Projecto de Lei N.º 464/XI-2ª

Serviço Nacional de Saúde

Serviço Nacional de Saúde

Institui a prescrição por DCI como regra no Serviço Nacional de Saúde

A questão da prescrição por Denominação Comum Internacional (DCI) tem estado no centro do debate sobre a política do medicamento há largos anos. Trata-se de uma opção que de há muito é praticada no internamento hospitalar, mas que sucessivamente enfrentou resistências em relação à sua extensão à prescrição em ambulatório.

Desde a VII Legislatura que o PCP tem vindo a propor a instituição da prescrição por DCI como regra no Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos medicamentos que beneficiam de comparticipação do Estado. Foi na sequência de uma dessas iniciativas do PCP que a Assembleia da República aprovou a lei 14/2000 de 8 de Agosto, em que pela primeira vez, embora de forma ainda limitada, se instituiu esta regra.

A questão tem sofrido ao longo dos anos avanços e recuos significativos, ao sabor da orientação de vários Governos e Ministérios, e da pressão dos interesses económicos do sector. A legislação existente actualmente institui uma falsa prescrição por DCI, uma vez que, ao permitir em todas as situações o acrescentar da marca ou do titular da Autorização de Introdução no Mercado, bem como a proibição de substituição de medicamento pelo utente dentro do mesmo princípio activo, se frustra o objectivo fundamental deste método.

É certo - e isso deve ser assinalado - que aumentou nos últimos anos a prescrição e utilização de medicamentos genéricos, tendo igualmente diminuído a opção dos médicos pela proibição de substituição. Mas a prescrição pelo princípio activo continua a ser um instrumento que pode trazer um contributo relevante para a racionalização dos gastos com medicamentos e para a diminuição dos custos para o Estado e para os utentes.

Lamentavelmente a política do medicamento tem sido orientada nos últimos anos pela sistemática transferência de custos para os utentes, através da diminuição das comparticipações.

Mas esta opção pela prescrição por DCI deve ser acautelada de forma a não trazer consigo efeitos negativos não pretendidos na política pública do medicamento.

Sabemos que no sector do medicamento, pela sua especificidade e sensibilidade e porque os interesses económicos que aí intervêm são muito fortes, as políticas públicas necessitam de precaver o interesse colectivo de forma eficaz e sustentada. Naturalmente que uma alteração às regras de prescrição, com tudo o que isso significa em matéria de recursos financeiros envolvidos, necessita de acautelar as diversas vertentes em jogo.

É preciso por isso aplicar um sistema de pesos e contrapesos que garanta que nenhum sector económico interveniente nesta área sobrepõe os seus interesses ao interesse colectivo. Naturalmente que para isso é essencial, não só garantir legislação adequada, mas igualmente uma intervenção forte e independente do Ministério da Saúde em geral e do Infarmed em particular, o que acontece aliás cada vez menos.

Refira-se contudo que não podem transportar-se na totalidade para a legislação sobre prescrição de medicamentos as importantes questões de combate à existência de posições dominantes no sector do medicamento. A questão da concorrência deve ser resolvida no lugar próprio, embora não possa de todo ser ignorada em matéria de regras de prescrição e disponibilização dos medicamentos.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objectivo
A presente lei visa a racionalização dos gastos públicos na área do medicamento, garantindo, simultaneamente, a melhoria do acesso dos utentes aos cuidados medicamentosos.

Artigo 2.º
Prescrição de medicamentos
1 — A prescrição de medicamentos comparticipáveis pelo Serviço Nacional de Saúde é efectuada com indicação da substância activa, nome genérico ou denominação comum internacional, seguida de dosagem, forma farmacêutica e posologia.
2 — A farmácia está obrigada a informar o utente das várias opções disponíveis, bem como dos respectivos preços, designadamente daquelas com preço igual ou inferior ao preço de referência para comparticipação.
3 - É obrigatória a disponibilização na farmácia de um número mínimo de apresentações em cada princípio activo, a definir pelo Infarmed de acordo com o número de apresentações disponível no mercado, incluindo mais do que uma das que têm preço igual ou inferior ao preço de referência para comparticipação.
4 - Caso o utente opte por medicamento cujo valor seja superior ao preço de referência para comparticipação do respectivo princípio activo, deve declará-lo em local próprio na receita, assinando em seguida.
5 - Em casos excepcionais em que existam fundadas razões terapêuticas, pode ser acrescentada a marca ou o titular da autorização de introdução no mercado aos elementos referidos no número anterior, devendo o prescritor apensar à receita a fundamentação para essa opção.
6 - As fundamentações referidas no número anterior são remetidas ao Infarmed que procederá à sua análise por amostragem.

Artigo 3.º
Comparticipação de medicamentos
1- Nos casos previstos no nº 5 do artigo anterior, a comparticipação do medicamento faz-se tendo como referência o preço de venda ao público do medicamento em causa.
2 — O Ministério da Saúde procede regularmente à avaliação da eficácia terapêutica dos medicamentos, do seu preço de venda, bem como do nível de comparticipação pelo Estado.
3 — Deixam de ser comparticipados os medicamentos em relação aos quais se verifique a existência de uma eficácia terapêutica comprovadamente duvidosa ou que tenham um preço demasiado elevado, e neste caso desde que exista alternativa em medicamento igualmente comparticipado com igual composição quantitativa e qualitativa e preço mais baixo.

Artigo 4.º
Quadro sancionatório
O Governo define o quadro sancionatório aplicável em caso da violação das normas do artigo 2.º do presente diploma.

Artigo 5.º
Aplicação no tempo
O disposto no artigo 2º aplica-se:
a) A partir do dia 1 do terceiro mês seguinte à publicação desta lei, quanto aos princípios activos onde estão disponíveis medicamentos genéricos;
b) A partir do dia 1 do sexto mês seguinte à publicação desta lei nos restantes casos.

Artigo 6.º
Regulamentação
O Governo regulamenta o presente diploma no prazo de 30 dias.

Assembleia da República, em 13 de Dezembro de 2010

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