Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Reunião Nacional de Quadros do PCP sobre as Comissões de Trabalhadores

Reunião Nacional de Quadros do PCP sobre as Comissões de Trabalhadores

Discutimos hoje aqui essencialmente o papel das Comissões de Trabalhadores e sub-Comissões de Trabalhadores na luta que travamos em defesa dos direitos dos trabalhadores, num quadro político e social, caracterizado por uma ofensiva que pela sua gravidade e dimensão exige o redobrar da acção unitária a intervenção organizada que passa necessariamente pela defesa dos próprios direitos das Comissões de Trabalhadores que deve ter como base a nossa tese sempre actual que os direitos defendem-se exercendo-se.

No ano que comemoramos os 40 anos da revolução de Abril, em que abundam as tentativas de reescrita da história e por parte de autodenominados «historiadores», com o objectivo claro de secundarizar e distorcer ou silenciar o papel do Partido na luta organizada do movimento operário, antes e imediatamente após a revolução de Abril, importa repor a verdade e dar sentido aos valores de Abril que permanecem para as quais contribuiu o movimento das Comissões de Trabalhadores.

As Comissões de Trabalhadores não nasceram por geração espontânea.

Quando na década de 60 algum patronato criou as comissões de empresa, que não passavam de uma expressão de colaboracionismo de classes, foi o Partido que as desmascarou e isolou dinamizando a criação das Comissões de Unidade que, sem funcionamento ou estruturação fixas, se formavam em torno por vezes de uma só reivindicação, desencadeando processos de luta.

Por exemplo em 24 de Abril de 74 os trabalhadores da Mague estavam em greve sob a direcção da Comissão Unitária dos Trabalhadores (CUT).

É nas Comissões de Unidade que se inspiram centenas de Comissões de Trabalhadores que surgem particularmente nas cordas industriais de Lisboa e Setúbal, mas também no Porto, que sendo eleitas em plenário passaram a ter actividade e funcionamento regular e permanente.

O Partido consciente da importância da unidade dos trabalhadores, confiando na sua criatividade nunca impôs, mesmo quando a sua influência era determinante ou predominante em centenas de empresas, que a sua composição fosse fechada, antes procurava que ela fosse aberta à participação de trabalhadores sem filiação partidária ou até filiados noutros partidos,reconhecidos pela sua honestidade e prestígio no seio dos trabalhadores. Princípio e orientação que continuam válidos e actuais.

Uma questão de fundo que então se colocou foi o de saber como se caracterizava a relação entre as Comissões de Trabalhadores e o movimento sindical que a partir da Intersindical, com os sindicatos conquistados ou conquistando as direcções sindicais até aí formadas por escolha do regime corporativo-fascista, se afirmava, alargava a sua organização e influência de massas.

Nalgumas empresas ressurgiram as comissões de empresa ou do patrão (10%), enquanto noutras (cerca de 3%) grupos esquerdistas ou anarquistas formavam comissões de trabalhadores sustentadas na fraseologia radical pequeno-burguesa – umas e outras convergindo no seu carácter anti-sindical, provocando a desconfiança e a aspiração de sindicatos unitários em relação às comissões de Trabalhadores.

É o Partido que clarifica e faz tese sobre o papel e o lugar das Comissões de Trabalhadores, quando as define como instrumentos democráticos dos trabalhadores visando a sua unidade, autónomas mas não concorrentes antes cooperantes e solidárias com o movimento sindical, assumindo uma complementaridade insubstituível na acção em defesa dos interesses dos trabalhadores e no desenvolvimento da luta em particular exercendo o controlo operário ou de gestão para potenciar a própria acção reivindicativa dos sindicatos e na articulação dos processos de luta travada nas empresas.

Um passo adiante a organização do movimento foi a criação de coordenadoras regionais e sectoriais, elas próprias criação e emanação da vontade as Comissões de Trabalhadores que sentiram a necessidade, não tanto de direcção mas de coordenação em torno de questões comuns e concretas e de resposta coordenada no quadro do desenvolvimento do processo revolucionário e da própria contra-revolução que se seguiu.

A Constituição da República aprovada em 1976 ao consagrar e reconhecer no seu capítulo mais nobre (Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais), as Comissões de Trabalhadores e os seus direitos não o fez por dádiva ou favor jurídico constitucional, dos constituintes, antes acolheu uma experiência e uma realidade que foi obra e conquista dos trabalhadores portugueses.

Com o encetar do processo contra-revolucionário de recuperação e restauração capitalista as Comissões de Trabalhadores, pelas suas características unitárias, pelo seu papel na defesa dos interesses dos trabalhadores e da democracia nas empresas exercendo o controlo operário, passaram a ser um obstáculo. Proibi-las não era possível.

Então encontraram o caminho da legislação para as tentar formatar, domesticar e ilegalizar de facto, em centenas de empresas através da imposição de uma malha regulamentar apertada sem descurar no entanto a possibilidade de reconhecendo-lhes alguns direitos, se transformarem em organizações de conciliação de classes ou concorrentes do movimento sindical unitário.

Mais uma vez foi o Partido que definindo como orientação a defesa das características unitárias e de classe do movimento das Comissões de Trabalhadores, salvaguardou a sua existência e natureza no quadro da Lei 46/79 e da sua própria interpretação.

A Lei e a sua aplicação, o não reconhecimento por parte do patronato e das administrações de muitas centenas de Comissões de Trabalhadores em muitas empresas que não ultrapassaram as dificuldades e a malha burocrática que a Lei impunha , reduziu o numero de Comissões de Trabalhadores existentes.

Mas é no processo de recuperação e restauração capitalista, na liquidação e privatização do aparelho produtivo, de grandes empresas e sectores industriais que se dá a redução quantitativa e qualitativa das Comissões de Trabalhadores.

Mas houve centenas que resistiram.

Na sua existência, na sua acção e na sua luta está a causa principal de após várias revisões constitucionais (não é que a direita não tenha tentado) as Comissões de Trabalhadores e os seus direitos continuam a estar consagrados na Lei Fundamental.

Na actual situação que vivemos com a ofensiva política, económica e social mais profunda e mais grave a que assistimos desde a existência do regime democrático. Com um Governo determinado em levar o mais longe que puder a sua obra de demolição e destruição, em que definiu como objectivos supremos o aumento da exploração e o empobrecimento dos trabalhadores e do povo português porque é lá, na empresa e nos locais de trabalho, e local onde estão as Comissões de Trabalhadores, que se dá o conflito e o embate principal entre interesses de classe; onde os trabalhadores sentem os efeitos dos roubos nos salários e nos direitos, que temos de resistir e agir.

O Governo sentindo o tempo a esgotar-se e o apoio social a reduzir-se com os partidos que o apoiam, abalados pela derrota eleitoral histórica que tiveram nas eleições para o Parlamento Europeu, está num processo de fuga para a frente com a consciência que está derrotado mas também sabendo que tudo o que puder destruir será mais difícil de construir e recuperar.

Ao apontar as baterias contra a Constituição e afrontando o órgão de soberania – o Tribunal Constitucional – que tem por dever garantir o seu cumprimento e respeito, sabe que pode falhar nesse objectivo de aumentar a exploração e o empobrecimento.

Quando estão em causa salários, reformas e pensões, quando estão em causa o direito do trabalho e dos trabalhadores, ou seja direitos que determinam a razão principal para que foram eleitos pelos trabalhadores nas vossas empresas, então não podemos ficar à espera que a Constituição se defenda por si própria, ou das decisões do Tribunal Constitucional. É necessário levar à prática esse princípio de que os direitos defendem-se exercendo-se.

Cooperando com o movimento sindical unitário, designadamente no desenvolvimento da acção reivindicativa e particularmente defendendo a contratação colectiva que o Governo quer despachar rapidamente e em força até ao verão, a par do prolongamento do roubo na retribuição das horas suplementares.

Potenciar o facto das Comissões de Trabalhadores representarem todo o universo dos trabalhadores da empresa para elevar a sua consciência, esclarecendo-os e mobilizando-os para a luta que, partindo da empresa vai ter expressão na rua designadamente nos próximos dias 14 no Porto e 21 em Lisboa por convocação da CGTP-Intersindical Nacional, onde a exigência maior passa pela demissão do Governo, a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas.

A situação que vivemos é bem o reflexo do rumo de declínio a que a política de direita conduziu o país e que se acentuou nestes três anos de governo do PSD/CDS e de aplicação do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS assinaram com a troika estrangeira.

Portugal é hoje e, crescentemente, um País mais injusto e mais desigual.

Desde a assinatura do Pacto de Agressão que as medidas de austeridade e extorsão dos rendimentos aos trabalhadores, reformados e população em geral, ultrapassaram os 20 mil milhões de euros, sem que isso significasse qualquer melhoria da situação do País e a solução do seus problemas.

Um período onde a relação entre capital e trabalho tem sido marcada por uma mais desenfreada exploração do trabalho.

Um rumo de desenfreada exploração que conduziu uma situação social trágica: desemprego e precariedade brutais; regressão drástica das condições de vida das classes trabalhadoras, pela via do ataque aos salários, às reformas, às prestações sociais, aos direitos sociais e laborais, dos impostos e dos preços dos bens essenciais; empobrecimento generalizado dos portugueses e que fizeram crescer ainda mais a situação de pobreza.

Um período onde é patente uma ampla e diversificada ofensiva visando levar a cabo uma regressão histórica através de um criminoso ataque aos direitos conquistados pela luta do movimento operário e sindical.

Temos afirmado que estamos perante um programa de terrorismo social e é bem verdade.

Um programa que está longe de ter terminado, como vamos vendo pelos mais recentes anúncios da parte de governo e que revelam bem que estamos perante um poder económico insaciável e um poder político ao seu serviço que age sem escrúpulos de qualquer espécie.

A vastidão das medidas e a máquina trituradora de direitos e rendimentos que tem vindo a ser posto em marcha é tal, atingindo todos os sectores privado, público, empresas do sector empresarial do Estado, trabalhadores do activo ou reformados, que se lhe perde o conto.

Mais difícil se tivermos em conta a ofensiva dos Governos de Durão Barroso, de José Sócrates que, com os mesmos propósitos, impuseram profundas alterações às leis laborais, abrindo caminho a uma espécie da lei da selva nas relações de trabalho que agora se ampliou com o actual governo.

De facto, estamos perante um programa de exploração do trabalho e de terrorismo social que está em contínuo desenvolvimento e que mostra bem que a mudança de rumo anunciada pelo governo e tão proclamada viragem com a dita partida da troika estrangeira, é uma fraude.

Uma dupla fraude, diga-se.

Em meia dúzia de dias, ficou claro pelo voz do próprio governo quando pretendeu chantagear e desculpabilizar-se face às recentes decisões do Tribunal Constitucional, que nem a troika saiu e que este governo continua a ser um pau-mandado das grandes potências e do grande capital nacional e transnacional, nem é limpa a tão entoada saída do programa de agressão e de ingerência, como o revela também a agenda de ataque aos direitos e rendimentos dos trabalhadores, aos reformados e às funções sociais do Estado que têm em curso para o imediato e os próximos anos.

Agenda de aprofundamento da exploração e de ataque às condições de vida do povo que estão inscritos na “estratégia de médio prazo” aprovada pelo governo recentemente, no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 e no Guião mal chamado de Reforma do Estado, agora reformulado.

Documentos que tornam clara a intenção de eternização a actual política de empobrecimento do povo e de ruína nacional a que temos assistido.

Documentos onde estão presentes alguns dos novos compromissos assumidos com a troika estrangeira e os que resultam dos instrumentos de dominação da União Europeia, nomeadamente do Tratado Orçamental, imposto pelo eixo franco-alemão que PSD, CDS e PS aprovaram e que visa institucionalizar o neoliberalismo como política única da União Europeia, isto é, as políticas de destruição de direitos laborais e sociais, ataque aos salários, de privatização das funções sociais do Estado e de alienação do património público a favor dos grandes grupos económicos.

O seu plano é vasto e não há malabarismos, nem jogos de palavras que possam esconder o seu projecto de aprofundamento da exploração do trabalho, tal como não há expedientes que possam iludir a sua acção de deliberado desprezo e afronta à Constituição da República.

O que têm em preparação neste momento é a imposição da política de novos cortes nos rendimentos do trabalho e nas reformas com o objectivo de tornar definitivos os cortes que anunciaram ser transitórios e excepcionais, mais impostos sobre os trabalhadores o povo, maior redução do direito à saúde, à educação e à protecção social com novas reduções de serviços públicos e novos ataques às empresas públicas e aos seus trabalhadores.
Por isso, vimos o governo esta semana já a decidir medidas para aplicar em 2015 contra os reformados e ouvimos anunciar a intenção de fazer o mesmo em relação aos salários dos trabalhadores da administração pública, mais uma vez “forçando a barra” dos chumbos do Tribunal Constituicional.

O Orçamento que está em vigor este ano seguiu a via do roubo e do confisco dos salários, das reformas e pensões, do ataque aos serviços públicos essenciais às populações dos anteriores, e o que preparam já como vamos vendo para 2015 são novas medidas no mesmo sentido.

No caso dos reformados com a transformação da CES, num imposto permanente chamado de Contribuição de Sustentabilidade, a que juntaram mais um aumento do IVA e dos descontos para a CGA, enquanto preparam o que chamam de reforma do sistema de pensões, condicionando-as à evolução do PIB e à evolução demográfica. Uma autêntica contra-reforma do sistema de Segurança Social que mais não visa que garantir novas reduções no valor das reformas no futuro.

Falam numa nova estratégia para testar a constitucionalidade das suas medidas, mas nova ou velha, a sua estratégia é sempre a mesma: - forçar soluções para aumentar a exploração e fazer pagar aos trabalhadores e ao povo uma crise para a qual nada contribuíram.
Com este governo e esta política de desastre nacional o que visam é manter Portugal submetido ao espartilho do défice e da dívida e sujeito à ditadura do mercado.

Mas não são apenas os reformados e os trabalhadores da administração Pública que são o alvo desta política, são todos os trabalhadores de todos os sectores.

O seu objectivo é a imposição de um modelo económico assente em baixos salários e no trabalho precário e sem direitos, acentuando ainda mais a injusta distribuição do rendimento nacional que temos no País.

Um modelo que se quer impor à custa do retroceder do país, regressando e consolidando a política de salários de miséria, desemprego e emigração!
Por isso querem impor novas alterações do Código do Trabalho, visando a facilitação dos despedimentos e a fragilização e destruição da contratação colectiva, empurrando mais para baixo quer salários, quer condições de trabalho.

Por isso resistem ao aumento do salário mínimo nacional e dos salários em geral e vêm com a desculpa esfarrapada da competitividade da economia.

Se fosse verdadeira a sua preocupação com a competitividade da economia portuguesa deviam ir não aos salários, mas aos custos que o grande capital financeiro impõe ao conjunto da economia.

As dificuldades competitivas da economia portuguesa estão no elevado custo do crédito, nos custos da energia superiores aos nossos congéneres europeus, nos custos agravados em matéria de telecomunicações e redes de transporte e logística, na distribuição dos fundos comunitários e do papel que o Euro desempenhou e desempenha na perda dessa mesma competitividade.

Não é a intensificação do trabalho, nem a redução dos salários que resolverá o problema da menor produtividade e competitividade do país.

Essas são soluções que levam a prazo o país para um beco sem saída e ao nivelamento por baixo do seu desenvolvimento, à continuação do aumento das desigualdades com a desvalorização do trabalho e ao aumento dos rendimentos do capital, fomentando a concentração e centralização da riqueza.

É preciso lembrar e denunciar que as remunerações dos trabalhadores representam apenas pouco mais de 25% dos custos de produção das nossas empresas em geral e especificamente no caso dos ramos exportadores esse peso é de apenas 15,5% em média!

É bom lembrar que o peso dos salários no Rendimento Nacional era de 59,5% em 1975 e que esse peso é hoje de 38%!

Portugal é um dos países mais desiguais da União Europeia e essa desigualdade não se traduz apenas na distribuição do rendimento das famílias, é um fenómeno que se observa no acesso aos cuidados de saúde, ao emprego, à educação, à justiça.

Em relação à Contratação Colectiva o governo aprovou na passada 5ª feira, com o apoio do grande patronato e da UGT a redução dos prazos de caducidade das convenções e a possibilidade da sua suspensão em situação de crise.

É uma medida grave que é preciso combater. É um primeiro passo de um projecto que visa a destruição da contratação colectiva e com a ela a eliminação de todos direitos conquistados por gerações de trabalhadores.

Não tenhamos dúvidas, os seus planos passam por continuar a reduzir direitos e salários, por continuar a política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde, à Segurança Social Pública, a tudo o que é público e garante direitos elementares e vitais para os trabalhadores e as populações.

Os seus planos passam pela continuação da alienação da capacidade produtiva nacional e pela transferência para o grande capital nacional e transnacional de empresas e sectores estratégicos, num quadro em que o crescimento económico é residual e o desemprego insuportável e em que os grupos económicos continuam a beneficiar de mais privilégios, apoios e benefícios fiscais.

É essa perspectiva que se apresenta para os anos a manterem-se as actuais orientações e a política de submissão perante a troika, os mercados financeiros e os ditames da política da União Europeia.

O governo para levar em frente esta política acena com um futuro promissor para todos.

Mas a vida desdiz todos os dias a propaganda do governo, bem patente nas actuais condições de vida dos portugueses, mas como o mostram também os mais recentes dados da situação do País.

Para lá da cortina de propaganda, o País continua hoje a afundar-se sob o peso de uma dívida insustentável que impede o desenvolvimento e crescimento económicos. Os mais recentes indicadores que dão conta de um novo crescimento da dívida pública com um novo máximo muito acima dos 130% do PIB!

E para desmentir a propaganda da viragem e do milagre económico, aí temos o regresso a novas quebras da economia para níveis negativos neste primeiro trimestre de 2014, confirmando que o actual rumo só pode conduzir ao abismo económico e social.

Hoje, mais do que nunca é a permanência do actual governo e o prosseguimento da sua política de submissão que põe em causa o futuro do País e a vida dos portugueses.

O país precisa de uma outra política que ponha fim ao declínio económico, à injustiça, ao empobrecimento e ao rumo de afundamento nacional e que é inseparável da demissão do governo e da realização de eleições antecipadas.

  • PCP
  • Trabalhadores
  • Central