistema de qualificação e formação contínua dos motoristas

Altera o sistema de qualificação e formação contínua dos motoristas, reforçando a protecção dos direitos dos trabalhadores (projecto de lei n.º 60/XI/1ª)
Petição no sentido de que os encargos relativos à aquisição de qualificação inicial e da formação contínua não sejam da responsabilidade dos motoristas profissionais (petição n.º 12/XI/1ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Queremos saudar, em nome do PCP, em primeiro lugar, os trabalhadores do sector dos transportes, da administração local e de muitos outros sectores, todos os motoristas e as cerca de 6000 pessoas que se dirigiram à Assembleia da República através desta petição. E saudamos, em particular, os promotores desta petição, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações e o
Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, que trazem ao Parlamento uma questão muito concreta de evidente justiça e razoabilidade.
Está em causa, aliás, o sistema de qualificação e de formação contínua dos motoristas, actualmente definido pelo Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, e o que os trabalhadores reivindicam, os peticionários pedem ao Parlamento e o PCP propõe, através do projecto de lei que aqui está em debate, é que, muito simplesmente, se ponha termo à situação actual, por forma a que os encargos para a obtenção dos certificados de aptidão e as acções de formação deixem de decorrer a expensas dos trabalhadores e num horário que vem penalizar a vida dos trabalhadores, ou seja, no seu próprio período de descanso.
O que propomos, designadamente, é a isenção de taxas e de emolumentos na emissão dos documentos de certificação, os quais, sendo condição obrigatória para a prática da profissão, não podem significar que o motorista tenha de pagar para trabalhar.
Srs. Deputados, convenhamos, isto já acontece demasiadas vezes nestes sectores, em que os trabalhadores têm de pagar para trabalhar de acordo com as exigências que a lei lhes coloca!
Propomos o pagamento pela entidade patronal das despesas relacionadas com a frequência da formação contínua pelo motorista — não estamos a falar, especificamente, do acesso à profissão, mas da formação contínua. Nós temos de sublinhar que as questões da segurança rodoviária, da qualificação, da certificação são muito importantes e interessam a todos, não apenas aos motoristas. Não são os trabalhadores os únicos responsáveis por garantir que essas matérias são tidas em conta, cumpridas e respeitadas.
Propomos a realização da formação contínua durante o período laboral do motorista, não aumentando assim a sua jornada semanal de trabalho, bem como a garantia de que as despesas com as deslocações são assumidas pelas entidades patronais e que o tempo dispendido com estas deslocações, até à acção de formação, seja considerado como tempo de trabalho. É escusado estarmos a definir tempos de trabalho e de repouso para os motoristas para, depois, impor que, nos tempos de repouso dos trabalhadores, eles tenham de frequentar cursos de formação. Isto é absolutamente absurdo e, no mínimo, injusto, desde logo.
Propomos ainda a salvaguarda do direito de opção pelo motorista sobre a entidade formadora, onde este realize a formação contínua.
O nosso projecto de lei, Sr.as e Srs. Deputados, é uma oportunidade concreta não para, um dia destes, reflectirmos, mas, sim, para, aqui e agora, podermos tomar uma decisão relativamente ao que os trabalhadores colocam ao Parlamento, que é um mínimo de justiça do ponto de vista das relações de trabalho e um mínimo de segurança do ponto de vista da organização em termos jurídicos, formais e técnicos da organização do sector.
Sr.as e Srs. Deputados, está ao nosso alcance, neste momento, legislar e decidir para, de uma forma coerente e consequente, resolver o problema que está colocado em cima da mesa.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Muito rapidamente, quero apenas dizer que, pelo que sei, não estamos perante a votação final global do projecto de lei em discussão. Havia todo um trabalho – e digo «havia» pelo que acabei de ouvir das intervenções dos Srs. Deputados —, todo um caminho de discussão na especialidade que poderia servir para discutir opções e encontrar as melhores soluções para
um texto que, obviamente, não está fechado e em relação ao qual temos, como sempre tivemos, total disponibilidade para discutir de forma séria e construtiva.
Agora, vamos às questões essenciais. E a questão essencial é esta: quem deve pagar para que um motorista tenha acesso àquilo que impede, ou não, que ele trabalhe?
Foi aqui dito que há empresas que podem custear os cursos de formação obrigatórios e que há outras que os não podem pagar, mas a pergunta é óbvia: e os trabalhadores?!
Podem sempre?! Aqueles que podem pagam, e aqueles que não podem fazem o quê? Deixam de trabalhar?! É esta a questão de fundo, Srs. Deputados!!
O PS está disponível para discutir tudo desde que agora não se mude nada, desde que nada se faça, nada!, e tudo fique na mesma. E isto vem daqueles que sempre nos acusam de imobilismo e de querer deixar ficar as coisas como elas estão! Nós queremos mudar, mas mudar para melhor, Srs. Deputados! E esse é o problema que está em causa nesta discussão.
Não ignoramos a situação das micro, pequenas e médias empresas, pelo contrário! Não esquecemos as reais causas dos seus problemas! Intervimos sobre eles e propomos soluções, desde logo o pagamento especial por conta (PEC) — e não mudámos, à última da hora, de posição sobre a extinção do PEC!... —; o garrote do crédito na banca; os preços dos combustíveis — há anos que falamos dos problemas que afectam as pequenas empresas do sector! Mas não aceitamos que a responsabilidade e a factura dessa crise vão sempre para os trabalhadores, que se não tiverem dinheiro para pagar os cursos que agora os obrigam a frequentar simplesmente deixam de poder trabalhar. Isto é imoral, Srs. Deputados! Isto é inaceitável!
Não é de estranhar que o CDS e o PSD tomem o lado que sempre tomaram, porque no último momento e na hora da verdade a política significa tomar decisões e escolher de que lado se está.
Aquilo que, neste momento, e depois das reuniões que tivemos nas audições sobre a petição com as organizações que aqui recebemos, esperávamos o mínimo de decência em termos de discussão política para encontrar uma solução e uma discussão construtiva para resolver os problemas. Neste momento, aqui temos o exemplo concreto de como a política significa escolher de que lado se está. Nós não temos dúvidas sobre o lado em que nos encontramos!

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