Intervenção de

Serviços de Informações Estratégicas e de Defesa Militar (SIEDM)Intervenção do Deputado Antóni

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

No início do mês de Dezembro de 2002, o Diário de Notícias publicou uma peça sobre os Serviços de Informações Estratégicas e de Defesa Militar (SIEDM) que dava conta de factos profundamente preocupantes quanto ao funcionamento desses Serviços, cuja importância e especial melindre é por demais evidente.

Aludindo a relatórios internos do SIEDM a que informou ter tido acesso, o Diário de Notícias referiu-se a factos relativos à actividade desses Serviços de Informações usando termos como “anarquia, desmotivação, trabalho de campo reduzido, ausência de fontes credíveis, relatórios que merecem pouco crédito junto dos seus destinatários, violações dos limites jurídico-constitucionais de actuação, clima de turbulência e quase autogestão, desrespeito total pelas regras de hierarquia interna”, e noticiou que determinadas figuras de nacionalidade portuguesa teriam sido objecto de tentativas de constituição de dossiers pessoais.

A esse respeito, foi tornado público pelo DN que personalidades como o Dr. Dias Loureiro, o Eng. Cardoso e Cunha, o Dr. Manuel Monteiro, ou o Eng. Ângelo Correia, teriam sido alvo de investigações ilegais do SIEDM, e em declarações ao Expresso, o Ex-Director do SIEDM, Embaixador Bramão Ramos, afirmou que o Chefe de Gabinete do Ministro Paulo Portas lhe terá exibido uma lista de cidadãos alegadamente sujeitos a acções de vigilância ilegal de onde constavam nomes como o Eng. Jardim Gonçalves e o Dr. Jaime Nogueira Pinto.

Confrontado com estas notícias públicas no início de Dezembro de 2002, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, responsável pela tutela do SIEDM, admitiu que uns meses antes – sublinho, uns meses antes – lhe havia chegado um rumor de que poderia ter havido investigações sobre algumas pessoas. E daí, segundo as suas próprias palavras, mandou o Director do Serviço (note-se: do próprio Serviço visado) investigar e foi-lhe dito que não houve. Pelo que, entendeu não ter razões para duvidar.

No entanto, uns meses depois dos tais rumores terem chegado aos ouvidos do Ministro de estado e da Defesa Nacional, tornaram-se do domínio público. E só nessa altura, o Senhor Ministro se dignou pedir inquéritos sobre tais rumores à nova direcção do SIEDM, à Comissão de Fiscalização das Bases de Dados dos Serviços de Informações dependente da PGR e ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, tendo inclusivamente solicitado uma reunião de emergência a este último Conselho.

E foi aliás no final dessa reunião que o Senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional afirmou peremptoriamente aos jornalistas que a notícia da vigilância efectuada sobre vários cidadãos portugueses

“é grave porque, ou corresponde à verdade, e isso significa um gravíssimo atentado aos direitos, liberdades e garantias, ou não corresponde à verdade e, é também grave, por se tratar de uma difamação com sérios prejuízos para os Serviços”.

Em 20 de Dezembro de 2002, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional compareceu na Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia, depois da maioria ter recusado a audição, solicitada pelo PCP e pelo BE, do Embaixador Bramão Ramos e do Chefe de Gabinete do Senhor Ministro, e nessa altura, quer perante a Comissão, quer em declarações à Comunicação Social, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional anunciou que, na convicção de que as acusações de vigilância ilegal de vários cidadãos pelo SIEDM não eram verdadeiras, iria apresentar na Procuradoria Geral da República uma queixa-crime por difamação para que fossem apuradas as responsabilidades criminais dos autores de tais acusações que, segundo as próprias palavras do Senhor Ministro implicaram “sérios prejuízos para os Serviços”.

Tendo essa reunião ocorrido em 20 de Dezembro, todo o país ficou a aguardar que a anunciada queixa-crime fosse apresentada. E como não houve notícia pública dessa apresentação nos dias seguintes, deixámos passar um lapso de tempo razoável, e em 31 de Janeiro de 2003 – mais de um mês depois – entregámos um requerimento na Mesa desta Assembleia, solicitando ao Senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional que informasse se apresentou, ou não, a anunciada queixa à Procuradoria Geral da República, e em caso afirmativo, em que data.

Acontece que até hoje, dia 15 de Maio de 2003, passados três meses e meio, não obtivemos qualquer resposta ao requerimento da parte do Ministro de Estado e da Defesa Nacional.

Pelo que, das duas, uma:

- Ou o Senhor Ministro é relapso a responder aos requerimentos do Deputados;

- Ou o Senhor Ministro não apresentou nenhuma queixa-crime, e nesse caso, mais uma vez, mentiu ao Parlamento e aos portugueses.

E sendo legítimo presumir, na falta de prova em contrário, que seja este o caso, é legítimo exigir ao Senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional uma explicação clara das razões que o levaram a não apresentar a queixa-crime que havia prometido, pela simples razão de que, quando o SIEDM é difamado na praça pública, mesmo que o Senhor ministro não se importe, os Deputados têm o direito e o dever de se importar e de exigir um sério apuramento das responsabilidades por tais difamações.

Quando o Chefe de Gabinete do Ministro de Estado e da Defesa Nacional exibe uma lista de cidadãos alegadamente vigiados pelo SIEDM, que alguém lhe fez chegar, e quando o próprio Ministro reconhece ter tido conhecimento de rumores de tais actuações, há uma investigação criminal que se impõe. Se tais rumores são falsos, os seus autores não podem deixar de ser criminalmente responsabilizados por difamação. E se o Senhor Ministro não actuou como era seu dever e como prometeu que actuaria, todos temos o direito de saber porquê.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

É certo que este facto é apenas mais um dos muitos factos que fazem com que a credibilidade pública do Senhor Ministro da Defesa Nacional ande pelas ruas da amargura e que tornam evidente a sua falta de idoneidade política para exercer funções ministeriais. Mas é um facto muito revelador.

O Governo de Portugal não pode ter um Ministro de Estado e da Defesa Nacional cuja idoneidade política é constantemente arrasada na barra do tribunal, nas colunas da imprensa e nas conversas do dia-a-dia de todos os portugueses, que insiste em só assumir responsabilidades políticas perante o Parlamento quando lhe convém e que, mesmo quando decide comparecer na Assembleia da República, falta à verdade de forma pública e notória.

A democracia portuguesa vive um momento difícil. Mesmo que outros factores não contribuíssem para o descrédito da vida política aos olhos dos cidadãos, a soma de casos do foro criminal que envolvem titulares e ex-titulares de altos cargos políticos é mais que suficiente para que se crie um clima de suspeição generalizada sobre a política e os políticos que pode corroer perigosamente os próprios alicerces do regime democrático.

A exigência ética para o exercício de funções públicas é, mais do que nunca, um imperativo democrático a que ninguém se pode furtar. Compete a todos e a cada um dos responsáveis políticos dar o exemplo e assumir as suas próprias responsabilidades. A manutenção em funções do Ministro de Estado e da Defesa Nacional é, nas actuais circunstâncias, um mau exemplo e um péssimo serviço à democracia.

 

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