Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Relatório da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Queremos começar por saudar o Presidente e o Relator da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate pelo trabalho realizado e pelo esforço feito.
Em segundo lugar, queremos dizer que há, no Relatório, dois aspetos que merecem a nossa crítica e justificam a nossa abstenção.
Antes de passar às críticas, constatamos que grande parte do Relatório é inconclusivo. Assim, o PCP teve razão quando se absteve quanto à criação da nova Comissão Parlamentar de Inquérito.
Não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e a tragédia de Camarate. Contudo, as investigações a este Fundo de Defesa Militar do Ultramar permitiram provar — e isso é relevante — que Portugal foi usado pelos Estados Unidos da América e por Israel como plataforma para vender armas ao Irão durante o ano de 1980, altura em que vigorava o embargo internacional ao Irão devido à chamada «crise dos reféns». Isto não é referido no Relatório, mas importa, para memória futura, referir que os Estados Unidos e Israel furaram um embargo que eles próprios promoveram devido à tomada de reféns americanos no Estado do Irão.
Também foi afirmado na Comissão Parlamentar de Inquérito que este Fundo de Defesa Militar do Ultramar serviu para financiar a UNITA durante a guerra civil angolana, mas isto fica apenas para memória histórica.
Ficou provado que o Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa impediu alguma venda de armas ao Irão e que, cinco dias após a tragédia de Camarate, a venda de armas ao Irão continuou sob a tutela do Governo AD, PSD/CDS-PP.
Por fim, há duas críticas a fazer a este Relatório.
Primeiro: o PCP considera as críticas feitas à Polícia Judiciária e à Procuradoria-Geral da República, a propósito de uma investigação e de um processo disciplinar realizado há mais de 30 anos, completamente desajustadas e injustificadas.
Mais: o Relatório da Comissão faz afirmações e tira conclusões taxativas relativamente à morte de uma das testemunhas e sua esposa que são manifestamente desajustadas, não havendo sustentação suficiente. Nesta parte, as conclusões da Comissão Parlamentear de Inquérito não prestigiam a Assembleia da República, não prestigiam as comissões parlamentares de inquérito.
O segundo aspeto que merece a nossa crítica é o seguinte: a X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate é proposta por PSD e CDS devido à existência de testemunhas que afirmam ter cometido o atentado. Estas testemunhas afirmam de forma coerente que o atentado que cometeram foi uma encomenda dos Estados Unidos da América, da CIA, por causa da venda de armas ao Irão e das tentativas de impedir essas mesmas vendas e que foi executado por elementos ligados à CIA e à CODECO (Comandos Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental), a organização terrorista ligada à direita mais reacionária que operou em Portugal após o 25 de abril e que se dedicou, entre outras coisas, a pôr bombas nos centros de trabalho do Partido Comunista Português.
Podemos concordar que não existem outros elementos que comprovem esta teoria. O que estranhamos e criticamos é o facto de o PSD e o CDS, nesta matéria, omitirem das conclusões — e as conclusões é que importam — o facto de a CIA e de a Embaixada dos Estados Unidos da América não terem colaborado com a Comissão Parlamentar de Inquérito.
Recordo que, por iniciativa útil, legítima, importante e consensual do CDS-PP, a Comissão Parlamentar de Inquérito solicitou à CIA informações sobre um conjunto de pessoas e a CIA e o Governo dos Estados Unidos da América, deliberadamente, não responderam, não colaboraram.
Ora, omitir estas informações das conclusões do Relatório final da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate comprova o grau de subserviência que PSD e CDS-PP têm ao seu, afinal, não muito fiel amigo Estados Unidos da América.

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