Intervenção de

Serviços públicos essenciais - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Alteração à Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A primeira questão que é preciso abordar em relação a este projecto de lei do Partido Socialista é a de que este projecto de lei não pode esconder a política do Governo em matérias importantes para os consumidores; não pode esconder que foi o Governo que aumentou para 21% o IVA, com pesados prejuízos pelo seu carácter cego de aplicação para os portugueses, mesmo na sua qualidade de consumidores; não pode esconder que este Governo foi, também como anteriores, conivente com a introdução na factura da energia eléctrica, por exemplo, de matérias que não deviam constar nessa factura e que permitem que os lucros da empresa que a fornece sejam astronómicos, enquanto a factura dos consumidores é cada vez maior; não pode esconder que nessa mesma factura se tem admitido ao longo dos anos que até as indemnizações para o despedimento dos trabalhadores nas reconfigurações que a empresa sucessivamente vai tendo são descontadas nas facturas.

Portanto, esta proposta, independentemente do seu conteúdo em concreto que a seguir analisarei, não pode fazer esquecer que a política do Governo em matéria de direitos do consumo das populações tem sido negativa e, pelos vistos, não vai mudar, apesar do projecto que hoje é aqui apresentado.

Podemos dizer que é uma proposta de má consciência ou, utilizando uma expressão do Porto que o Sr. Deputado Renato Sampaio certamente conhecerá, uma espécie de proposta «tapadeira» da política do Governo para fingir que o PS está preocupado com os direitos dos consumidores em serviços públicos essenciais.

Mas vamos ao conteúdo concreto da proposta que é aqui apresentada. Evidentemente, a proposta tem princípios positivos, designadamente o da transparência, da não facturação daquilo que não é de serviço efectivo, mesmo que em alguns casos, como já foi visível neste debate, seja necessária uma clarificação concreta. É que se há entidades que aproveitam facilmente as fugas da lei e o carácter vago de alguma legislação são estas grandes empresas que prestam serviços públicos essenciais.

Portanto, o que é para consagrar é preciso estar explicitamente consagrado, caso contrário poderá não concretizar-se.

É muito importante o princípio da informação, é muito importante o princípio da transparência, é muito importante repor a questão das telecomunicações no âmbito desta lei, que tinha sido retirada pelos governos do PSD e do CDS. Tudo isso é muito importante, mas não podemos deixar de chamar a atenção para a dinâmica que a aplicação desta lei pode ter.

É que as estimativas que fizemos com base num ou dois exemplos de autarquias e na perda de receitas que isto significará para algumas autarquias permitem-nos dizer - e esperemos que o  PS ou o Governo venham dar os seus próprios dados - que a anulação desta receita prevista no Orçamento do Estado para 2007, nos orçamentos municipais já aprovados, significará uma perda de receita não inferior a 150 milhões de euros. Ora, esta é uma «fatia» significativa se considerarmos os orçamentos municipais, ainda por cima onerados por uma política restritiva da actual Lei das Finanças Locais e do Orçamento do Estado para esta área.

Portanto, o que importa saber é se o Partido Socialista, que pretende aplicar esta norma também nestes casos, está disponível, ou não, para introduzir uma compensação para as autarquias locais; ou se, ao invés, a política do PS é aquela que já ouvimos de manhã ao Sr. Secretário de Estado da tutela: «Se quiserem aumentem as tarifas da água»... Isto é, já está a sugerir ao Governo que, para resolver o problema da não taxação, justa!, dos contadores da água, os portugueses não paguem menos na sua factura da água ou de qualquer outro serviço, mas, sim, que passem a pagar mais pelo consumo do precioso líquido propriamente dito.

E este é que é o ponto que está aqui em questão: afinal, a proposta do Partido Socialista é para baixar o que se paga indevidamente ou é para se pagar por outra via como sugere o Governo nas intervenções que tem tido nesta matéria? E é o mesmo Governo, lembre-se, que introduziu e fez aprovar nesta Câmara uma lei das taxas municipais que permite um amplo leque de taxas nas mais diversas áreas e que, portanto, vai contra o princípio que aqui agora se define.

É preciso dizer ainda que há uma questão legal a ser resolvida também: é porque é extremamente duvidoso, para não dizer mais, que um projecto de lei desta Assembleia possa alterar, a meio do ano, os orçamentos municipais que são tidos em conta para a elaboração do Orçamento do Estado. Isto é, não estamos aqui também no âmbito de uma norma-travão que impede que - uma vez que este projecto de lei não tem essa norma -, a meio do ano, fiquem, no mínimo, menos 150 milhões de euros nas receitas das autarquias?

É possível determinar isto sem mais nem menos, a meio do ano, sem que se tenha em consideração a devida compensação? Esta é uma questão a que o Partido Socialista tem de dar uma resposta cabal e completa.

Depois, é preciso dizer também que o Partido Socialista tem de dar garantias muito sérias da forma como esta lei vai ser aplicada nos outros operadores, na EDP, na PT, no gás... É que já estamos tão habituados a que estas entidades, utilizando o livre arbítrio da sua prepotência face aos consumidores e a conivência de sucessivos governos, encontrem sempre outras formas para compensar aquilo que lhes é imposto em cada momento...

Ora, o compromisso que o PS e o Governo também têm de assumir é que isso não vai acontecer aqui e que não vão ser compensados os accionistas da EDP e de outras entidades por aquilo que agora, de outra forma, lhes vai ser impedido de cobrar.

Finalmente, é também importante referir que, no relatório ontem aprovado na 1.ª Comissão, se considerou essencial solicitar pareceres e fazer audições a diversas entidades que são muito relevantes nesta matéria, quer as várias entidades reguladoras, certamente, quer também a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o Conselho Nacional de Consumo, as associação dos consumidores e outras entidades que eventualmente venham a ser consideradas como úteis na consideração deste projecto na especialidade.

É, portanto, com este princípio que vamos para a discussão e votação deste projecto de lei.

Vamos viabilizá-lo, mas não sem que digamos ao PS e ao Governo que seguiremos e  participaremos com muita atenção na discussão da especialidade porque têm de ser corrigidos alguns problemas e algumas consequências graves que esta proposta traz.

Caso contrário, estaremos, afinal, perante uma proposta que, em matéria de direitos dos consumidores, se trata ela também de publicidade enganosa: promete baixa de preços, mas na prática não vai concretizála junto das populações. Ora, é contra essa publicidade enganosa que também nos bateremos na especialidade para que este projecto de lei seja corrigido.

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