Projecto de Lei N.º 318/XI

Segunda alteração à Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista

2ª Alteração à Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista

O Código do Trabalho aprovado em 2003 pela maioria PSD/CDS e revisto em 2009 pela maioria absoluta do PS retirou aos trabalhadores portugueses direitos historicamente conquistados pela luta de sucessivas gerações. Insatisfeito no que ao sector da comunicação social diz respeito, e fazendo corresponder em Proposta de Lei as intenções do patronato, o anterior Governo PS abriu caminho para alterar para pior o Estatuto do Jornalista.

A crescente concentração dos órgãos de comunicação social nas mãos de uns poucos grupos económicos, as transformações registadas nas condições de trabalho dos jornalistas, acompanhada de uma acelerada evolução tecnológica, conduziu a uma maior exploração e fragilização destes profissionais que é inseparável de objectivos de condicionamento dos conteúdos editoriais.

Recentemente, no âmbito das audições realizadas na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura sobre as condições de exercício da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, foram evidenciados preocupantes aspectos das relações entre o poder económico, o poder político e os órgãos de comunicação social, bem como da contínua degradação dos direitos dos trabalhadores deste sector, com a desvalorização dos seus salários, o aumento da precariedade, o impedimento e desvalorização da sua acção colectiva no seio das redacções.

As conclusões do relatório são claras: ”as condições de exercício da liberdade de expressão e de imprensa (…) são inseparáveis do nível de concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social, das condições de trabalho dos seus profissionais, dos mecanismos de financiamento da comunicação social, do quadro de relações informais estabelecidas entre os mais elevados níveis de responsabilidade no poder económico e no poder político”.
Ainda no mesmo documento podemos ler que, acompanhando “a fragilização das relações laborais que tem sido promovida no país, a situação em que se encontram os jornalistas tem vindo a degradar-se com reflexos não apenas no pluralismo, na isenção, ou no rigor informativo, mas também na própria qualidade da informação produzida”. A desvalorização do papel e da intervenção dos conselhos de redacção “representa um inquietante sinal quanto à vida democrática dentro de cada órgão de imprensa. Na verdade, independentemente da existência formal – quando ela se verifica – de um conselho de redacção, a situação que hoje marca a vida dentro de um órgão de comunicação social resume-se cada vez mais às relações de poder entre o conselho de administração e o/os “directores de informação” (ou equivalentes) por este escolhido”.
As referidas audições puseram ainda em evidência, mais uma vez, as consequências da concentração da propriedade dos meios de informação, designadamente quanto ao pluralismo interno e externo e à diversidade de oferta informativa. Assim como são claros os efeitos da relação entre a capacidade de recolha, tratamento e difusão de informação, circunscrita a um grupo de empresas que comanda os principais órgãos de informação, e a apropriação das criações dos jornalistas que a última revisão do seu Estatuto permite que sejam reutilizadas em todos os órgãos de informação detidos pelas empresas e grupos de comunicação social: além do aumento do poder de intervenção no espaço público dessas empresas e grupos de comunicação social, a redução da diversidade de contribuições dos jornalistas para o conhecimento diversificado e plural da realidade.

De facto, como a vida se está a encarregar de comprovar, a diversidade de órgãos de informação não traduz necessariamente uma diversidade de ângulos de observação, análise e interpretação – portanto, de mediação jornalística – dessa realidade, na medida em que temos cada vez menos jornalistas trabalhando para mais órgãos de informação. Esta é uma via aberta à imposição do pensamento único e à degradação da vida democrática do nosso país.

A defesa da liberdade e da democracia reclamam medidas que garantam uma comunicação social pluralista, democrática e responsável; a existência, a par de órgãos de informação privados, de um sólido sector público de comunicação social, abrangendo os diversos meios de informação - televisão, rádio, imprensa - independente do governo e dos partidos, e especialmente vinculado à garantia do pluralismo e da expressão e confronto das diversas correntes de opinião; a defesa da independência dos órgãos de comunicação face ao poder económico, designadamente impedindo a concentração monopolista de empresas de comunicação social; a reposição e garantia dos direitos dos jornalistas e de outros profissionais de informação e o seu respeito pelos princípios éticos e deontológicos; a gestão não governamentalizada e a aplicação não discriminatória de apoios estatais à comunicação social.

O presente projecto tem como objectivo responder a alguns destes aspectos, nomeadamente:

- A protecção dos direitos de autor dos jornalistas contra a reutilização abusiva dos seus trabalhos;
- Reforçar os mecanismos de acção colectiva dos jornalistas nas redacções;
- Reforçar os direitos e garantias dos jornalistas, e protecção no exercício da profissão.

No primeiro caso, trata-se de responder a uma tendência que tem vindo a impor-se no sector da comunicação social, de, em nome da evolução tecnológica, tornar o trabalho jornalístico numa espécie de “produto branco” que as empresas proprietárias de uma miríade de órgãos de comunicação social utilizam no âmbito do respectivo grupo empresarial quando e onde entendam, sendo o jornalista privado de qualquer protecção quanto à autoria dos seus trabalhos e de qualquer compensação remuneratória pela sua reutilização. Nesta, como em outras matérias, pretende-se que a adaptação às novas condições do “mercado” ditadas pela inovação tecnológica, seja feita exclusivamente à custa dos direitos dos trabalhadores.

O Grupo Parlamentar do PCP propõe ainda o reforço das competências do Conselho de Redacção e da acção dos seus membros, nomeadamente, a pronunciar-se prévia e vinculativamente sobre a designação ou destituição de jornalistas com funções de direcção e chefia; dar parecer vinculativo sobre a elaboração e as alterações ao estatuto editorial; pronunciar-se sobre questões deontológicas ou outras relativas à actividade da redacção, tanto de natureza colectiva como individual, através de apreciações e recomendações; pronunciar-se acerca da responsabilidade disciplinar dos jornalistas profissionais, nomeadamente na apreciação de justa causa de despedimento; entre outras.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Alteração à Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro

Os artigos 7º, 7º – A, 7º – B, 12º, 13º e 19º da Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 7º

Liberdade de expressão e criação

1 – (…)

2 – Os jornalistas têm direito à protecção dos textos, imagens, sons, ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão, divulgação e criação, quer sejam produzidos para um empresa jornalística no âmbito de um contrato de trabalho quer sejam fornecidos no âmbito de um contrato de prestação de serviços.

3 – Os jornalistas podem divulgar livremente originais cuja publicação tenha sido recusada pelo órgão de informação ao qual se encontra vinculado.

«Artigo 7º – A

Liberdade de criação e direito de autor

1 – (…)

2 – (…)

3 – (…)

4 – Os jornalistas que desempenhem funções hierárquicas na mesma estrutura de redacção podem proceder a alterações de obras jornalísticas produzidas por jornalistas seus subordinados, exclusivamente ditadas por razões de correcção linguística ou de necessidade urgente de redimensionamento, por redução do espaço que estava destinado à sua inserção no órgão de informação a cujo quadro redactorial os autores pertencem e desde que estes não se encontrem em condições de efectuá-las ou a elas não se oponham, sendo-lhes lícito recusar a associação do seu nome a uma peça jornalística em cuja redacção final se não reconheçam ou que não mereça a sua concordância.

5 – A transmissão ou oneração antecipada do conteúdo patrimonial do direito de autor sobre obras futuras por colaboradores eventuais ou independentes só pode abranger as que o autor vier a produzir no prazo máximo de três anos.

«Artigo 7º – B

Direito de autor dos jornalistas assalariados

1 – Os jornalistas que exerçam a sua actividade em execução de um contrato de trabalho têm direito a uma remuneração autónoma pela utilização das suas obras protegidas pelo direito de autor.

2 – As autorizações para qualquer comunicação ao público das criações intelectuais dos jornalistas assalariados, ou a transmissão, total ou parcial, dos respectivos direitos patrimoniais de autor são estabelecidas através de convenção colectiva de trabalho ou de acordo expressamente celebrado para o efeito, contendo obrigatoriamente as faculdades abrangidas e as condições de tempo, de lugar e de preço aplicáveis à sua utilização.

3 – Revogado

4 – Revogado

5 – (…)

«Artigo 12º

Independência dos jornalistas e cláusula de consciência

1 – (…)

2 – (…)

3 – A publicação ou divulgação de trabalhos em qualquer órgão de comunicação social diverso daquele em cuja redacção o jornalista exerce funções carece sempre da sua autorização.

«Artigo 13º

Direito de Participação

1 – (…)

2 – (…)

3 – (…)

4 – Os membros do Conselho de Redacção são para os efeitos do disposto nos artigos 454º a 457º do Código do Trabalho, equiparados aos representantes dos trabalhadores, no que se refere ao regime especial de protecção que lhes é consagrado.

5 – Compete ao Conselho de redacção:

a) Cooperar com a direcção no exercício das funções de orientação editorial que a esta incumbem, designadamente através da emissão de recomendações e pareceres;
b) Pronunciar-se sobre a admissão e a progressão profissional de jornalistas;
c) Pronunciar-se prévia e vinculativamente sobre a designação ou destituição de jornalistas com funções de direcção e chefia;
d) Dar parecer vinculativo sobre a elaboração e as alterações ao estatuto editorial;
e) Participar na elaboração dos códigos de conduta que venham a ser adoptados pelos órgãos de informação e pronunciar-se sobre a sua versão final com parecer vinculativo;
f) Pronunciar-se, de forma vinculativa, sobre a conformidade de escritos ou imagens publicitárias com a orientação editorial do órgão de comunicação social;
g) Pronunciar-se, através de parecer prévio e vinculativo, sobre a intenção do director de denegação de direito de resposta;
h) Pronunciar-se sobre a invocação pelos jornalistas dos direitos e deveres previsto nos números 1 a 3 do artigo 12º;
i) Pronunciar-se sobre questões deontológicas ou outras relativas à actividade da redacção, tanto de natureza colectiva como individual, através de apreciações e recomendações;
j) Pronunciar-se acerca da responsabilidade disciplinar dos jornalistas profissionais, nomeadamente na apreciação de justa causa de despedimento, no prazo de cinco dias a contar da data em que o processo seja entregue;
k) Pronunciar-se acerca da responsabilidade disciplinar nos processos abertos pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista relativamente a jornalistas pertencentes ao corpo redactorial do respectivo órgão de informação e a outros jornalistas que a este hajam prestado serviços e por força destes.

«Artigo 19º

Atentado à liberdade de informação

1 – Quem apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da actividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos na presente lei, impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa nos termos do artigo 9º e dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 10º, ou através de qualquer outro meio tenha o intuito de atentar contra a liberdade de informação é punido com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.
2 – (…)

Assembleia da República, em 17 de Junho de 2010

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