Pergunta ao Governo N.º 1895/XV/1

Segurança ferroviária - consequências da introdução da possibilidade de Agente Único na ferrovia em Portugal

Pelas razões economicistas do costume, o Governo foi cúmplice da introdução da possibilidade de operação de comboios em regime de Agente Único. Aberta a porta, esse funcionamento vai-se generalizando, como era de prever. Hoje existem comboios em regime de Agente Único, a operar em troços e linhas sem Rádio Solo Comboio ou GSM. Para um ganho marginal nos custos de produção, que se vai somar aos lucros dos operadores, permitiu-se uma degradação da segurança, do emprego e da fiabilidade do sistema ferroviário.

Recentemente, ocorreram dois incidentes com comboios de mercadorias em Portugal, que deveriam servir de alerta para a importância de existirem – sempre – um mínimo de dois agentes no comboio com funções de segurança ferroviária, pois tal permite uma resposta mais rápida a incidentes e acidentes, além de representar uma importante redundância no sistema face à possibilidade, sempre presente, de uma súbita indisposição do operador do comboio.

Estas questões foram suscitadas pelo PCP na recente audição regimental ao Governo na Comissão Parlamentar, a 21-06-2023. Nessa altura, o Ministro das Infraestruturas apenas referiu genericamente que o Ministério continuaria a acompanhar com atenção as questões de segurança ferroviária, etc., e relembrou o que já sabíamos, isto é, que existe o compromisso da CP de não aplicar o sistema de agente único aos comboios de passageiros. Mas o problema central mantém-se, e o Governo não pode continuar a ignorá-lo.

Um dos alicerces da ferrovia e da sua fiabilidade é a segurança. A segurança ferroviária tem de estar assente numa premissa que é a da redundância. A redundância impede que haja fatores acrescidos de possíveis erros que se possam tornar em precursores de acidentes.

Há precisamente 15 anos, foi alterada em Portugal a Regulamentação Ferroviária, de forma a introduzir a possibilidade de circulação de comboios em regime de Agente Único, exigindo determinados requisitos específicos que eram cumulativos para o efeito.

Abriu-se uma porta que, passo a passo, tem sido escancarada - como o PCP então alertou. O escancarar da porta levou, tanto a situações de não cumprimento dos requisitos mínimos estabelecidos como à progressiva admissão de novos mínimos.

Naturalmente, perante um quadro de Agente Único na operação surgem reivindicações dos profissionais para minorar as implicações do Agente Único: definição de tempos máximos de condução em agente único, responsabilidade do gestor da infraestrutura na contagem do tempo de condução, melhor definição das responsabilidades do operador único, etc. A par da reivindicação da necessidade, para minorar os impactos no risco da condução em Agente Único, de melhorar as condições «normais» de funcionamento da ferrovia, como sejam:

- Conseguir excelentes condições de funcionamento permanente do sistema Rádio Solo Comboio em toda a rede nacional, sem que haja quebras de comunicação, o que possibilitaria o acionamento do alarme RSC de modo a evitar acidentes;

- Impedir a admissibilidade dos sistemas móveis de comunicação como substitutos da deficiente cobertura do Sistema Rádio Solo. Estes sistemas móveis, apesar de fiáveis não estão inseridos no sistema ferroviário não podendo por isso fazer um simples acionamento do alarme RSC.

- Ainda existem centenas de passagens de nível sem barreiras, sem sinais luminosos e sonoros, apenas com o sinal rodoviário de STOP e Cruz de Stº. André (Classificação do tipo D). É importante a sua automatização com colocação de barreiras, eliminando assim todas as passagens de nível sem guarda existentes, cumprindo assim as diretivas europeias;

- A insuficiente/falta de desmatação das banquetas das linhas, em especial nas zonas consideradas de risco de combustão ao longo da rede, comprometendo também a boa visibilidade da sinalização vertical ferroviária;

- Além das formas, as dimensões da sinalização vertical deveriam estar contempladas nos RGS II porque cada vez mais verifica-se em zonas de obras a colocação de sinalização de dimensões reduzidas e não refletoras;

- Em plena via, faltam acessibilidades rodoviárias e caminhos pedonais nas banquetas para uso em emergências, tais como:

1. No socorro a vítimas (evacuação/assistência a passageiros, tripulações ou terceiros), como foi notório no acidente de Soure;

2. Na situação de comboios detidos/acidentados;

3. No combate a pequenos focos de incêndio;

4. Na necessidade de desempanagem do material circulante;

5. Na contenção de derrame/libertação de produtos químicos/matérias perigosas;

Aliás, e vários acidentes nos EUA vieram alertar para essa realidade, o facto de nem os comboios de mercadorias perigosas estarem isentos do regime de Agente Único mostra como na corrida ao máximo lucro os operadores privados estão dispostos a que o país e os trabalhadores assumam todos os riscos.

É indispensável que a operação ferroviária decorra sempre em condições de segurança e que pessoas e bens sejam transportados por este sistema que já provou inúmeras vezes que é dos mais seguros que existem. A primeira e mais simples medida que deve ser adotada é proibir a operação de comboios em Agente Único, ao mesmo tempo que se continua a investir na implementação, modernização e universalização das restantes medidas de segurança.

Assim, nos termos da Constituição e do Regimento da Assembleia da República, pergunto o seguinte:

1. Existe uma avaliação às consequências da introdução da possibilidade de Agente Único na ferrovia em Portugal? Com que resultados?

2. Está o Governo disponível para intervir no sentido de impedir a possibilidade de recurso ao Agente Único pelas empresas que operam na rede ferroviária nacional – e atender às questões concretas de segurança ferroviária como as que acima são referidas?