Pergunta ao Governo N.º 568/XII/1

Retirada da comparticipação da pílula e da vacina contra o cancro do colo do útero

Retirada da comparticipação da pílula e da vacina contra o cancro do colo do útero

O recente anúncio do Ministro da Saúde sobre a possível retirada de comparticipação da pílula e da vacina contra o cancro do colo do útero veio criar novas e maiores reocupações sobre o desenvolvimento das políticas de saúde sexual e reprodutiva.
Em 2010, a Assembleia da República aprovou um Projecto de Resolução sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher ao longo do seu ciclo de vida, apresentado pelo PCP, dando
origem à Resolução da Assembleia da República n.º 46/2010, de 21 de Maio, onde consta uma recomendação para que o Governo (incluindo, evidentemente, o actual) «crie condições para
que a vacinação que protege contra vírus, como o vírus do papiloma humano (HPV), seja amplamente divulgada e gratuita para todas as mulheres».
Aquando da discussão do diploma em causa, podia ler-se no preâmbulo do respectivo Projecto que «já os dados da saúde dos jovens, publicados em 2006 pela Divisão de Saúde Materna,
Infantil e dos Adolescentes da Direcção-Geral de Saúde, apesar da tendência de diminuição da gravidez, maternidade e maternidade adolescentes, “no que respeita às idades mais jovens, constatou-se, nos 20-24 anos, um abrandamento da expressão dessa tendência [de decréscimo], tendo havido, inclusive, um ligeiro aumento nos anos de 1999 e 2000»,
confirmando que Portugal se encontra num dos países com a maior taxa de gravidez na adolescência.
Ora, as razões apresentadas para a não comparticipação da pílula anticoncepcional, no seguimento do anterior Governo que não comparticipava as pílulas com menor nível de estrogénio, logo, menos invasivas para a mulher, prendem-se com a sua disponibilização gratuita nos Centros de Saúde. Contudo, as consultas de planeamento familiar, além de não serem garantidas em todas as unidades, funcionam em horário laboral pelo que muitas mulheres não podem ser acompanhadas, e, em muitos casos, como amplamente denunciado na comunicação social, frequentemente se verificam ruptura de stocks das já reduzidas marcas disponibilizada, ao que acresce o facto de ser uma questão especialmente sensível nas raparigas mais jovens que muitas vezes não estão disponíveis, por razões de pressão social,
para se dirigirem ao centro de saúde a fim de obter o contraceptivo.
Sublinhe-se ainda o aumento estimado, por exemplo, para 18 euros das pílulas que actualmente custam 5,75 euros, podendo este aumento significar que muitas mulheres, por razões de
impossibilidade económica, se vejam excluídas do acesso a este meio anticoncepcional.
Quanto à vacina contra o cancro do útero, depois de várias recomendações da União Europeia, de petições organizadas por movimentos de mulheres (nomeadamente o Movimento
Democrático de Mulheres), de diversas campanhas nacionais e internacionais de sensibilização, esta foi incluída no Plano Nacional de Vacinação para as raparigas até aos 17
anos , não sendo, contudo, acessível à grande maioria das mulheres. A retirada da sua comparticipação traz custos insuportáveis para a grande maioria das mulheres que ficam assim impossibilitadas de aceder a esta importante vacina.
Esta vacina visa prevenir o cancro do colo do útero e outras doenças provocadas pelo VPH. O cancro do colo do útero continua a ser a segunda causa mais comum de cancro (depois do
cancro da mama) entre as mulheres jovens (15-44 anos) na Europa. Portugal regista a maior incidência da doença entre os restantes países da União Europeia: cerca de 17 casos por cada
100 mil habitantes, com 900 novos casos por ano. Todos os anos morrem mais de 300 mulheres em Portugal com este tipo de cancro.
As infecções por VPH são muito comuns, estimando-se que mais de 70% das pessoas com uma vida sexual activa contraiam pelo menos uma infecção deste tipo. A esmagadora maioria das
infecções é controlada pelo nosso sistema imunitário e quase inofensiva, mas cerca de 20% tornam-se crónicas e podem originar cancro, sobretudo se associadas a outros factores, como os genéticos ou adquiridos, como o tabagismo. O rastreio deste tipo de cancro é fundamental, uma vez que, quando detectado no início, o tratamento pode ter uma taxa de sucesso de 100%.
Tais anúncios de cortes provocaram já a discordância de amplos sectores da população, nomeadamente de movimentos sociais como o Movimento Democrático de Mulheres, a Associação para o Planeamento da Família, o Movimento de Utentes dos Serviços Públicos, a CGTP-IN e também do Bastonário da Ordem dos Médicos.
O planeamento familiar é um direito de todos, consagrando desde 1984 e um meio fundamental de organização familiar e pessoal. Medidas economicistas de cortes em direitos sociais e
fundamentais põem em risco conquistas históricas e os direitos mais básicos das pessoas como o direito à saúde.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea d) do Artigo 156º da Constituição da República Portuguesa e da alínea d), do n.º 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, solicitamos ao Exmo. Senhor Ministro da Saúde, os seguintes esclarecimentos:

- Entende o Sr. Ministro que estas medidas, a serem tomadas vão beneficiar as mulheres portuguesas? Em que termos são estas medidas um contributo para a melhoria de vida das
mulheres?
- Estando o Governo vinculado a uma Resolução da Assembleia da República como justifica que possa adoptar medidas que contrariam, em toda a linha, a Resolução aprovada e em vigor?
- Entende o Sr. Ministro ser esta uma forma eficaz de garantir o direito à saúde e ao planeamento familiar?

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