Declaração política alertando para a situação que vive o setor da restauração
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O setor da restauração começou a entrar em desespero. A morte anunciada do setor da restauração foi prevista e denunciada pelos empresários do setor, pelas suas organizações representativas, mas também pelo PCP.
Este é um setor com cerca de 90 000 empresas que cria centenas de milhares de postos de trabalho e, por isso, merece respeito. É um setor que teve uma quebra de vendas da ordem dos 30% entre julho de 2011 e julho de 2012, em grande parte como consequência do gravoso Orçamento do Estado deste ano, aprovado pela maioria governamental e com a violenta abstenção do PS.
Desde a apresentação da proposta de Orçamento do Estado — faz agora um ano — que o PCP não se tem cansado de alertar para a gravidade da medida, gravosa para o setor e para a economia nacional.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado, propostas para evitar o imenso desastre em curso. Em fevereiro último, o Secretário-Geral do PCP reuniu com empresários da restauração e voltou a abordar este assunto. Em abril, voltámos a trazer o problema à discussão, através de uma declaração política. O Grupo Parlamentar do PCP, em maio, apresentou também um projeto de lei para reduzir a taxa de IVA para 13%, infelizmente chumbado pela maioria.
Voltamos hoje ao assunto, quando é cada vez mais evidente a asfixia que as políticas deste Governo estão a infligir ao setor. Um setor que tem sido atacado com o aumento da carga fiscal, nomeadamente o aumento do IVA de 13% para 23%, a não resolução do problema do IVA de caixa, as taxas bancárias para pagamentos eletrónicos. Depois de ouvir a Autoridade da Concorrência e o Banco de Portugal, temos a certeza de que ninguém quer intervir, incluindo o Governo, para ultrapassar este problema.
Mas também os elevadíssimos custos da energia, nomeadamente de gás e eletricidade, e até a alteração ao arrendamento vieram agravar os problemas do setor. Sem margens para suportar os custos operacionais, a expectativa é a continuação da falência de inúmeros restaurantes e o crescimento brutal do desemprego.
Somado a tudo isto, este setor é também vítima do brutal ataque aos rendimentos dos trabalhadores e daqueles que vivem do que já trabalharam. Menos rendimento disponível implica abdicar do consumo nos restaurantes. Este processo torna bastante evidente que empobrecer a generalidade dos portugueses e, por essa via, fragilizar o mercado interno é o pior ataque que se pode fazer à economia do País.
Enquanto enfrentam estes problemas, os empresários não podem contar com um dos poucos setores que tem sido protegido no País — a banca —, no qual já foram injetados 6000 milhões de euros. E não precisavam de muito, pediam apenas uma linha de crédito adequada, com condições para acordos de pagamentos em atraso às finanças e à segurança social.
A persistência nesta política para o setor pode levar a uma redução de mais de 40% das empresas até ao final do próximo ano e a uma redução em cerca de um terço do número de postos de trabalho no setor.
Bem podemos promover nas televisões nacionais as sete maravilhas da gastronomia do País. Bem podemos apregoar a qualidade da nossa gastronomia. As empresas da restauração são parte do repositório da tradição gastronómica do País. Cada restaurante que fecha as suas portas é uma perda que se verifica neste âmbito.
Em Beja, estivemos com seis dos restaurantes mais conhecidos da cidade e da região que integram o Movimento Nacional dos Empresários da Restauração. Os empresários, ouvidos pelo PCP, deram conta da redução significativa de postos de trabalho que tiveram de efetuar nos seus estabelecimentos e das perspetivas de encerramento.
Por cada restaurante que encerra, é a gastronomia portuguesa que perde e um rasto de desemprego que fica, funcionários qualificado numa área em franca recessão que dificilmente encontram emprego noutro local, empresários que ficam sem o seu negócio, muitas vezes familiar, sem acesso a qualquer proteção social.
A luta dos empresários pelo seu setor está cada vez mais a dar forma à indignação. A indignação que ontem pôde ser ouvida à porta da Assembleia da Republica, de quem quer trabalhar, de quem sabe trabalhar e a quem o Estado suga o produto desse trabalho ou cria condições para que outros o suguem. Reafirmamos daqui a solidariedade do PCP com as lutas dos empresários da restauração e reafirmamos o empenho do Grupo Parlamentar do PCP em intervir para inverter a situação.
Exigimos a libertação de dinheiro para a economia e a limitação dos lucros no setor energético. Hoje mesmo dará entrada uma proposta do PCP para redução da taxa de IVA para os 13%.
Cada um dos Srs. Deputados saberá o que fazer com o seu voto, mas, se ele for coerente com as palmadinhas nas costas que dão aos proprietários dos restaurantes, podemos dar um contributo para minorar o problema.
Se persistirem na habitual divergência entre o que dizem às pessoas no contacto direto e o que votam aqui, na Assembleia, não ajudarão a resolver o problema, mas certamente que, para o setor, se tornará ainda mais claro quem são aqueles com quem pode contar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Obrigado pela questão que colocou relativamente a esta matéria.
Efetivamente, logo que foi conhecida a medida e durante a discussão do Orçamento do Estado do ano passado, dissemos que era grave, que era incomportável, que ia ser um ataque grande ao setor a subida de 10 pontos percentuais do IVA, que correspondiam a 77% de agravamento deste imposto ao setor.
Hoje, são-nos apresentados estudos e vamos conhecer mais — na próxima sexta-feira, a ARESP virá cá apresentar outro estudo — de entidades independentes que nos dizem que a extinção de postos de trabalho pode ser de 37 000 até final deste ano e de 62 000 no final do próximo ano e que os encerramentos dos estabelecimentos poderão ser de 11 000 neste ano e de 28 000 no próximo ano. Isto tudo poderá representar uma perda de 1750 milhões de euros de volume de negócio neste biénio 2012/2013, numa altura em que o País tem as dificuldades que tem.
Este processo torna claro que abdicar do mercado interno, como este Governo tem feito, falando e valorizando apenas as exportações, é um erro enorme e condena o País.
Neste novo Orçamento do Estado, que já deu entrada na Assembleia, persistem neste erro de asfixiar o mercado interno e tirar poder de compra às famílias e aos portugueses.
Como o Sr. Deputado dizia, ninguém entende quem está a ganhar, mas sabemos quem perde. E quem perde são os empresários da restauração, quem perde, afinal de contas, é o País, com estas medidas que o Governo não quer abandonar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Catarina Martins,
Muito obrigado pelas questões colocadas.
Efetivamente, ontem, tivemos uma grande manifestação de repúdio e de descontentamento para com estas políticas. Diria mais: uma manifestação até de aflição, pois o que vimos ali foi empresários aflitos sem saber o que hão de fazer à sua vida e à sua empresa, empresários que fecharam os seus estabelecimentos e abdicaram de faturar para vir aqui expressar a sua opinião e manifestar o seu descontentamento — e fizeram-no de uma forma muito correta e barulhenta. Como dizia, esses empresários fecharam as portas e, consequentemente, perderam rendimentos para poderem aqui vir, mas não quiseram deixar de estar presentes nesta manifestação (o que, ao que se sabe, não é muito comum neste setor) e avançaram agora dado o desespero a que chegaram.
Relativamente ao que a Sr.ª Deputada disse sobre aquilo que são as suas dificuldades, os empresários do Algarve deram-nos conta, por exemplo, da impossibilidade de competir com os empresários dos estabelecimentos do outro lado da fronteira, pois estes têm metade dos custos de produção para poderem funcionar com os seus restaurantes, não só a nível fiscal mas também em termos do preço da energia ou das taxas bancárias, contrariamente aos nossos custos que asfixiam o setor. Tudo isto torna impossível a concorrência com os estabelecimentos do outro lado da fronteira.
Ora, estes empresários que estão aflitos só podem contar com insensibilidade por parte do Governo, um Governo que já percebeu que, nesta matéria, estamos a ir contra a parede, mas que teima em bater com a cabeça na parede e não recua nas decisões já tomadas.
Relativamente ao silêncio da maioria, até o percebemos, porque, ontem, quem ali esteve ouviu os empresários — e já referi isso na minha declaração política — falar nos Srs. Deputados que conhecem e que frequentam os seus estabelecimentos e que, quando lá vão, se mostram todos muito preocupados e muito de acordo com aquelas que são as preocupações dos empresários da restauração, mas, aqui, a única coisa que conseguem fazer é remeter-se ao silêncio e apresentar propostas como nos apresentaram agora no Orçamento do Estado (e vamos ver como farão em relação à sua aprovação, apesar do que já disseram aqui hoje), não obstante persistirem as dificuldades neste setor.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Hortense Martins,
Obrigado pelas questões que colocou, pelo reconhecimento e pelo acompanhamento que faz das dificuldades deste setor.
Sabemos que o PS tem acompanhado este assunto e que, inclusivamente, já aprovou o projeto de lei que referi e que apresentámos em maio.
Mas deixe-me lembrar-lhe que grande parte deste problema tem a ver com aquilo que foi o anterior Orçamento do Estado e que, relativamente a este instrumento que provocava estas dificuldades no setor, o PS não foi além de uma violenta abstenção.
Efetivamente, há aqui um agravamento muito complicado da carga fiscal, mas, como já referi aqui hoje, o ataque aos trabalhadores também tem aqui uma importante componente de intervenção no setor. Desde logo, na limitação da sua capacidade de consumo, o que o afeta em muito e é também um dos principais problemas do setor, mas também porque são trabalhadores que têm uma formação muito específica e por isso dificilmente saem daquela atividade e têm outras tarefas que facilmente desempenhem. Um cozinheiro ou um empregado de mesa, por exemplo, devido à especificidade das suas tarefas, tem mais dificuldade em poder empregar-se.
Mas este setor, como o turismo, também sofre de um outro problema, que tem sido atacado por este Governo e que é a sazonalidade. Quando se elegeu como bandeira o ataque aos feriados e às «pontes», parecendo que eram os piores problemas do País, esqueceu-se que se estava a atacar estes setores, que também vivem disto, e que esta sazonalidade, esta possibilidade de se fazer férias repartidas, é importante, é fundamental para estes setores, nomeadamente nas zonas mais turísticas — e também isto foi atacado.
Só que um setor com a importância que este tem para o turismo e para a gastronomia sobreviverá sempre no País. Os governos do PS ou do PSD podem não durar muito, mas este setor durará certamente. Poderá ficar muito afetado com as vossas medidas, e certamente já o está, mas durará e sobreviverá, também em função daquilo que for a sua capacidade de resistência e a sua capacidade de luta.