Resolução Política XIV Congresso do PCP

Capitulo I

As alterações da situação internacional e as perspectivas da sua evolução

No período decorrido desde o XII Congresso produziram-se profundas modificações na situação internacional.

A desagregação da URSS e o colapso dos regimes socialistas no Leste da Europa, levando ao desaparecimento do socialismo como sistema mundial, constituem uma imensa perda para os trabalhadores e os povos de todo o mundo e traduzem-se num sério desequilíbrio da correlação de forças no plano mundial em favor do imperialismo e da reacção. As tentativas de impor uma «nova ordem mundial» hegemonizada pelos EUA e outras grandes potências imperialistas encerram enormes perigos para a liberdade, a democracia, a independência, o progresso social e a paz.

Simultaneamente, as transformações operadas no sistema capitalista mostram que a sua natureza exploradora e agressiva se mantém e que a tendência não é para a superação das suas contradições internas mas para a sua agudização. É manifesta a crise em que se debate e a sua incapacidade para dar resposta às necessidades e aspirações dos trabalhadores e aos grandes problemas que afectam a Humanidade. Por todo o mundo prossegue a luta dos trabalhadores e dos povos pela sua emancipação social e nacional.

O movimento comunista, apesar dos sérios problemas que enfrenta, é uma realidade que continua e, assimilando as lições da experiência e com uma composição renovada, mantém-se como uma necessidade para a superação revolucionária do capitalismo. O fortalecimento dos laços de solidariedade e cooperação entre os comunistas e todas as forças progressistas é um imperativo da hora presente.

1. A desagregação da URSS e o desaparecimento do socialismo como sistema mundial

1.1. A desagregação da URSS constitui uma imensa perda para os trabalhadores e os povos de todo o mundo e cria, a curto e médio prazos, uma situação qualitativamente nova a nível mundial.

1.2. O triunfo da Revolução de Outubro e a edificação do socialismo na URSS representaram extraordinários avanços e conquistas revolucionárias do povo soviético e exerceram uma profunda influência na luta dos trabalhadores e dos povos e em todo o desenvolvimento mundial.

Os grandes progressos e transformações revolucionárias da sociedade ao longo do século XX são inseparáveis da existência da URSS, do estímulo do seu exemplo pioneiro na construção de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados, das suas realizações ao serviço do povo (económicas, sociais, culturais e outras), do seu grande potencial económico, técnico-científico e militar, do seu papel na vida política e no sistema de relações internacionais. A URSS constituiu uma referência em toda a vida mundial, pelo seu papel histórico determinante na 2.ª Guerra Mundial para salvar a Humanidade do terror nazi-fascista, na contenção do imperialismo e na defesa da paz e um apoio, por vezes decisivo, à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos e às transformações revolucionárias realizadas no mundo no decurso do século XX.

Entretanto, no processo de construção do socialismo na URSS, que passou por momentos históricos muito diferenciados, vieram a acumular-se deformações, erros e atrasos que alienaram a intervenção criativa das massas, entravaram o desenvolvimento das forças produtivas, enfraqueceram o papel da URSS e o prestígio do socialismo no plano internacional, acabando por gerar uma grave crise que se impunha rapidamente superar.

1.3. As causas que conduziram às derrotas do socialismo na URSS e na Europa do Leste radicam, como o XIII Congresso (Extraordinário) do PCP realizado em Maio de 1990 apontou, no «modelo» de socialismo que veio a configurar-se na URSS e se generalizou, por transposição mecânica de soluções, a outros países e que, apesar de realizações de inestimável valor, não só esgotara as potencialidades de desenvolvimento progressista como violou características essenciais de uma sociedade socialista e se afastou, contrariou e afrontou os ideais comunistas.

Um «modelo» caracterizado pela substituição do poder popular por uma forte centralização do poder político, cada vez mais burocratizado, afastado das aspirações, opinião e vontade do povo; por graves limitações à democracia política, ao mesmo tempo que se acentuava o carácter repressivo do Estado e a infracção da própria legalidade; pela edificação de uma economia com centralização excessiva da planificação e da propriedade estatal e eliminação de outras formas de propriedade e de gestão, o desprezo pelo papel do mercado e a falta do necessário incentivo da produtividade e do empenhamento dos trabalhadores; pelo estabelecimento no partido de um sistema de centralismo burocrático, com o afastamento progressivo dos trabalhadores e das massas populares e a imposição administrativa das decisões, tanto no partido como no Estado, dada a fusão e confusão entre o Estado e o partido; e finalmente pela dogmatização e instrumentalização do marxismo-leninismo e a sua imposição como doutrina do Estado.

A evolução dos acontecimentos evidenciou a real existência de uma ampla camada burocrática de beneficiários deste «modelo» estranho aos ideais comunistas e o alto grau de degenerescência (oportunismo, carreirismo, venalidade política) que atingiu mesmo elementos dos mais altos escalões do partido e do Estado soviéticos.

É sem dúvida necessário não esquecer o contexto externo extraordinariamente adverso em que se processou a construção do socialismo e a sua influência no desenvolvimento de características negativas na nova sociedade. Mas as causas fundamentais e determinantes são de natureza interna, radicam num «modelo» de sociedade cuja rejeição e superação se tornara indispensável para repor, renovar e relançar o desenvolvimento do socialismo.

1.4. O PCP saudou as decisões do XXVII Congresso do PCUS, em Fevereiro de 1986, e assumiu no início da perestroika (reestruturação) uma atitude solidária para com o PCUS e o povo soviético na luta pela realização da perestroika considerada, nos seus objectivos fundamentais declarados, de defesa, renovação e avanço do socialismo. Porém, com o passar do tempo, expressou crescente inquietação perante o avanço de forças anti-socialistas e o surto de teorizações oportunistas e liquidacionistas que, invocando o que afirmavam ser a perestroika, se desenvolveram a partir das mais altas instâncias do partido e do Estado.

A perestroika constituía um empreendimento de extraordinária dimensão pela envergadura dos problemas acumulados, o atraso na sua consideração e o carácter inédito das soluções. O contexto de agudização da ofensiva do imperialismo e a coincidência do surto de expansão económica nos países capitalistas desenvolvidos com graves problemas económicos e financeiros na URSS e nos países socialistas do CAME representaram dificuldades acrescidas.

Inicialmente a perestroika despertou grandes esperanças e suscitou um amplo apoio popular. A situação não evoluiu, porém, no sentido dos objectivos proclamados.

Concepções políticas e medidas erradas, vacilações, capitulações, corrupção, cumplicidades e traições ao mais alto nível do partido e do Estado conduziram ao progressivo enfraquecimento, perda de clareza, abandono de objectivos estratégicos e mesmo degenerescência do carácter socialista da perestroika que facilitaram o avanço e finalmente o triunfo das forças contra-revolucionárias

O abandono do Plano e a destruição de outros mecanismos de uma economia profundamente integrada, sem que fosse assegurada alternativa à excessiva centralização conduziram à desorganização e ao caos do aparelho produtivo e mergulharam a URSS numa profunda crise económica e financeira. O colapso do CAME (de há muito desajustado às necessidades), o crescente endividamento externo e a queda do preço do petróleo, principal produto de exportação, agravaram ainda mais a situação.

Verificou-se uma gravíssima deterioração da situação social, com a carência e rotura de abastecimentos, a generalização de actividades especulativas, o abaixamento do nível de vida, o aparecimento do desemprego, o aprofundamento de insatisfações e tensões sociais, uma vaga de corrupção e o aparecimento e rápido ascenso de uma nova classe de capitalistas, especuladores e novos ricos.

Enfraqueceu-se a autoridade do Estado, generalizaram-se os poderes paralelos, a anarquia e a impunidade às infracções da lei, alastraram a criminalidade e a insegurança.

Animados por forças nacionalistas e instigados do estrangeiro, estalaram conflitos étnicos e nacionais e desenvolveram-se tendências separatistas e sangrentos confrontos armados que conduziram à instauração de poderes reaccionários em repúblicas e regiões.

Activamente apoiadas pelo imperialismo, forças anti-socialistas organizaram-se, conquistaram posições na comunicação social, nos sovietes e no próprio partido, passaram a actuar impunemente à margem e contra a Constituição e a legalidade soviéticas.

A realização dos objectivos de renovação e reestruturação socialistas da sociedade exigia necessariamente a salvaguarda, renovação e fortalecimento do partido, a intensa participação da classe operária e das massas populares, a revitalizarão dos sovietes, o combate no plano político e ideológico e, se necessário, com a intervenção dissuasora do Estado a tendências e actividades anti-socialistas e nacionalistas. Verificou-se o inverso.

No PCUS, revelando sérios sintomas de degenerescência, desenvolveu-se uma profunda crise interna (agudos conflitos, constituição de fracções, divisões, deriva no plano político e ideológico, avanço de teorizações social-democratizantes e liquidacionistas baseadas numa suposta convergência do socialismo e do capitalismo) que conduziu à inoperância os seus órgãos dirigentes, paralisou a sua iniciativa, aprofundou a perda de ligação aos trabalhadores e da influência de massas.

A classe operária e o campesinato foram marginalizados dentro do partido, nos sovietes, na definição e implementação das transformações.

Perante a crescente paralisia do PCUS e com a participação directa de muitos dos mais altos dirigentes foi levada a cabo uma colossal mistificação da história da URSS com campanhas sistemáticas de denegrimento do socialismo e de embelezamento do capitalismo que fizeram alastrar a desorientação, favoreceram e deram mesmo cobertura ao avanço das forças anti-socialistas.

Facilitada por concepções e teorizações idealistas e pelo abandono do ponto de vista de classe inerente à chamada «nova mentalidade», deteriorou-se a posição internacional da URSS, cresceram as pressões e ingerências externas, entrou-se no caminho de sucessivas cedências e capitulações frente ao imperialismo, bem patentes em relação à guerra do Golfo, ou nas negociações sobre a chamada «ajuda» económica do mundo capitalista.

1.5. Com a tentativa e derrota do golpe de 19 de Agosto de 1991 e a conquista pelas forças anti-socialistas alinhadas em torno de Ieltsin de posições decisivas ao mais alto nível do poder central, assiste-se a uma rápida e brutal aceleração do processo contra-revolucionário que conduziu à ilegal proibição e desmantelamento do PCUS, à desagregação da URSS (contra a vontade expressamente manifestada pelo povo soviético no referendo de 17 de Março de 1991) e à imposição na Rússia e noutras repúblicas da ex-URSS de medidas autoritárias e ditatoriais visando a neutralização dos sovietes, a presidencialização a todos os níveis, a criação de um poder reaccionário altamente centralizado e a restauração do capitalismo, sob a capa da passagem a uma «economia de mercado».

A contra-revolução, em que as forças reaccionárias internas e o imperialismo se encontram conluiadas para tentar destruir até aos alicerces os frutos de mais de 70 anos de trabalho e luta do povo soviético, traduz-se na gravíssima situação que hoje se vive nos territórios que constituíram a URSS—de pauperização e tragédia social, descalabro económico e financeiro, poder ditatorial e fascizante, corrupção generalizada, obscurantismo cultural e ideológico, intolerante fundamentalismo religioso, sangrentos conflitos étnicos e territoriais, sujeição ao imperialismo.

1.6. Nos países anteriormente socialistas do centro e do Leste da Europa, onde em grande medida se tinha generalizado (embora com traduções práticas diferenciadas) o «modelo» historicamente formado na URSS, o processo de colapso dos respectivos regimes, tendo essencialmente causas internas, esteve também relacionado com os processos anti-socialistas já em curso na URSS, bem como com uma descarada e multilateral ingerência das potências imperialistas, particularmente chocante no processo de anexação da RDA pela RFA. A situação actual nesses países caracteriza-se por uma enorme instabilidade em todas as esferas da vida económica, social e política, pelo avanço do processo de restauração do capitalismo, por um enorme retrocesso do aparelho produtivo, pela perda brutal do nível de vida e das conquistas sociais dos trabalhadores e das mais largas massas, com um enorme e inédito desemprego e a emergência de uma voraz classe capitalista incentivada e apoiada a partir do poder que aprofunda clamorosamente as desigualdades sociais. A perseguição aberta e a discriminação dos comunistas e outros democratas de esquerda é um traço generalizado dos actuais regimes hegemonizados por forças reaccionárias abertamente conluiadas com o imperialismo, tornando real o perigo de instauração de regimes ditatoriais como saída para apressar e impor pela força a restauração capitalista. Importantes lutas democráticas e populares e a resistência dos comunistas, com processos de renovação e reconstituição dos seus partidos e a conquista de importante apoio da população, são um indício já claro de que os sentimentos muito generalizados de desilusão e descontentamento se ampliam e não morreram arreigados valores de solidariedade e justiça social próprios do socialismo.

1.7. Na sequência das derrotas do socialismo no Leste da Europa, da dissolução do CAME e do Tratado de Varsóvia, a desagregação da URSS, o primeiro e mais poderoso país do mundo socialista, representa o desaparecimento do socialismo como sistema mundial.

Isto não significa o desaparecimento do socialismo. É necessário não esquecer que na China, Cuba, Vietname, Coreia, Laos, continua a construção de uma nova sociedade e que, segundo orientações e métodos diferenciados, os partidos comunistas no poder se afirmam determinados em defender e prosseguir no caminho do socialismo, com as rectificações que a experiência própria e alheia aconselha. Trata-se de realidades de grande importância e significado a que, independentemente da sua evolução futura e de diferenças em relação à concepção de socialismo e ao projecto de sociedade socialista que o PCP propõe ao povo português, é necessário prestar activa solidariedade face às crescentes pressões e ingerências do imperialismo, visando a sua desestabilização e a restauração do capitalismo.

Mesmo em relação aos territórios que constituíram a URSS e os países do Leste da Europa, devem considerar-se as dificuldades que no plano objectivo (e em primeiro lugar a privatização da propriedade social, estatal e cooperativa) e subjectivo (crescente descontentamento, resistência e luta populares, estreita base social e política de apoio dos governos reaccionários, instabilidade política e social) se apresentam à restauração plena do capitalismo e as incertezas quanto ao desenlace de processos em curso e à natureza do sistema sócio-económico que virá a constituir-se.

Entretanto o desaparecimento do socialismo como sistema mundial representa uma radical modificação da correlação de forças no plano internacional em favor do imperialismo e da reacção. Representa a possibilidade de um novo fôlego para o capitalismo em crise, com a incorporação no sistema de imensos recursos materiais, equipamento e produção industrial, mão-de-obra altamente qualificada e vastos mercados que antes escapavam à sua área de influência, o agravamento da exploração dos trabalhadores nos países desenvolvidos, a sujeição dos países subdesenvolvidos do chamado Terceiro Mundo a mecanismos de espoliação neocolonial ainda mais impiedosos. As relações internacionais, hegemonizadas pelas grandes potências capitalistas, ficam perigosamente expostas à dinâmica das contradições interimperialistas. Multiplicam-se os perigos para a paz e a segurança internacionais.

1.8. A vida está a comprovar que a desagregação da URSS e o desaparecimento do socialismo como sistema mundial não tornou o mundo mais democrático, mais justo e mais seguro, conduzindo pelo contrário ao avanço das forças reaccionárias, racistas, obscurantistas e fascistas, ao agravamento das injustiças e desigualdades, a dramáticos conflitos étnicos e religiosos e a guerras de agressão.

As repercussões nos processos de construção de Estados independentes e progressistas em países libertados do colonialismo e da tutela do imperialismo são particularmente profundas. Confrontados com as pressões económicas, ingerências políticas, intervenções armadas e prolongadas guerras de agressão, viram-se subitamente privados de alternativas de relacionamento económico, de poderosos apoios políticos e diplomáticos, de protecção e apoio militar. Para além de extraordinárias dificuldades internas objectivas ao seu rumo independente e progressista, as derrotas do socialismo criam dificuldades suplementares no plano externo que podem conduzir a novos recuos e derrotas.

A desagregação da URSS e o desaparecimento do socialismo como sistema mundial representam uma inegável derrota para os comunistas, abalam o prestígio e a credibilidade do socialismo junto das massas e traduzem-se no imediato num enfraquecimento geral das forças democráticas e progressistas, por tudo o que ao longo do século a URSS representou como referência, estímulo, apoio e solidariedade à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos. Também pela desorientação, perda de confiança e desânimo que suscitam, pelo desenvolvimento de tendências oportunistas e liquidacionistas que favorecem, provocando o enfraquecimento, divisão, degenerescência social-democratizante e mesmo a liquidação de partidos comunistas e de outras forças progressistas e revolucionárias.

1.9. A prática mostrou que a construção da nova sociedade é mais difícil, complexa e demorada do que se supôs. Constituíram erros particularmente sérios: a ilusão voluntarista sobre o carácter irreversível de revoluções socialistas e dos regimes delas surgidos; a sobreavaliação da sua força e solidez na competição e confronto com o sistema capitalista; a apressada elevação à categoria de leis de valor universal de características e processos entretanto localizados e até circunstanciais; o perder-se de vista a natureza do socialismo como período de transição do capitalismo para a sociedade comunista.

Entretanto, o PCP rejeita concepções que consideram a tentativa de construção de uma nova sociedade livre de exploração do homem pelo homem como historicamente prematura, argumentando que o socialismo apenas poderia resultar de um suposto «esgotamento» das possibilidades de desenvolvimento do capitalismo. Tais concepções confundem condições materiais do socialismo com condições sócio-políticas objectivas da revolução, menosprezam a decisiva importância do factor subjectivo na transformação revolucionária da sociedade, a agudeza das contradições capitalistas, as complexas condições históricas concretas de cada país e da evolução mundial.

As lições a retirar das primeiras tentativas e experiências de edificação de uma nova sociedade livre da exploração e opressão do homem pelo homem acabarão por ter vastas implicações enriquecedoras na teoria do marxismo-leninismo, na táctica e estratégia do movimento operário e revolucionário. Porventura a principal será a de que o empreendimento revolucionário de transformação socialista da sociedade tem de ser necessariamente obra das próprias massas e que a sua participação consciente, empenhada e criadora é indispensável ao seu triunfo.

1.10. Ao contrário do que pretendem os nossos adversários a desagregação da URSS e o desaparecimento do socialismo como sistema mundial não representa o fracasso do socialismo e a inviabilidade do ideal comunista, antes é consequência do seu abandono e afrontamento. O século XX passará à história não como o século da «morte do comunismo», mas como o século em que o comunismo nasceu como concretização de um projecto alternativo ao capitalismo e como solução historicamente necessária das suas insanáveis contradições.

2. O capitalismo no findar do século

2.1. Desde que Marx, em meados do século XIX, descobriu as leis gerais de desenvolvimento do capitalismo, este não cessou de evoluir, sem todavia conseguir eliminar as suas contradições intrínsecas. Nomeadamente após a sua fase anterior regida fundamentalmente pela concorrência e como resultado desta, desenvolveram-se e adquiriram papel decisivo os monopólios, dando lugar à fase monopolista do capitalismo, o imperialismo, cuja análise no primeiro quartel do século XX é um dos grandes méritos de Lénine, agudizando-se desde então as suas contradições a uma escala impensável no início do século.

2.2. Com a vitória da Revolução de Outubro de 1917, as suas realizações e outras revoluções socialistas numa série de países, o capitalismo deixou de ser o único sistema mundial e viu-se confrontado com a demonstração prática da possibilidade da sua superação revolucionária. A competição entre capitalismo e socialismo incentivou extraordinariamente a luta das massas trabalhadoras exploradas e dos povos oprimidos que arrancaram ao capitalismo e ao imperialismo importantes conquistas e concessões que se tornaram património histórico da civilização.

Apesar da convergência do imperialismo na oposição ao socialismo, prosseguiu a luta interimperialista (que esteve na origem da mais destrutiva guerra mundial da História), alimentada pelo desenvolvimento desigual do capitalismo e a concorrência, que vão alterando a correlação de forças, a partilha das zonas de influência e as posições hegemónicas regionais e à escala mundial. Nas últimas décadas formaram-se três grandes centros imperialistas mundiais: EUA, CEE/Alemanha e Japão, com clara diminuição do peso dos Estados Unidos da América, que se vêem hoje ultrapassados no plano económico e em outros domínios.

Desmoronou-se o sistema mundial do colonialismo com o acesso à independência política de mais de uma centena de países, que adquiriram papel de relevo na vida internacional. Porém, veio a instalar-se o complexo sistema de dependência do neocolonialismo por força da multiforme ingerência do imperialismo. A exploração do chamado Terceiro Mundo veio a constituir uma das fontes de sobrevivência e desenvolvimento das mais poderosas potências capitalistas (permitindo atenuar conflitos e contradições internas), criando por múltiplas vias, de que avultam a exploração da mão-de-obra barata, o sistema de trocas desiguais e a insaciável sucção da dívida externa, uma situação de regressão absoluta nas últimas décadas do crescimento económico e de marginalização social para centenas de milhões de seres humanos. Entretanto, mesmo que em situação claramente dependente, também aí têm emergido novas potências capitalistas com ambições imperialistas.

2.3. Com o seu contínuo desenvolvimento, o poder dos monopólios veio a fundir-se estreitamente com o poder de Estado, dando lugar à formação do capitalismo monopolista de Estado nos países mais desenvolvidos, o que potenciou ainda mais o processo de acumulação, concentração e centralização do capital nas mãos dos grandes conglomerados monopolistas, o que tem assegurado a sua capacidade de manobra social e hegemonia ideológica, particularmente pelo seu domínio das tecnologias de informação e de novos e poderosos meios de comunicação de massas.

O desenvolvimento das forças produtivas conheceu, particularmente desde meados do século, um novo e poderoso impulso com a moderna revolução científico-técnica, determinando importantes alterações no aparelho produtivo e um novo surto do processo de monopolização, o qual adquiriu cada vez mais um carácter internacional. O desenvolvimento impetuoso de gigantescas empresas multinacionais, com a criação de uma poderosa oligarquia financeira cosmopolita, baseia-se em e determina por sua vez uma crescente internacionalização do processo produtivo e da mundialização da economia, variados processos de integração económica, tentativas para instituir poderes políticos supranacionais sob o comando dos monopólios transnacionais.

Os gigantes transaccionais pressionam os Estados, procurando, no processo de integração, resposta às necessidades derivadas da sua dimensão multinacional. A consequente criação de órgãos com funções estatais de carácter supranacional é-lhes necessária para responder às suas exigências financeiras e de regulação económica, de mercados alargados e garantidos, de obtenção de poderio político (e também ideológico e até militar) para o estabelecimento de relações de força que estruturem a divisão internacional do trabalho e o funcionamento do mercado mundial, em condições favoráveis para a competição com outras transnacionais e pólos do capitalismo e para a manutenção do domínio sobre os países dependentes.

A intervenção estatal na vida económica acentuou-se, mesmo em períodos como a década de 80 em que predominaram, e fracassaram, políticas ditas neoliberais (reaganismo, thatcherismo, etc.), incluindo as aplicadas em nome da social democracia. A onda de privatizações, os cortes nos sectores públicos sociais, as ditas «flexibilização» da legislação laboral, «liberalização» das trocas, «desregulamentação» da esfera financeira, etc., não são mais que intervenções estatais em benefício dos grandes grupos monopolistas e em detrimento das mais largas massas das populações, a par de outras mais, como a política fiscal e cambial, as isenções, subsídios, encomendas e mesmo chamando a si dívidas monstruosas de grandes empresas falidas.

2.4. Apesar de se ter procedido no mundo capitalista a uma enorme reestruturação do aparelho produtivo e da gestão económica, determinando um período de acentuada recuperação, o capitalismo não logrou evitar a eclosão de uma nova crise em meados de 1990. Essa crise arrasta-se ainda sem saída segura visível e torna-se tanto mais ameaçadora quanto é certo que nos anos 80 teve lugar uma espantosa sobrecarga das actividades especulativas parasitárias (financeiras, bolsistas, cambiais, imobiliárias, etc.) sem qualquer contrapartida racional na dimensão da economia produtiva real. A exportação de capitais acentuou-se mesmo, na década de 80, em proporções incomparavelmente maiores que a das trocas internacionais de mercadorias e sobretudo do que o produto mundial. As taxas de crescimento do produto nos grandes países capitalistas desenvolvidos têm conhecido uma quebra de década para década, apesar do surto da revolução tecnológica, expressando por aí claramente como as relações de produção capitalistas, regidas pela busca da obtenção do lucro máximo, refreiam intoleravelmente o imenso desenvolvimento das forças produtivas hoje possível.

Nenhumas reformas e medidas económicas por si sós, nenhumas modificações das próprias forças produtivas no quadro do sistema capitalista, poderão suprimir a sua essência exploradora. Hoje como ontem, o capital vive e sobrevive fundamentalmente pela crescente exploração do trabalho, com uma cada vez mais insustentável acentuação das desigualdades sociais, a polarização da riqueza e da miséria tanto à escala mundial como dentro de cada país capitalista, com o surgimento massivo e crónico de um enorme desemprego (o que significa inutilização brutal da mais importante força produtiva - a força de trabalho), com a precarização crescente das condições laborais e de existência de centenas de milhões de seres humanos marginalizados da civilização, com a ampliação da pobreza e fome, da doença, da criminalidade, da prostituição, da droga, da corrupção, da delapidação dos recursos naturais e degradação do ambiente.

As insanáveis contradições do capitalismo, as suas nefastas consequências para largas massas, a espantosa concentração de riqueza nas mãos de uma ampla minoria, o incremento das actividades especulativas, o apodrecimento da moral e dos valores dominantes, conduzem à deterioração das instituições estatais e políticas nos mais importantes países capitalistas, profundamente corroídas pela corrupção generalizada e o crime organizado, ao acentuar de tendências autoritárias e ao esvaziar do conteúdo real da democracia. Tudo isto, associado à fragilização da alternativa socialista, é caldo de cultura para o actual surto ameaçador de forças de extrema-direita, fascizantes, xenófobas, fundamentalistas, chauvinistas e, em geral, reaccionárias, tanto mais inquietante quanto conta, em vários países, com a tolerância, se não com a cumplicidade, do poder político instituído.

2.5. A desintegração da URSS e o colapso dos regimes socialistas do Leste da Europa nos últimos anos, parecem abrir ao imperialismo neste final do século XX um novo e imenso campo de expansão. Todavia, a concretização de tal desígnio defronta-se com sérias dificuldades objectivas e subjectivas, tanto naqueles países como nas capacidades limitadas e graves factores de crise nas próprias grandes potências imperialistas, e ainda na situação de calamidade explosiva de extensas regiões do Terceiro Mundo. Assim, se se abre uma nova zona à expansão do capitalismo, também nela se tomarão extremamente agudas as contradições e flagelos do capitalismo e aí recobrarão energias as forças sociais que se oporão ao restabelecimento do império do capital e à «terceiro-mundização» dos seus países.

A desagregação da URSS e o desaparecimento do socialismo como sistema mundial abrem novo espaço à concorrência, rivalidade e guerras (em especial económicas e de desenvolvimento científico e tecnológico, mas sem descartar as militares) entre as grandes potências capitalistas pelo domínio dos mercados e dos recursos materiais e humanos dessas próprias potências, mas também sobre o Terceiro Mundo e sobre o «novo continente» que o imperialismo já disputa nos antigos países socialistas. Também os esforços para a imposição de poderes políticos supranacionais, substituindo o necessário processo de cooperação internacional em pé de igualdade por um processo de comando integrado supranacional, onde vigoram inevitavelmente relações de domínio dos mais fracos pelos mais poderosos, dos trabalhadores e dos povos por uma oligarquia financeira cosmopolita, comportando o perigo de explosões nacionalistas, não poderão deixar de activar a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos em defesa dos seus interesses vitais, da democracia, da independência nacional, do progresso social e uma renovada ofensiva do socialismo.

No sistema capitalista mundial contemporâneo a contradição entre o trabalho e o capital conjuga-se com a contradição entre os países imperialistas mais desenvolvidos e dominantes e os países menos desenvolvidos e dominados. Daí a íntima relação entre a luta pela emancipação social dos trabalhadores e a luta pela emancipação nacional dos povos. O imperialismo no seu desenvolvimento não mudou a sua natureza exploradora de dominação e agressão, não se transformou no seu contrário nem com ele converge: a sua superação revolucionária exige a luta de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos.

2.6. Por força das suas insuperáveis contradições internas, pela sua incapacidade em resolver os mais graves problemas da Humanidade, pela cada vez mais profunda contradição entre a apropriação capitalista privada, nas mãos de um pequeno grupo de senhores dos grandes conglomerados monopolistas internacionais, e o crescente carácter social das forças produtivas e as incomensuráveis potencialidades que se abrem, com a revolução científico-técnica, para a sua expansão, no interesse da cada vez maior satisfação das crescentes necessidades dos homens - o dia de amanhã do imperialismo é, num prazo histórico mais ou menos curto ou prolongado e por vias diversificadas, a sua substituição pelo socialismo, que no século XX apenas conheceu e conhece a sua primeira avançada na história, mas ao qual pertence o futuro..

3. A «nova ordem» mundial

3.1. A existência da URSS e do sistema socialista, a sua persistente política de coexistência pacifica, a paridade militar estratégica alcançada, foram factores determinantes, a par da luta dos trabalhadores e dos povos em todo o mundo, para condicionar e conter o imperialismo na segunda metade deste século.

3.2. Com o colapso da URSS e dos países socialistas do Leste europeu, a correlação de forças desequilibrou-se a favor do imperialismo. Os EUA aproveitaram a conjuntura para, servindo-se da sua brutal e hoje incontestada supremacia militar e do seu enorme poderio económico, político e ideológico, tentarem impor a sua liderança universal num mundo que pretendem perpetuar como «unipolar».

A «nova ordem mundial», proclamada por Bush na sequência das derrotas sofridas pelo socialismo e em pleno desenvolvimento da crise do Golfo, é pensada como um sistema mundial de poder do imperialismo, sob a hegemonia dos EUA, para consagrar e assegurar a submissão de todos os Estados e povos.

Elementos-chave desta «nova ordem mundial» são a utilização do Conselho de Segurança da ONU e de outras instâncias internacionais como aval e instrumento de uma autêntica subversão do direito internacional, substituindo o dever de não ingerência e o respeito pela soberania nacional por um pretenso «direito de intervenção», onde e como convenha aos «interesses vitais» das potências imperialistas, recorrendo a todo o arsenal de armas económicas, políticas, diplomáticas, psicológicas e militares de que dispõem, incluindo a agressão e a guerra.

Um tal caminho, que se choca frontalmente com os interesses e a luta dos povos, com a premente exigência de resolver os graves problemas que afectam a Humanidade e com as próprias contradições do imperialismo revela-se desde já um perigoso factor de desordem e instabilidade internacionais. Mas ele não é inevitável. A luta dos povos e a resistência de numerosos países podem impedir a subversão da ONU e das suas agências especializadas (UNESCO, FAO, etc.) e defender e aperfeiçoar a sua vocação como importante fórum de cooperação para a solução dos problemas globais que afectam a humanidade.

3.3. Além da instrumentalização do Conselho de Segurança da ONU e da sua sobreposição à respectiva Assembleia Geral, o imperialismo, hegemonizado pelos EUA, embora com rivalidades e coincidências de interesses, «reorienta» todo um conjunto de outras organizações internacionais para impor ao mundo a universalização do seu sistema.

A NATO, cuja dissolução após o fim do Tratado de Varsóvia se impunha, adapta-se a novos cenários de intervenção operacional dentro e fora da sua área, reforça-se, intervém como braço armado ao serviço desta «nova ordem».

A CEE pretende, com o Tratado de Maastricht e a activação da UEO, dotar-se de meios militares próprios e funcionar como bloco político-militar, ainda que articulado com a NATO ou mesmo como o seu «pilar europeu».

A Alemanha e o Japão, as grandes potências derrotadas na 2.ª Guerra Mundial, não obstante o vasto protesto popular (sobretudo no Japão), procuram dar expressão militar ao seu enorme poderio económico e removem, no plano constitucional, os obstáculos a intervenções armadas no exterior.

O FMI e o Banco Mundial, além de outras instituições como o BERD e o GATT, são instrumentos fortemente condicionantes das relações económicas e políticas internacionais que servem as grandes potências, e especialmente os EUA, obrigando países em crise à adopção de medidas que, à custa dos respectivos povos, garantam o controlo das economias, das matérias-primas, da mão-de-obra e das fontes energéticas da generalidade das nações do mundo pelas multinacionais.

O Grupo dos Sete (G7) funciona activamente como super-estrutura de acompanhamento, coordenação e orientação de todo o sistema imperialista.

A Conferência de Segurança e Cooperação Europeia (CSCE), que está a ser objecto de instrumentalização pelas grandes potências, corre o risco de abandonar os grandes princípios proclamados na Acta de Helsínquia, como a igualdade dos Estados, a não ingerência, a cooperação e a segurança, e redimensiona a sua acção num sentido crescentemente intervencionista nos assuntos internos dos povos.

O domínio das grandes agências internacionais de informação por parte dos EUA e outras grandes potências capitalistas tem servido para desfigurar a realidade e criar um clima psicológico e emocional que «justifique» a política belicista, intervencionista e hegemonista do imperialismo.

3.4. A história do imperialismo escreveu-se com dezenas de guerras e intervenções militares. Também na década de 80, as invasões de Granada e do Panamá, as agressões à Líbia e Nicarágua e as constantes ingerências e pressões sobre os países socialistas (particularmente graves e perigosas em relação a Cuba) são exemplos da sua natureza agressiva.

«Democracia», «pluralismo político» e respeito pelos «direitos humanos», são palavras de ordem proclamadas pelo imperialismo, mas que ele constantemente viola.

Apoiando militarmente a pior reacção no Afeganistão, os «contras» na Nicarágua, os terroristas da Unita e da Renamo, o imperialismo tudo fez para impedir que as revoluções de carácter progressista no Terceiro Mundo se consolidassem. É também de assinalar o apoio aos racistas da África do Sul, aos sionistas de Israel, às ditaduras no Chile, Paraguai, El Salvador, Guatemala, Zaire, Arábia Saudita, Paquistão, Indonésia (que continua a oprimir o povo maubere de Timor-Leste) e muitas outras.

Nos nossos dias, a «nova ordem» visa prosseguir os mesmos velhos objectivos por meios políticos diferentes. Foi o que aconteceu na guerra do Golfo. Utilizando o pretexto da anexação do Kuwait pelo Iraque (que o PCP prontamente condenou), os EUA, servindo-se do Conselho de Segurança da ONU e ao arrepio de toda a filosofia presente na Carta das Nações Unidas, levaram a cabo com os seus aliados uma guerra de agressão cujo objectivo foi o de manter a região e as suas riquezas estratégicas (o petróleo) na sua órbita, afirmar a sua supremacia na nova situação internacional criada e impor pela força das armas a mudança de um regime.

No Afeganistão, no Paquistão e na Índia, na Península Coreana, em África, no Médio Oriente, os perigos de guerra não desapareceram e esses focos de grave tensão são alimentados pelos interesses imperialistas, designadamente com a exploração de contenciosos históricos, problemas de fronteiras, contrastes e conflitos nacionais, étnicos, religiosos e tribais para enfraquecer as posições das forças nacionais e progressistas e debilitar países que pretendem dominar.

3.5. A «nova ordem» mundial, para além de assentar no poderio militar dos EUA, assenta igualmente numa ordem económica mundial injusta dominada pelo capitalismo e que gerou e continua a gerar profundas desigualdades e agrava toda a dramática situação na maioria dos países do Terceiro Mundo.

As soluções preconizadas pelo imperialismo para os problemas daqueles países são os conhecidos programas de «reajustamento estrutural» do FMI e do Banco Mundial. São planos de destruição das suas frágeis bases económicas e gastos sociais, pois assentam na drástica redução das despesas públicas, na eliminação do sector empresarial público e na promoção dos sectores orientados para as exportações, em prejuízo da produção orientada para a satisfação das mais imperiosas necessidades internas. São soluções que agravam os problemas nesses países, mas facilitam lucros enormes às multinacionais, com a cobrança de um colossal serviço de dívida externa, a abertura de mercados, o acesso a matérias-primas a baixos custos, a instalação de indústrias poluentes e depósitos de resíduos tóxicos.

Os países do Terceiro Mundo, onde aliás a concentração da riqueza e a corrupção das classes dominantes ligadas ao imperialismo assumem enormes proporções, enfrentam terríveis tragédias humanas, tanto mais inadmissíveis quanto a ciência e a técnica dão possibilidades de realizar uma vida verdadeiramente digna.

No continente africano, em muitos países da Ásia e da América Latina, agudizam-se intoleravelmente os problemas da fome, da doença, da droga, do subdesenvolvimento, do meio ambiente, que requerem urgentemente uma nova ordem económica mundial justa, equitativa, livre dos mecanismos de exploração neocolonial do imperialismo.

Entretanto, impõem-se medidas de emergência, como o reescalonamento, a redução e mesmo a anulação da dívida externa dos países do Terceiro Mundo; a canalização de recursos poupados com o desarmamento para o seu desenvolvimento; a disponibilização de produtos alimentares acumulados para ocorrer às situações mais dramáticas. Com tais medidas, os países capitalistas desenvolvidos mais não fariam, aliás, que pagar uma ínfima parte da sua «dívida histórica» para com estes povos.

3.6. Os focos de tensão, a situação instável e explosiva em numerosos países, as tentativas de revisão de fronteiras, são elementos que mostram os perigos de guerra existentes; esses conflitos agravados pelas ingerências do imperialismo ou por rivalidades interimperialistas e a sua luta pela redistribuirão de esferas de influência podem concorrer para o desencadear de uma nova guerra mundial, a qual ameaçaria a sobrevivência da Humanidade e a vida na Terra.

O imperialismo continua empenhado em produzir armas convencionais, químicas, bacteriológicas e nucleares cada vez mais sofisticadas. Tal produção, a par da sua comercialização e disseminação por todo o planeta, continua a constituir um negócio altamente rendoso para o imperialismo e representa um enorme perigo para toda a Humanidade.

O mundo não viverá em paz nem em segurança enquanto não forem resolvidas as dramáticas situações dos povos do Terceiro Mundo e à maior parte da população do planeta não for assegurado o direito a uma vida digna.

O processo de expansão da produção industrial, de exploração de recursos naturais e de sucção económica sobre os países do Terceiro Mundo, realizados pelo imperialismo, levou também ao desenvolvimento de profundos desequilíbrios e agressões ambientais, pondo em risco os ecossistemas planetários (camada de ozono, efeito de estufa, poluição da hidrosfera, desflorestação e desertificação, etc.) e a uma brutal multiplicação de desperdícios e delapidação de matérias-primas (em particular energéticas) e produtos acabados. As graves e dramáticas consequências dos problemas ecológicos que afligem a Humanidade impõem que se tomem medidas efectivas no sentido de eliminar as causas que os determinam e tornam ainda mais evidente a necessidade de uma regulação económica que supere o critério exclusivo do lucro e da acumulação das multinacionais.

Os problemas da paz, do subdesenvolvimento, do meio ambiente, problemas de carácter global, cuja solução interessa a toda a Humanidade, tendem a agravar-se com as tentativas de impor ao mundo uma «nova ordem» imperialista.

3.7. Ao contrário do que pretendia a propaganda do imperialismo, com o desmoronar da URSS e o desaparecimento do Tratado de Varsóvia, o mundo não se tornou mais seguro.

Agravam-se perigosamente os conflitos nacionais e étnicos no território da ex-URSS, pela manipulação dos nacionalismos e pelas tentativas do imperialismo de colocar regiões inteiras sob o seu controlo.

O desmembramento da Jugoslávia (em que a Alemanha assume particulares responsabilidades) e a guerra civil que o acompanhou, ameaçam toda a região balcânica. É urgente encontrar soluções políticas que impeçam ódios antigos e novos, soprados por nacionalistas reaccionários e por potências estrangeiras, de continuar o dramático ciclo de destruição e morte que se instalou na ex-Jugoslávia. As nações que compunham este país acabarão por confirmar que é do seu interesse uma política de cooperação estreita com base numa real igualdade de direitos. Neste sentido, qualquer intervenção militar externa apenas contribuiria para levar ainda mais longe e tornar ainda mais explosivo o conflito.

A situação nesse território, bem como no de outros países, requer soluções políticas, por muito complexas e aturadas que sejam, e não o recurso a intervenções militares, fora ou dentro do quadro da ONU ou da CSCE, da NATO ou da UEO.

Os importantes passos dados no caminho da segurança e cooperação europeias em Helsínquia em 1975 não podem, pelo facto de a correlação de forças na Europa ser diferente, servir para, ao arrepio desse caminho, vir a constituir-se na CSCE um núcleo de países que passem a determinar o que deve ser o sistema socioeconómico e político de cada país. É necessário redobrar a vigilância e desenvolver a luta para preservar a CSCE como fórum democrático de diálogo e cooperação, segurança e paz.

A segurança e a cooperação na Europa constroem-se com base numa política de respeito pela independência de cada país e de verdadeira cooperação entre povos e Estados soberanos e iguais em direitos e não com políticas de bloco que visem a criação ou partilha de zonas de influência entre as grandes potências, ou seja, uma política orientada para o completo desmantelamento das armas nucleares, a liquidação das armas químicas e bacteriológicas, a dissolução da NATO enquanto estrutura político-militar, a construção de um sistema de segurança colectiva em que nenhum país ou grupo de países possa impor, seja qual for o pretexto, o seu interesse próprio.

3.8. É pois necessário prosseguir e intensificar a luta dos trabalhadores e dos povos em defesa da paz e ampliar a exigência de uma verdadeira nova ordem económica e política internacional, baseada no respeito pela soberania e igualdade de direitos de todos os Estados, no desarmamento e dissolução dos blocos militares, na cooperação justa e mutuamente vantajosa para o desenvolvimento económico e o progresso social, a preservação dos recursos naturais e do ambiente.

4. A luta dos povos

4.1. Marcada pelas derrotas do socialismo, pela ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo tentando estabelecer a sua hegemonia mundial e por sérios reveses das forças progressistas e nacional-libertadoras, a situação é de refluxo revolucionário. Mas as razões objectivas para a continuação da luta, que radicam na própria natureza exploradora, opressora, injusta e desumana do capitalismo, não só não desapareceram como se reforçam. As políticas visando fazer pagar à classe operária e outras classes e camadas antimonopolistas os custos da crise que alastra no mundo capitalista e as tentativas para impor ao mundo uma «nova ordem» mundial contra a liberdade, a independência e o progresso dos povos, agudizam novas e velhas contradições, aprofundam injustiças e desigualdades, avolumam descontentamentos, ampliam a frente das forças sociais e políticas objectivamente interessadas na liquidação do capitalismo, e desde logo das suas manifestações mais reaccionárias.

4.2. Entretanto, ainda que em condições muito mais difíceis, prossegue a luta dos trabalhadores e dos povos.

Nos países capitalistas desenvolvidos, especialmente da Europa. contrariando a influência do reformismo colaboracionista sobre o movimento sindical em vários países, têm tido lugar importantes lutas dos trabalhadores em defesa das conquistas sociais e de direitos sindicais e democráticos. A luta contra o Tratado de Maastricht, com a crescente consciencialização e mobilização dos povos contra os perigos que encerra a ratificação deste Tratado, reveste-se de uma grande importância e significado políticos.

Na ex-URSS e nos países do Leste da Europa sujeitos a violentos processos de desmantelamento de importantes conquistas sociais e de restauração do capitalismo, crescem a desilusão, o descontentamento e as lutas, desenvolvem-se esforços para reorganizar ou fortalecer os partidos comunistas e aglutinar as forças progressistas.

Na África, Ásia e América Latina, apesar de recuos e derrotas, o imperialismo não logrou liquidar a resistência e a luta libertadora que prossegue e em que avulta a heróica luta do povo palestiniano dirigida pela OLP, o poderoso movimento de massas conduzido pelo ANC pela liquidação do apartheid, os êxitos da FMLN de EI Salvador pela conquista da democracia, a corajosa resistência do povo cubano face ao criminoso bloqueio imposto pelos EUA, a vitória do MPLA nas recentes eleições na República Popular de Angola, sendo ainda de realçar a corajosa resistência do povo de Timor-Leste contra a ocupação da Indonésia. Em grandes países como a Índia e o Brasil, a luta democrática e popular atingiu níveis de elevada combatividade e determinação, de que são exemplo as greves de âmbito nacional dos trabalhadores indianos e as recentes grandes manifestações populares no Brasil.

A luta pela democracia e contra regimes autoritários e ditatoriais, em defesa da soberania nacional e contra a agressão externa, por um desenvolvimento económico independente e contra brutais imposições do FMI e das multinacionais, pela superação de brutais situações de miséria, injustiça e desigualdade social, exprime-se em importantes movimentações e acções de massas em numerosos países e regiões do mundo.

Na consideração das potencialidades de desenvolvimento da luta é também necessário levar em conta a persistência de valores que penetraram profundamente na consciência dos povos, como os valores da igualdade, justiça e solidariedade sociais, democracia e liberdade, paz e igualdade entre povos e nações, protecção do ambiente. A negação desses valores ou a sua hipócrita manipulação reaccionária pelo capital, em ligação com a experiência prática, aponta para uma crescente tomada de consciência de amplas massas.

4.3. A frente das forças anti-imperialistas encontra-se enfraquecida. Às dificuldades no plano objectivo acrescentam-se situações de capitulação, derrotismo e ilusões em relação à social-democracia que entretanto, designadamente através da Internacional Socialista, procura ocupar o espaço aberto pelo desaparecimento do socialismo como sistema mundial.

Mas estão em processo de amadurecimento as condições objectivas e subjectivas para novos surtos de lutas democráticas e populares e é previsível que, para dar resposta aos anseios das massas, numerosos partidos e movimentos com concepções e programas políticos diversificados sejam conduzidos para posições anti-imperialistas.

A perspectiva a prazo é para a recuperação e novo avanço das forças progressistas e revolucionárias.

4.4. O movimento comunista internacional, embora em processo de transformação, é uma realidade que continua. A necessidade dos partidos comunistas não só se mantém como se reforça, em face do recrudescimento da exploração e agressividade do imperialismo e do seu avanço como sistema mundial hegemónico, ao mesmo tempo que se acentua a importância da sua cooperação internacionalista.

Entretanto, o movimento comunista internacional atravessa a mais grave crise da sua história.

Como foi assinalado pelo PCP nos seus últimos Congressos, há muito se colocava a necessidade de uma reflexão aprofundada acerca da situação, real composição, formas de cooperação e perspectivas do movimento comunista. Por um lado verificava-se o persistente enfraquecimento e degenerescência de numerosos partidos comunistas e, por outro, em resultado da crescente diversificação do processo revolucionário pela sua extensão a todos os continentes, a emergência de forças que, não se reclamando de comunistas, se inseriam objectivamente e mesmo subjectivamente no mesmo processo e projecto de transformação revolucionária da sociedade dos comunistas. Tornava-se necessária uma profunda reconsideração e renovação do movimento comunista, como condição do relançamento do seu prestígio e influência a nível de cada país e no plano internacional.

As derrotas verificadas em países do Leste da Europa, a influência negativa do processo da perestroika, a ofensiva universal desencadeada contra os partidos comunistas (sua história, ideologia, natureza de classe, valores, objectivos, formas de organização) vieram complicar extraordinariamente esta tarefa. Se foram numerosos os partidos que fizeram corajosamente frente à situação, confirmando a sua natureza de classe e revolucionária e a sua identidade comunista, muitos mergulharam em crises internas profundas que conduziram à sua paralisação, enfraquecimento, divisão e mesmo à sua liquidação ou degenerescência social democratizante, como no caso exemplar do Partido Comunista Italiano. Tudo isto conduziu ao enfraquecimento e desaparecimento de vários partidos, a novas dificuldades de relacionamento e cooperação entre comunistas e outros revolucionários, ao avanço do reformismo no seio do movimento operário e sindical.

4.5. Para compreender a crise que os atingiu torna-se necessário ter em conta as alterações sócio-económicas objectivas nos respectivos países e no mundo e examinar no concreto a trajectória histórica de cada partido, a sua natureza de classe, a sua linha política, os seus métodos de organização, a sua democracia interna, o seu grau de ligação à classe operária e às massas e outros factores, bem como concepções e teorizações oportunistas que se desenvolveram na URSS à sombra e invocando a perestroika, e que se espalharam no movimento comunista.

Os processos de confrontação política e ideológica, divisão e recomposição que têm percorrido a generalidade dos partidos comunistas e outras forças revolucionárias não terminaram, mas é de admitir que a fase mais aguda da crise tenha passado. Verificam-se sintomas de recuperação em vários partidos. As tentativas de uma «3ª via» e de uma «nova esquerda» social-democratizante não estão a conduzir aos resultados esperados, tendendo à marginalização dos seus promotores ou à sua hegemonização e absorção por uma social-democracia cada vez mais confundida e identificada com o liberalismo burguês. Confirmando as previsões do PCP, surgem já, lá onde foram liquidados, esforços para a reconstituição, necessariamente renovada, de partidos comunistas. Cresce a compreensão da importância do relacionamento, não apenas bilateral, mas multilateral entre os comunistas e entre forças progressistas e revolucionárias, com vista ao exame colectivo dos problemas e à busca de formas de cooperação e acção comuns.

4.6. O fortalecimento dos laços de amizade, solidariedade e cooperação entre os trabalhadores, os povos, os comunistas e outras forças revolucionárias, é uma necessidade objectiva que, decorrendo da identidade ou convergência de interesses, se acentua com a internacionalização da vida económica e a estreita concertação das forças do capital, para minimizar os efeitos das suas contradições e intervir de forma coordenada à escala mundial.

Com situações, interesses e objectivos imediatos de luta diferenciados, os trabalhadores dos países capitalistas desenvolvidos e os povos dos países do Terceiro Mundo são objectivamente aliados frente ao grande capital transnacional. É necessário agir com perseverança para dar expressão política a uma tal aliança, através de formas adequadas de intercâmbio e cooperação dos comunistas, progressistas e revolucionários de todo o mundo.

Considerando prioritário e fundamental o fortalecimento da cooperação entre os partidos comunistas e outras forças revolucionárias, o PCP considera também necessária a convergência e cooperação em torno de objectivos concretos a nível internacional entre comunistas, socialistas e sociais-democratas, verdes/ecologistas e outras forças democráticas.

No que respeita à social democracia, não devem ignorar-se a presença e a acção de bases e mesmo dirigentes realmente de esquerda. Entretanto, a par da continuação das suas pretensões hegemónicas sobre o movimento operário, verifica-se uma forte viragem à direita na generalidade dos partidos socialistas e sociais-democratas e na Internacional Socialista, o que tem levado, aliás, ao nítido declínio de vários desses partidos. Assiste-se ainda à falência do modelo «sueco», durante tantos anos ponto de referência obrigatória dos «êxitos» da social-democracia. Não se justificam, assim, quaisquer expectativas ou ilusões. Por isso, é necessário, a par do esforço unitário, uma clara demarcação e um firme combate político e ideológico à social-democracia.

4.7. Desde Marx e Engels sucessivas campanhas têm anunciado a morte do comunismo. Mas, com raízes na classe operária e portador dos seus ideais libertadores, o movimento comunista não morreu, não entrou em «declínio irreversível» nem foi historicamente ultrapassado pelas derrotas do socialismo na URSS e na Europa do Leste. O movimento comunista é uma realidade do presente e uma necessidade do futuro.

As riquíssimas experiências do seu património histórico, a reflexão sobre elas, com o criativo desenvolvimento da teoria, o aprofundamento das suas raízes na classe operária e nas massas, o fortalecimento dos laços de solidariedade internacionalista, a persistência do capitalismo e a sua incapacidade para resolver os problemas da humanidade, levam o PCP a manter inteira confiança no futuro do movimento comunista, no seu relançamento, no fortalecimento do seu papel insubstituível na luta libertadora dos trabalhadores e dos povos pela liberdade, a democracia, a independência nacional, o progresso social, a paz e o socialismo.